Na China, Lula aplica um golpe no fígado do imperialismo. Por Jair de Souza

A partir de 1971, os Estados Unidos puseram fim à convertibilidade do dólar, e isto efetivou na teoria o que já era uma verdade na prática: o dólar tinha se tornado uma moeda fiduciária, cuja aceitação ao redor do mundo dependia fundamentalmente da grande capacidade política e militar ostentada pelos Estados Unidos.

 

Foto: Ricardo Stuckert/PR.

Por Jair de Souza.

Em seu discurso feito no ato da posse de Dilma Rousseff como presidenta do Banco do BRICS, Lula proferiu palavras muito duras para condenar a injustificável persistência do uso do dólar estadunidense como moeda efetiva para as relações de troca entre as diferentes nações do mundo.

Para que tenhamos ideia da gravidade do que foi dito por Lula, basta observar as reações em relação com esta declaração provenientes dos grandes meios de comunicação alinhados com a defesa dos interesses imperialistas, tanto no Brasil como no resto do mundo.

Com efeito, na esmagadora maioria dos órgãos dessa mídia corporativa, houve uma gritaria generalizada em discordância com os termos expressados por Lula em seu discurso. Portanto, em vista disto, cabe-nos perguntar: O que significa ter o dólar estadunidense como a moeda internacional e o que pode representar o fim desta norma?

Da forma como as coisas estão na atualidade, quando dois países, Brasil e Paquistão, por exemplo, decidem negociar entre si, importando e exportando seus próprios produtos, a questão não fica limitada a estas duas nações. Há um terceiro país (os Estados Unidos) que, mesmo sem ter tido nenhuma participação na negociação, na produção ou no transporte desses bens, vai receber ganhos com a realização dessas operações. Como assim? Por que?

É que, ao final da II Guerra Mundial, o mundo adquiriu uma nova faceta. Os Estados Unidos saíram daquela conflagração como a nação mais poderosa do planeta, tanto do ponto de vista econômico como no militar. No ano anterior à derrota da Alemanha nazista (1944), na cidade de Bretton Woods, em New Hampshire, EUA, as nações que haviam se aliado em seu enfrentamento com as potências do Eixo firmaram um tratado que visava normatizar as bases para o funcionamento da economia mundial após a conclusão do conflito.

O acordo firmado em Bretton Woods foi muito vantajoso para os Estados Unidos. A partir de então, uma parte substancial do comércio internacional e das movimentações financeiras passaria a ser gerida sob o controle efetivo dessa nação norteamericana. O dólar se tornava o meio de pagamento de referência para as trocas internacionais e ficava estabelecida sua convertibilidade em base a uma paridade com o ouro. Todo o sistema de compensações financeiras internacionais passou a funcionar com base nessa moeda.

No entanto, a partir de 1971, os Estados Unidos puseram fim à convertibilidade do dólar, e isto efetivou na teoria o que já era uma verdade na prática: o dólar tinha se tornado uma moeda fiduciária, cuja aceitação ao redor do mundo dependia fundamentalmente da grande capacidade política e militar ostentada pelos Estados Unidos.

Sem necessidade de contar com o amparo de reservas em ouro para garantir a validade internacional de sua moeda, os Estados Unidos passaram a se despreocupar com a questão de seu déficit orçamentário. Afinal, qualquer desequilíbrio que viesse a surgir seria compartilhado (na verdade, transferido) ao restante do mundo. Bastava emitir mais dólares e as contas seriam acertadas. E isso os Estados Unidos poderiam fazer sem dificuldades. Em outras palavras, caberia aos demais países da comunidade internacional arcar com o rombo orçamentário estadunidense, o qual ia se agigantando a cada ano.

Por isso, quando Lula sugeriu que, em lugar de seguir fazendo nossas transações com base na moeda estadunidense, deveríamos buscar formas de comercializar por meios alternativos que não nos sujeitassem aos caprichos das autoridades monetárias dos Estados Unidos, aqueles que se beneficiam amplamente do atual sistema não gostaram da ideia.

Ainda que a proposta de Lula expresse um suposto que deveria ser considerado natural e lógico, nas condições atuais, ela significa um violentíssimo golpe contra as pretensões estadunidenses de seguir exercendo sua hegemonia mundial apesar de sua notável decadência em termos de produção e liderança tecnológica. Como sabemos, a economia da República Popular da China é atualmente muitíssimo mais dinâmica do que sua contraparte estadunidense. A produtividade da indústria chinesa é incomparavelmente superior e, em termos de competição estritamente econômicos, os Estados Unidos não têm nenhuma possibilidade de disputar mercados com a China.

No intuito de manter sua posição de líder no cenário internacional do momento, os Estados Unidos vão dependendo cada dia mais de seu poderio militar e de seu controle do sistema financeiro. Assim que, ao sugerir que o dólar deixe de ser a moeda de uso generalizado para as relações comerciais entre as diferentes nações, Lula aplica um golpe dos mais violentos contra os interesses do imperialismo gringo. Em uma analogia com o boxe, seria como desfechar um vigoroso direto de esquerda no fígado do adversário.

Se não puderem mais dispor da capacidade de manipular com sua moeda, os Estados Unidos vão precisar depender de sua própria produção e de seus próprios recursos para aspirar a ter êxito em suas interações com as demais nações. Há muito tempo eles vêm atuando de modo parasitário, alimentando-se com o sacrifício de todos os outros países da comunidade internacional, transferindo os custos de sua ineficiência para o restante do mundo. Portanto, ao propor medidas que os obrigam a ter de voltar a contar com seus próprios esforços para respaldar sua situação, as sugestões feitas por Lula se tornam de fato uma forte ameaça que põe em risco suas pretensões de continuar exercendo sua hegemonia em detrimento do restante da humanidade.

Jair de Souza é economista formado pela UFRJ; mestre em linguística também pela UFRJ.

 

 

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