Por Vitor Nuzzi.
Ao assinar sua primeira Ordem do Dia, alusiva a 31 de março, o novo ministro da Defesa, Walter Souza Braga Netto, defendeu a celebração do golpe de 1964 – que o general, como fazem as Forças Armadas, chama de “movimento”. O militar recorreu a fatores históricos para justificar seu ponto de vista, no momento em que o país vive turbulência política e social.
“Eventos ocorridos há 57 anos, assim como todo acontecimento histórico, só podem ser compreendidos a partir do contexto da época”, afirma Braga Netto no início da Ordem do Dia. Ele cita o final da 2ª Guerra Mundial, um novo “mapa geopolítico internacional” e o surgimento da chamada Guerra Fria, opondo as duas potências da época, Estados Unidos e União Soviética.
“Ameaça à democracia”
O militar repisa o argumento de que o Brasil enfrenta “ameaça real à paz e à democracia”. Assim, acrescentou, houve mobilização social, com apoio empresarial, da imprensa e de lideranças políticas, entre outros setores, que em 1964 interrompeu o que ele chama de “escalada conflitiva”. Dessa forma, diz o general, as Forças Armadas “acabaram assumindo a responsabilidade de pacificar o País, enfrentando os desgastes para reorganizá-lo e garantir as liberdades democráticas que hoje desfrutamos”. Nenhuma palavra sobre a ausência de liberdade democráticas durante 21 anos, a partir de golpe com apoio norte-americano.
O ministro prossegue citando a Lei da Anistia, aprovada em 1979, que teria trazido “pacificação”. A lei é contestada até hoje no Supremo Tribunal Federal e tem evitado punição de torturadores. Movimentos organizam um ato para esta quarta (31) pela sua revisão. O general afirma ainda que o Brasil teve uma “transição sólida” e hoje tem novos desafios, com as Forças Armadas “na linha de frente, protegendo a população”.
“A Marinha, o Exército e a Força Aérea acompanham as mudanças, conscientes de sua missão constitucional de defender a Pátria, garantir os Poderes constitucionais, e seguros de que a harmonia e o equilíbrio entre esses Poderes preservarão a paz e a estabilidade em nosso País”, diz Braga Netto, acrescentando que 1964 faz parte da trajetória histórica do Brasil. “Assim devem ser compreendidos e celebrados os acontecimentos daquele 31 de março”, conclui.
“Genocidas, sádicos”
Logo depois da divulgação do documento, as críticas começaram a circular nas redes sociais. O deputado Marcelo Freixo (Psol-RJ), por exemplo, lamentou que no dia em que o país registre o recorde de 3.780 mortes em consequência da covid-19 o “desgoverno” solte uma nota “criminosa”. E acrescentou: “Genocidas”. A também deputada Natalia Bonavides (PT-RN) foi mais ácida: “A pacificação estaria em colocar ratos nas vaginas de mulheres torturadas? Em matar e ocultar cadáveres (até hoje)? Canalhas sádicos!”.
Natalia também anunciou, em seu perfil no Twitter, que notificou hoje mesmo a Corte e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos “porque o governo Bolsonaro, de novo, usou a máquina pública para celebrar um golpe que deu início a uma ditadura assassina. A conduta descumpre determinações anteriores da Corte.”
“Ditadura não é nunca para ser comemorada!”, exclamou a atriz Patricia Pillar. O professor de Direito Conrado Hubner, da Universidade de São Paulo (USP), ironizou: “A gente torturou mulher nua na frente dos filhos, a gente matou, prendeu, sumiu com corpos, a gente arruinou a economia do país e praticamos grande corrupção. Mas compreendam o contexto histórico”.