Ao bombardear Gaza por cinquenta dias, os israelenses provocaram estragos sem equivalentes desde 1967, com mais de 2 mil mortos, dos quais 500 crianças. Ao mesmo tempo, na Cisjordânia, a Autoridade Palestina mantém a cooperação em segurança com o exército de ocupação, apesar da ausência de Estado de verdade.
Por Olivier Pironet.
Ao chegar a Nablus, no norte da Cisjordânia, um cheiro amargo de pneus queimados invade as narinas. As ondas de fumaça preta que saem da borracha em chamas e as pedras que cobrem o chão obrigam o motorista do táxi coletivo a diminuir a velocidade. Dezenas de palestinos, em sua maioria chebab (“jovens”), reuniram-se para protestar contra o assassinato, dois dias antes, de Alaa Awad, um comerciante de 30 anos. Esse pai de dois filhos foi morto por soldados israelenses quando passava a pé diante do posto militar de Zaatara – um dos fortes instalados por Israel na região de Nablus para “proteger” as colônias judaicas que cercam a cidade1 –, perto do qual ele deveria receber uma entrega de telefones celulares. “Disseram que ele atirou neles, e eles responderam, mas é mentira. Eles contam o que é melhor para eles. É sempre assim”, reclama o motorista, com a aprovação de nossos companheiros de viagem.
Estacionados a algumas centenas de metros e protegidos das pedras lançadas contra seus imponentes jipes blindados, os soldados israelenses observam os manifestantes com um olhar zombeteiro, mesmo permanecendo atentos. O agrupamento será disperso depois com o lançamento de várias bombas de gás lacrimogêneo.
Perseguidos pelo Exército e pelos colonos
Entre os chebab que vieram às ruas para expressar sua cólera, estão alguns do acampamento de refugiados de Balata. Ali encontramos Fayez Arafat, um dos responsáveis pelo local. Esse homem de cerca de 50 anos, pai de nove filhos, dirige o centro cultural Yafa, que “fornece um apoio social, educativo e psicológico aos jovens do acampamento e se encarrega de sensibilizá-los para a questão do direito ao retorno dos refugiados palestinos”. Construído em 1950 para acolher os moradores de vilarejos expulsos da região de Jaffa, perto de Tel-Aviv, Balata se encontra na zona A, a área administrativa que delimita os setores da Cisjordânia “governados” pela Autoridade Palestina (AP), mas onde o Exército israelense opera segundo sua vontade, a despeito dos acordos de Oslo (ler quadro). O acampamento apresenta um condensado dos problemas que afetam os refugiados palestinos. Aqui, a pobreza (55% dos habitantes), o desemprego (53%, dos quais 65% são jovens diplomados), a desordem e a insalubridade atingem quase todos os lares. Cerca de 28 mil habitantes, dos quais 60% têm menos de 25 anos, amontoam-se em 1 quilômetro quadrado – um recorde na Cisjordânia, em termos de densidade de população. Eles vegetam nas habitações de concreto em sua maioria apertadas, construídas umas por cima das outras ao longo de ruelas empoeiradas, algumas tão estreitas – apenas algumas dezenas de centímetros de largura, às vezes – que a luz do dia mal consegue entrar.
Conhecido por seu engajamento contra a ocupação de 1976 e qualificado pelos israelenses como um “bastião terrorista” e muito vigiado, o acampamento pagou um tributo pesado nestes últimos anos: “Cerca de quatrocentos mortos desde o início da Segunda Intifada [2000-2005] e milhares de feridos. Cerca de trezentos residentes do acampamento estão atualmente encarcerados em Israel”, indica Arafat, ele mesmo já preso diversas vezes. O Exército israelense invade regularmente Balata para “prender aqueles que participaram de manifestações ou são procurados por causa de seu ativismo político, ou ainda para ‘garantir a segurança’ do bairro, por sua proximidade com a tumba de Yussuf” – um mausoléu venerado tanto por judeus quanto por muçulmanos.
Assediados pelo exército de ocupação e pelos colonos, os moradores estão “no limite”, solta Arafat. “Só podemos contar com nós mesmos. Quando os israelenses surgem para perseguir ou capturar militantes políticos, tentamos nos interpor, mas somos impotentes. Ainda temos armas aqui, mas as pessoas não as utilizam mais. A polícia palestina deveria nos proteger dos colonos – muito numerosos na região de Nablus e entre os mais agressivos –, mas ela não faz nada.” Em virtude dos acordos de segurança israelo-palestinos, elaborados em 1993, a polícia da AP não tem direito de usar a força contra os colonos em caso de ataque, devendo dirigir-se às autoridades israelenses. Ela também deve cooperar para atingir e parar os militantes palestinos que constituam um “perigo potencial” para Israel – essencialmente membros do Hamas, da Jihad Islâmica e da Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP, extrema esquerda), mas também dissidentes do Fatah, o partido do presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas. “O exército de ocupação, os colonos e também as forças de segurança palestinas mantêm uma pressão constante. Então é fácil entender por que as pessoas estão com raiva”, continua Arafat. “Somos como um vulcão prestes a entrar em erupção. Os responsáveis pela Sulta [‘Autoridade’, em árabe], que não têm mais nenhuma credibilidade aos nossos olhos, poderiam acabar pagando o preço.”
Mesma constatação e mesmas objeções no acampamento de refugiados de Aida, em Belém, um enclave de 700 metros quadrados encostado ao muro de separação construído por Israel, que encerra uma grande parte da cidade e conta com trechos de 8 metros de altura. Cerca de 6 mil pessoas moram ali, das quais mais da metade tem menos de 25 anos. “Cento e cinquenta de nossos jovens – entre eles um menino de 13 anos – estão atualmente encarcerados nas prisões israelenses, sem contar os prisioneiros que apodrecem ali há muitas décadas. Muitos políticos de altos cargos e combatentes da resistência também foram presos durante a Segunda Intifada”, indica Nidal al-Azraq, coordenador das atividades do centro dos refugiados, em Aida, e irmão caçula de um militante libertado em 2013, após 23 anos de prisão. O Exército israelense, que teve uma de suas torres de observação que cerca o acampamento incendiada no ano passado pelos chebab, “organiza ali operações noturnas quase diariamente”, acrescenta Al-Azraq. Há alguns meses, desrespeitando os acordos de Oslo, “as autoridades de ocupação decidiram deslocar Aida da zona A para a zona C, quer dizer, sob seu controle exclusivo, e depois decretaram seu perímetro como uma ‘zona militar fechada’”, conta Salah Ajarma, diretor do centro. A polícia palestina não tem mais direito de entrar ali nem de patrulhar a região. Mesmo que tentasse, encontraria a hostilidade dos refugiados, com quem as relações se deterioraram em razão das muitas prisões de oponentes feitas nos últimos anos – “às vezes diretamente sob a ordem dos israelenses”, segundo Ajarma, que conheceu a prisão desde os 14 anos. “Como podemos confiar nela, estando ela submetida à vontade do ocupante e constituindo até mesmo uma ameaça para nós?” No início de 2013, os moradores destruíram um posto de polícia presente no acampamento e expulsaram os policiais. “Temos a impressão, no fundo, de que apenas a bandeira [palestina] à qual servem os diferencia dos soldados israelenses”, explica.
Essas críticas encontram eco entre grandes grupos da sociedade palestina e os principais partidos políticos, inclusive no seio do Fatah. No entanto, a suspensão da cooperação de segurança entre a polícia da AP e o Exército de Israel não está na ordem do dia, como lembrou Abbas, em 28 de maio, diante de um grupo de militantes pacifistas, jornalistas e homens de negócios israelenses reunidos em Ramallah: “A coordenação de segurança é sagrada, sagrada. E ela vai continuar quer concordemos com os israelenses ou não”2 – declarações que constrangeram uma parte dos dirigentes do Fatah.
Uma força com 30 mil homens
Inscrita nos acordos de Oslo de 1993, essa cooperação bilateral foi colocada em ação depois do acordo assinado no Cairo em maio de 1994 (Oslo I). Este indica que as forças da ordem palestinas devem “agir sistematicamente contra qualquer incitação ao terrorismo e à violência” contra Israel, “impedir qualquer ato de hostilidade” contra as colônias e “coordenar [suas] atividades” com as do Exército israelense, principalmente por meio da troca de informações e de operações conjuntas. Suspensa durante a Segunda Intifada, em seguida reativada por Abbas depois de sua ascensão à chefia da Autoridade Palestina, em 9 de janeiro de 2005, essa política tomou novo fôlego com a reforma dos serviços de segurança levada a cabo pelo ex-primeiro-ministro Salam Fayyad (2007-2013).3 Com excesso de pessoal, as diversas forças de polícia reagrupam cerca de 30 mil homens – ou seja, um agente para cada oitenta habitantes, uma das porcentagens mais elevadas do mundo (um para cada 356 na França). Elas foram profundamente remanejadas sob a supervisão dos norte-americanos, que formaram unidades especiais e as dotaram de veículos modernos, materiais de ponta e armas sofisticadas. Os serviços de segurança, financiados em parte por Washington e pelos europeus,4 absorvem mais de 30% do orçamento anual da AP – estabelecido em 3,2 bilhões de euros em 2014 –, um valor que ultrapassa as despesas reservadas para a educação, a saúde e a agricultura juntas.5 “Eles são a base da Autoridade Palestina”, explica o sociólogo palestino Sbeih Sbeih. “Os acordos de Oslo transformaram esta em uma subcontratada da ocupação israelense.” Não era esse, inclusive, um dos objetivos? Em 1993, o primeiro-ministro israelense, Yitzhak Rabin, declarava que a transferência de algumas funções de segurança para os palestinos deveria permitir que “o Exército israelense fosse dispensado” – e isso era o mais importante – “do dever de cumpri-las”.6
Acúmulo de riqueza pelas grandes famílias
No comando do dispositivo de cooperação de segurança de 2009 a 2014, o ex-ministro do Interior palestino Said Abu Ali tem uma visão completamente diferente. Ele nos recebeu ladeado por dois de seus conselheiros, em seu vasto escritório do palácio ministerial, em Ramallah. “A política de coordenação é um sucesso para as duas partes”, afirma jovialmente. “Os esforços que empregamos para restabelecer a ordem, nestes últimos anos, permitiram-nos garantir certa estabilidade na Cisjordânia e impedir o desenvolvimento do terrorismo e do extremismo. Alguns condenam a cooperação de nossos serviços com Israel, ou nos acusam de ‘colaboração’, mas não tem nada a ver. Nosso objetivo é construir um Estado, e a segurança é um de seus pilares fundamentais.” Uma “estabilidade” e uma “segurança” relativas: em 2013, mais de 4,6 mil civis palestinos foram presos na Cisjordânia pelo Exército israelense, ao longo de cerca de 4 mil intervenções, e cerca de trinta foram mortos. Nesse mesmo ano, as violências cometidas pelos colonos (392 incidentes) aumentaram 8% em relação a 2012, fazendo uma centena de feridos, principalmente camponeses palestinos;7 a polícia da AP, por sua vez, é regularmente acusada de extorsões e de manter em detenção arbitrária oponentes políticos (assim como seu homólogo dirigido pelo Hamas em Gaza). Além disso, Israel organiza a cada ano diversas centenas de operações em coordenação com os serviços palestinos.8 “Essa política de segurança, que nossos dirigentes justificam em nome do Estado que há de vir, serve na verdade para dar garantias para a ‘comunidade internacional’, da qual a Autoridade depende financeiramente, e para impedir qualquer tipo de revolta nos territórios”, estima Abaher el-Sakka, professor de Sociologia da Universidade de Bir Zeit (Ramallah). “Mas ela tem como efeito suscitar o ressentimento de um número cada vez maior de palestinos.”
A situação social do país não contribui para acalmar as coisas. A população se mobilizou amplamente em 2011 e 2012, principalmente para denunciar a política econômica do governo. As reformas liberais introduzidas por Fayyad a partir de 2007, apoiadas pelo Fundo Monetário Internacional, pelo Banco Mundial e pelos países doadores, colocaram partes inteiras da economia do pequeno território nas mãos do setor privado. Em nome do crescimento e para atrair investidores, o ex-primeiro-ministro colocou em ação uma “terapia de choque”: supressão de 40 mil postos de servidores (estimados em 150 mil hoje), redução dos orçamentos sociais, compressão dos salários, reorganização da proteção social, reforma do setor bancário etc. Essas medidas contribuíram para o aumento das desigualdades, destruindo os empregos e provocando um aumento brutal do custo de vida.
O crescimento do final dos anos 2000 (7% de crescimento em 2008 contra 1,5% em 2013) – ligado unicamente à ajuda estrangeira, pois seu volume cobre metade do orçamento da AP – foi apenas um fenômeno enganador. O “boom econômico” do “Tigre Palestino” celebrado pelos especialistas ocidentais terminou numa crise financeira sem precedentes assim que as contribuições dos doadores terminaram em 2010. A taxa de desemprego está extremamente alta (entre 20% e 30% na Cisjordânia, segundo as fontes, e acima de 40% em Gaza), e a pobreza atinge um quinto da população (20% dos palestinos da Cisjordânia vivem com menos de 1,50 euro por dia), enquanto a renda dos mais ricos aumentou 10% entre 2007 e 2010.9 “A maior parte da economia do país está concentrada nas mãos das grandes famílias e dos novos ricos, que estão ligados em sua maioria ao poder e se aproveitam de suas redes”, explica El-Sakka. “Eles se encontram na chefia de empresas que controlam os setores da telefonia, da construção, da energia, da alimentação etc. Alguns entre eles investem no mercado israelense e nas colônias industriais. Em troca, beneficiam-se de certos privilégios concedidos por Israel, como a possibilidade de passar prioritariamente nas barragens militares, da mesma forma que os oficiais da Autoridade.”10 Em Ramallah, em particular, esses VIPs que vemos desfilando no centro da cidade ao volante de seus carros reluzentes moram nos bairros descolados, que são completamente diferentes do universo dos acampamentos de refugiados.
Além disso, o desenvolvimento econômico da Cisjordânia continua entravado pela ocupação, pelo muro de separação e pelo sistema de barragens que permeia o território. Graças ao Protocolo de Paris (1994), versão econômica e financeira dos acordos de Oslo, os israelenses exercem também seu controle sobre as atividades comerciais dos palestinos – que importam 70% de seus produtos de Israel e exportam para lá 85% de suas mercadorias. As autoridades de Tel-Aviv coletam também as taxas alfandegárias em relação à AP. Elas podem confiscar à vontade, por chantagem ou na forma de represálias. “Estamos submetidos a uma dupla ocupação, militar e econômica”, lamenta Sbeih Sbeih. “A política de segurança e opressão econômica constitui os dois aspectos de uma mesma lógica, em ação desde Oslo.”
Naba Alassi vive no acampamento de refugiados de Dheisheh (Belém). Esse homem de cerca de 30 anos que viu um de seus amigos morrer em seus braços, morto por soldados israelenses durante uma manifestação, revolta-se contra “a Autoridade e seus protegidos”: “As elites e os capitalistas de Ramallah, que passeiam em suas grandes Mercedes e seus 4×4, não nos representam! Eles nos chamam de ‘terroristas’ e ‘extremistas’, mas só estamos resistindo à ocupação! Devemos desmantelar a Autoridade. Ela só serve para conduzir negociações inúteis, que no fundo são sua única razão de existir, seu business!”.
Há vinte anos, encontros, conferências, mesas-redondas e reuniões diplomáticas viram florescer as declarações de princípio, as resoluções internacionais e as promessas solenes. Mas todas permaneceram sem valor. “Para que serve continuar dialogando com nossos inimigos, posar todo sorridente ao lado deles nas fotos destinadas à ‘comunidade internacional’ e apertar suas mãos enquanto eles mantêm o controle sobre nosso território? Para quem essas negociações estéreis são lucrativas, além dos israelenses?”, pergunta Ajarma. “Devemos cada vez mais nos contentar com as migalhas que nos jogam sobre a mesa e dizer obrigado. A questão de um Estado independente nem sequer figura na pauta das últimas discussões, como se a ocupação fosse um fato normal”, acrescenta Abdelfattah Abusrour, diretor do centro sociocultural Al-Rowwad, em Aida.
As últimas negociações (julho de 2013 a abril de 2014) entre Israel e a AP, ocorridas sob a mediação do secretário de Estado norte-americano, John Kerry, não derrogaram a regra.11 No entanto, elas não eram destinadas ao fracasso, já que Israel tinha recusado paralisar a colonização nos territórios ocupados e Washington renunciado a fazer pressão sobre Tel-Aviv? “Os Estados Unidos não conseguiram colocar em ação nenhum acordo desde Oslo, e do lado israelense não podemos esperar nada de um governo totalmente alinhado com a causa dos colonos”, analisa Nabil Chaath, um alto dirigente do Fatah e ex-negociador-chefe que foi um dos autores dos acordos de paz, principalmente da parte voltada à segurança. “Antes mesmo que as discussões fossem retomadas, eu tinha falado sobre meu ceticismo para Mahmoud Abbas e lhe perguntado por que aceitava retornar, nessas condições, para a mesa de negociação. ‘Não tenho escolha’, ele me respondeu.” “Do nosso lado, somos completamente opostos à retomada das negociações. Israel as utiliza para nos manipular e criar situações controladas na prática”, diz Hassan Youssef, um dos principais dirigentes do Hamas na Cisjordânia, encontrado em Ramallah alguns dias antes de sua prisão pelos israelenses, em 16 de junho de 2014.
“Ficaremos aqui, nesta terra que nos viu nascer”
A continuação da colonização, a manutenção do regime de ocupação militar, o fracasso das negociações e o descrédito impressionante da AP alimentam as especulações sobre uma terceira Intifada. Esta, porém, “é pouco provável a curto prazo”, considera o professor El-Sakka. Por três razões: as forças de segurança palestinas, que, mesmo deixando acontecer manifestações pontuais e circunscritas, fazem de tudo para impedir um levante geral; as divisões internas, persistentes apesar da formação de um governo de entendimento, em junho de 2014, fruto da “reconciliação” entre o Fatah e o Hamas; e a ausência de projeto e de estratégia políticos capazes de mobilizar a sociedade palestina. “Nossas únicas esperanças por enquanto residem na campanha mundial de boicote contra Israel12 e na eventual possibilidade de atingir as instâncias jurídicas, como a Corte Penal Internacional, para poder fazer os responsáveis militares e políticos serem julgados”, estima o sociólogo. “No entanto, bastaria uma faísca, um acontecimento catalisador, para explodir uma nova Intifada.”
“Somos destinados à Intifada”, confirma Ayman Abu Zulof, ex-militante da FPLP, preso seis vezes entre 1989 e 1993, hoje guia e intérprete. Sua casa, situada em Beit Sahour, uma aldeia cristã próxima de Belém, fica de frente para a colônia israelense de Har Homa, estabelecida sobre as terras de sua comuna. Essa fortaleza de concreto eleva-se no topo da colina, antes recoberta por uma floresta, onde ele gostava de brincar na infância. Os israelenses devastaram-na em 1997, depois de terem anexado os locais.
Belém, a cidade que viu Jesus vir ao mundo, segundo a tradição, está cercada por aproximadamente vinte colônias, cuja expansão vai de vento em popa. “Eles constroem, mas nós também construímos e continuaremos construindo”, diz Abu Zulof, contemplando o vale pontilhado de oliveiras. “Ficaremos aqui, nesta terra que nos viu nascer e que viu nascer nossos ancestrais. Estaremos pregados a ela, contra tudo. É nossa forma de lutar no dia a dia.”
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Um horizonte murado
O contexto político em Israel não oferece nenhuma esperança para os palestinos. O governo de coalizão de Benjamin Netanyahu, colocado sob o cajado do Likud (direita conservadora) e do qual participam, entre outros, dois partidos de extrema direita, é dos mais intransigentes que o país já conheceu. “Não há nenhuma esperança”, confia um observador israelense que prefere se manter anônimo. “A direita e os colonos ganharam. E mesmo que amanhã, tocado por uma ‘graça divina’, Netanyahu decidisse criar um Estado palestino, ele não poderia. Nestes últimos anos, a sociedade israelense radicalizou-se e voltou-se para si mesma. O sionismo religioso e a onda ultranacionalista infiltraram-se em todos os aparelhos de decisão do país. Seu objetivo na Cisjordânia é ocupar a terra, nada mais. Trata-se antes de mais nada de uma política consumada.” Yaacov ben Efrat, analista da Challenge, uma revista eletrônica judeo-árabe, confirma: “Esse governo só se preocupa com as críticas que lhe são feitas em relação à falência do processo de paz. Ele está sozinho nadando contra a maré. E sabe que pode contar, por muito tempo ainda, com o apoio dos Estados Unidos”.
A opinião pública israelense, por sua vez, satisfaz-se com o statu quo. Ela se mostra mais sensível às tensões em suas fronteiras (Egito, Líbia, Síria) e preocupada com a boa saúde econômica do país, relativamente poupado pela crise financeira mundial, mas muito desigual,1 do que com a questão palestina. Ultimamente foi preciso a guerra de Gaza deste ano e a operação conduzida na Cisjordânia depois do sequestro e assassinato de três jovens colonos, em junho passado, para chamar a atenção de todo o país. Em tempos comuns, a grande maioria da população é indiferente ao conflito com os palestinos. Estes parecem ser, aos olhos dos israelenses, apenas “uma pedra no sapato”, como qualificaria o ministro da Economia, Naftali Bennett.2 “A situação nos territórios ocupados funciona para eles como um eczema: às vezes coça, incomoda, irrita um pouco”, explica Michel Warschawski, jornalista e militante pacifista que vive em Jerusalém. “No entanto, continua sendo uma questão de manutenção da ordem, de política interna.” A Palestina, mesmo que situada a pequena distância, continua sendo para os israelenses um negócio longínquo, mas não está perto de “afundar no mar”,3 como gostaria Yitzhak Rabin. (O.P.)
Ler Yaël Lerer, “Indignation (sélective) dans les rues d’Israël” [Indignação (seletiva) nas ruas de Israel], Le Monde Diplomatique, set. 2011.
2 Shimon Shiffer, “Netanyahu versus Bennett: it’s a matter of time until the next coalition crisis” [Netanyahu versusBennett: próxima crise da coalizão é questão de tempo], Ynet, 30 jan. 2014.
3 “Rabin expresses his frustration with Palestinian stance in talks” [Rabin expressa sua frustração com a posição palestina nas negociações], Jewish Telegraphic Agency (JTA), 4 set. 1992
Olivier Pironet
*Olivier Pironet é jornalista
Ilustração: Reuters/Ammar Awad
1 Quinhentos pontos de controle israelenses e trezentas colônias estão espalhadas pela Cisjordânia, cuja superfície equivale à de Brasília.
2 “Abbas in firing line over security cooperation with Israel” [Abbas na linha de fogo sobre a cooperação de segurança com Israel], Middle East Eye, 10 jul. 2014. Disponível em: www.middleeasteye.net.
3 Cf. o relatório do International Crisis Group, “Squaring the circle:Palestinian security reform under occupation” [A quadratura do círculo: a reforma da segurança palestina sob ocupação], set. 2010. Disponível em: www.crisisgroup.org.
4 Em 2013, os Estados Unidos e a União Europeia alocaram respectivamente 330 milhões e 468 milhões de euros para a Autoridade Palestina dentro do programa de assistência à segurança e à economia. Cf. Human Rights Watch, “Rapport mondial 2014”. Disponível em: www.hrw.org.
5 Cf. Tariq Dana, “The beginning of the end of Palestinian security coordination with Israel?” [O começo do fim da coordenação da segurança palestina com Israel?], Jadaliyya, 4 jul. 2014. Disponível em: www.oil.jadaliyya.com.
6 Yediot Aharonot, Tel-Aviv, 7 set. 1993.
7 “Fragmented lives” [Vidas fragmentadas], relatório do Escritório das Nações Unidas para a Coordenação dos Casos Humanitários, mar. 2014. Disponível em: www.ochaopt.org.
8 Cf. Tariq Dana, op. cit.
9 Adam Hanieh, “The Oslo illusion” [A ilusão de Oslo], Jacobin Magazine, Nova York, n.10, abr. 2013.
10 Sobre o tratamento reservado aos VIPs palestinos, cf. principalmente Roger Heacock, La Palestine. Un kaléidoscope disciplinaire [A Palestina. Um caleidoscópio disciplinar], CNRS Éditions, Paris, 2011, p.17-19.
11 Ler Alain Gresh, “Pourquoi les négociations au Proche-Orient échouent toujours” [Por que as negociações no Oriente Médio sempre fracassam], Le Monde Diplomatique, jun. 2014.
12 Ler Julien Salingue, “Alarmes israéliennes” [Alarmes israelenses], Le Monde Diplomatique, jun. 2014