Por Manuel Dutra.
Ou os municípios do Oeste do Pará se unem para reivindicar, de imediato, uma moratória nessa forma ainda mais brutal de garimpagem que degrada o meio ambiente, ou estarão sendo coniventes com a morte da galinha dos ovos de ouro. Durante a moratória, ampla discussão em audiências públicas com as prefeituras, os MPs federal e estadual e sociedade organizada
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Fotos: MDutra
Na frente da cidade de Itaituba as palhetas do barco reviram o rio, mostrando que o barro já invade o seu leito, mudando a sua coloração, com grave ameaça ao ambiente, ao turismo e à saúde das populações do Oeste paraense
Alter do Chão, planos de investimento e legalização da poluição
Turismo ou garimpagem predatória: uma escolha para apresente geração
Sairé: esta festa sobreviverá com o Tapajós e suas praias enlameadas?
O governo do Pará já decidiu “regularizar” o processo de devastação da calha do rio Tapajós, permitindo a operação das gigantescas dragas que entraram ilegalmente em território paraenses. Ao mesmo tempo, promete proibir a operação dos pequenos e médios garimpeiros tradicionais que reviram a lama deixada da época da grande corrida do ouro no Oeste paraense entre os anos 1950 e 1990.
Perto da foz, o Tapajós ainda tem coloração mais ou menos normal. Porém, o turismo tem futuro aqui? E os milhares de empregos e a circulação da economia incentivada pelos governo federal e estadual? Incoerência?
Esse foi o principal anúncio do titular da Secretaria Estadual demeio Ambiente (Sema) José Colares, que passou vários dias, antes do carnaval, percorrendo áreas dos municípios de Itaituba, Jacareacanga e Novo Progresso, onde a atividade garimpeira altamente predatória retorna com avidez e tecnologias desconhecidas naquela região nos anos 1970/1980.
Essas medidas contrastam frontalmente com as promessas de dinamização da economia do Oeste paraense por meio do turismo. Ainda no governo Ana Júlia, a Paratur e o Banco do Brasil firmaram acordo de investimento nesse setor, que inclui o Tapajós.
O governo federal, por sua vez, através do Banco da Amazônia, tem um plano de dinamização do turismo, elaborado em 2012, e prevendo que “os destinos indutores de desenvolvimento turístico definidos pelo Programa de Regionalização foram Belém e Santarém. Os Roteiros Prioritários são: Círio – Fé e Tradição”, realizado na capital Belém; “Aventuras na Amazônia Paraense – Belém e Ilha do Marajó”, realizado nos municípios de Belém, Soure e Salvaterra e “Pérolas do Pará: Belém e Alter do Chão”, realizado nos municípios de Belém e Santarém/Alter do Chão.
Além dessas cartas de intenção, há os investimentos privados prontos ou em andamento em Alter do Chão, Aveiro, Fordlândia, Itaituba e outros locais. Além dos 20 transatlânticos da temporada novembro-março que adentram o Tapajós há mais de 25 anos. Com a avalanche poluente descendo da direção das nascentes, como ficarão esses investimentos e essas expectativas econômicas? Se o turismo sofrer um baque desse calibre nos próximos dois anos, a região Oeste perderá milhares de empregos, com a inviabilização de sua incipiente, mas crescente indústria do turismo.
Ou os municípios da região, por seus prefeitos e por suas entidades civis organizadas, se unem para reivindicar, de imediato, uma moratória nessa forma ainda mais brutal de garimpagem que degrada o meio ambiente, ou estarão sendo coniventes com a morte da galinha dos ovos de ouro. Além dos próprios municípios hospedeiros das gigantescas dragas, precisam tomar uma decisão urgente os governos e as populações, por suas organizações comunitárias, o próprio município de Itaituba, Aveiro, Belterra e Santarém que, não tendo garimpos, sofrerão tanto ou mais que Itaituba, Novo Progresso, e Jacareacanga.
Nos anos 1980, a devastação foi tamanha, que cerca de 500 quilômetros do Tapajós foram tomados pela poluição física, provocada pelo desmanche de milhares de barrancos à margem do rio, além da poluição química causada pelo emprego do mercúrio na amalgamação das fagulhas de ouro. Como é sabido, o mercúrio, que se transforma no metilmercúrio, é o mais venenoso dos metais pesados existente na natureza, em forma líquida.
O disseminação de mercúrio na amalgamação e, depois, sob forma de vapor no processo de queima do amálgama, para retirar as impurezas do ouro, impregna-se na natureza, sobretudo nos rios, contaminando peixes, aves e vegetais. Daí, essa massa venenosa ameaça o ser humano, causando-lhe os mais graves problemas de saúde, a partir do comprometimento do sistema nervoso central das pessoas que consomem peixes e aves, como se verificou há mais 20 anos, quando diversas pessoas adoeceram no vale do Tapajós.
Além do aspecto sanitário, essa dupla forma de poluição está a mudança de coloração de um dos maiores e mais belos rios da Amazônia, já ameaçando as suas quilométricas praias com a cor amarelada do barro que desce dos garimpos.
A decisão do governo paraense é legalizar os proprietários das grandes dragas-balsas, em número de 40 (este número pode ser maior), 29 das quais diretamente dentro do leito do Tapajós, estando as outras em afluentes já revirados e transformados em lamaçais. Segundo a assessoria de imprensa da Secretaria Estadual de Meio Ambiente, “a operação faz parte do Plano de Ação de Regularização dos Garimpos da região (Oeste do Pará) e, conforme o secretário de Meio Ambiente, José Colares, ocorrerá de forma sistemática, para dar celeridade ao processo de regularização das licenças ambientais”.
O jornalista José Parente de Sousa, de Itaituba, informa em seu blog que, por ocasião da visita do secretário José Colares e de uma numerosa equipe, o que mais chamou a atenção “de modo especial foi quanto ao que vai acontecer com os pequenos e médios garimpeiros que trabalham nos afluentes do Rio Tapajós. Eles serão diretamente afetados, porque vão ter que paralisar suas atividades. Entretanto, estão sendo beneficiados os grandes garimpeiros que já exploram a produção de ouro no leito do Rio Tapajós. Um número de até 40 dragas irá trabalhar no nosso rio. Esse pessoal tem recurso, tem condições de tocar a vida em outra atividade, mas, os pequenos e os médios, não tem”.
Acrescenta Parente: “No comércio de Itaituba, quem investe são os pequenos e os médios garimpeiros, que não têm estrutura para comprar fora, como fazem os grandes. Quem compra em nossas lojas os materiais dos quais precisam para tocar o garimpo, ou para casa, compra gêneros alimentícios, além de outros bens, são os pequenos e os médios mineradores. Então, quando a atividade deles for paralisada, como já está decidido, o impacto no comércio de Itaituba e de outros municípios desta região será muito grande, difícil até de a gente dimensionar”.
Diz ainda que “por outro lado, o mesmo governo que decidiu que a garimpagem nos tributários do Rio Tapajós tem que ser paralisada, olha para a produção de ouro no leito desse grande rio com complacência, como se a atuação de 40 dragas não fosse causar um grande impacto ambiental. Como vai ficar a água do nosso rio? Como vai ficar o nosso rio? Quando eu falei isso, no final dos trabalhos, cheguei a ser vaiado pelos mineradores presentes, que não entenderam as minhas colocações e a minha preocupação.
A contradição se acentua, quando a Paratur, estatal paraense, afirma:
“O turismo é uma das atividades que mais geram divisas no mundo, devido, sobretudo, à sua capacidade de agregar valor aos seus produtos e serviços, bem como ao efeito multiplicador exercido sobre a geração de emprego e renda. Entre os benefícios proporcionados pela atividade turística, destacam-se, entre outros: desenvolver-se em cidades de pequeno, médio e grande portes; não degradar o meio ambiente em intensidade como outras atividades e contribuir, decisivamente, para o bom desempenho da balança comercial dos países, especialmente daqueles que desenvolvem a atividade com seriedade”.
O governo que diz isso é o mesmo que autoriza a destruição do filão propulsor do turismo no coração do oeste do Estado, em pleno coração da Amazônia. Dá pra entender tanta incoerência?