Blumenau está vivendo mais um capítulo do retrocesso na sua política da infância. De cidade pioneira e modelo internacional na implantação de uma lei municipal de acordo com as diretrizes do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) de 1990, Blumenau hoje é no máximo uma caricatura mal feita da Doutrina de Situação Irregular (MATTEDI, 1998, SAUT, 2005).
No dia primeiro de novembro uma conselheira representante do Conselho Tutelar fez uso do espaço “Tribuna Livre” na Câmara de Vereadores para denunciar as dificuldades de estruturas do Órgão. Conforme a representante, os conselheiros estão levando o trabalho para casa para diminuir o problema. “Mudamos de sede em setembro deste ano. Com isso, mudaram o nosso número de telefone, mas quando as pessoas ligam para o número antigo, não há uma mensagem dizendo qual é o novo número. Além disso, telefone e internet não estão funcionando adequadamente”. Em conversa que tive com uma das conselheiras, ela afirmou que o órgão está sem internet, sem sistema. Ou seja, as Conselheiras Tutelares de Blumenau, que é um polo de informática, estão sendo obrigadas a fazerem o registro e os encaminhamentos de forma manuscrita.
O que é preciso perceber é que o capítulo atual no município, não é um fato isolado, nem mesmo fruto de uma dificuldade técnica pontual, mas apenas, mais um capítulo do descaso com os órgãos de controle social da política da infância. A política da infância em Blumenau vem sendo diariamente destruída e nem de longe lembra os princípios defendidos no Estatuto da Criança e do Adolescente.
O que assistimos na verdade é um retorno ao velho autoritarismo da Doutrina de Situação Irregular (legislação vigente durante a ditadura militar). Os elementos que temos para isso é a forma que tem sido utilizada para escolha dos Conselheiros Tutelares. Uma atual opção por critérios técnicos em detrimento de critérios políticos, além do uso da Comissão de Ética como mecanismo de ameaça e subordinação do Conselho Tutelar.
Diferente do que está posto pelo censo comum, o Conselho Tutelar, não é um órgão técnico, mas político. Ele é a presença da sociedade civil no sistema de garantias, que pela lógica da Doutrina da Proteção Integral recebe da sociedade (crianças, adolescentes, famílias, comunidades) notícias de violação dos direitos e a partir do colegiado delibera pelo melhor encaminhamento possível, responsabilizando e comprometendo aos que devem responder pelo ressarcimento do direito ameaçado (Saut, 2008). Na grande maioria das vezes é o Estado.
Neste sentido, quando o gestor público, nega-se a dar estrutura básica ao Conselho Tutelar, impede e rompe a possibilidade de comunicação entre a sociedade e seus representantes no sistema de garantia. Impedindo assim que o Estado seja responsabilizado por sua ação ou omissão. Assim, o Conselho Tutelar deixa de cumprir suas funções de fiscalização, controle e assessoramento do Estado e passa a ser apenas uma porta de entrada para a população na rede de atendimento. Desta forma, o Conselho Tutelar minimiza suas atribuições na relação com o Estado e se fortalece como uma espécie de Polícia das famílias.
O resultado deste processo a função do Conselheiro Tutelar transformou-se em sinônimo de burocrata, esvaziado de sua função política e reduzido a ser um despachante de ofícios, que na atual conjuntura (sem computador) retorna ao início da década de 70. Uma caricatura do extinto Juizado de Menor.
Imagem: Carlos Latuff.