Por Ingrid Matuoka.
Divulgados em janeiro, os dados do Censo Escolar 2017 revelaram um quadro preocupante. Apesar de mostrarem um aumento de matrículas em tempo integral no Ensino Fundamental, a expansão não foi capaz de reverter a enorme queda do ano de 2016, quando ocorreu uma redução de 46,7% em comparação com 2015.
Recém-iniciado, o ano de 2018 tampouco se mostra promissor. Municípios brasileiros de diferentes regiões acusam cortes no repasse de investimento que têm levado à redução de vagas na modalidade, evidenciando que a política de educação integral em via de implementação até 2015 foi descontinuada, dando lugar a outra com propósito distinto.
Municípios brasileiros de diferentes regiões acusam cortes no repasse de investimento que têm levado à redução de vagas na modalidade
Mônica Gardelli Franco, superintendente do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (CENPEC), avalia que “esta descontinuidade traz inúmeras consequências para as redes de ensino, seus profissionais e alunos”.
Nesse ritmo, tudo indica que a meta 6 do Plano Nacional de Educação (PNE), que determina que 50% das escolas e 25% das matrículas sejam de educação em tempo integral, não tem perspectiva de ser cumprida.
Situação dos municípios
No município de Campo Alegre, Alagoas, cinco unidades de Educação Infantil e Ensino Fundamental deixaram de ofertar a jornada em tempo integral, afetando mais de 1,3 mil estudantes da rede.
Graciene Monteiro, secretária municipal de educação, explica que o fechamento das escolas é consequência do corte de gastos que o setor da educação sofreu no município, quando o Ministério da Educação (MEC) deixou de repassar cerca de R$ 7 milhões. “Para uma cidade como a nossa, isso tem impacto direto na oferta de educação integral aos estudantes”, diz.
Referência em educação integral no estado, a rede municipal de Campo Alegre é formada por 22 escolas e, até setembro de 2017, a jornada em tempo integral acontecia em 5 Centros de Educação Infantil e 10 escolas municipais de Educação Infantil e Ensino Fundamental.
Leandro Neto Madeiro, diretor de gestão administrativa da Secretaria de Educação do município, conta que “em agosto, os recursos já estavam 100% executados com a folha de pagamento. Isso fez com que fosse necessário pensar em uma nova logística em relação às escolas de educação em tempo integral”.
Uma das medidas para conter gastos e conseguir terminar o ano foi reduzir o quadro de funcionários, afetando diretamente as atividades escolares oferecidas no período da tarde e impossibilitando as escolas de continuarem o funcionamento em tempo integral. “Nós priorizamos manter os cinco Centros de Educação Integral e fechar 50% das escolas de Educação Infantil e Ensino Fundamental. Estamos sofrendo cortes de servidores e de atendimento”, lamenta Leandro.
Em Campo Alegre (AL) uma das medidas para conter gastos e conseguir terminar o ano foi reduzir o quadro de funcionários, afetando diretamente as atividades escolares do período da tarde
Em Pomerode, Santa Catarina, o cenário parece se repetir. Gabriela Mira, mãe de um aluno de 8 anos matriculado em tempo integral no terceiro ano do Fundamental, conta ter sido avisada pelo diretor da escola que a vaga não continuaria disponível a partir do segundo semestre. Circula a informação que cinco escolas em tempo integral do município devem ter suas vagas reduzidas a partir de agosto.
“O diretor da escola disse que quem tem renda bruta superior a 500 reais per capita em casa não vai mais poder se matricular, porque a prefeitura deixou de receber verba do governo e está priorizando o acesso de algumas famílias”, conta Gabriela, que diz ter conversado com outras famílias que também foram notificadas informalmente.
O município de Tremembé, no interior de São Paulo, também sofre com o corte de investimento. Apesar do ano letivo já ter iniciado, as 12 escolas que oferecem 1800 vagas de jornada integral estão sem receber do MEC a verba do Novo Mais Educação.
A duras penas o município tenta, ao menos, manter a mesma quantidade de vagas ofertadas. “Mas o retrocesso que vemos vai além do corte de verba”, diz Victor Narezi, coordenador da política de educação integral de Tremembé.
Ele explica que, no ano passado, o governo instruiu os municípios a aumentar as horas do reforço de Língua Portuguesa e Matemática no contraturno. “Eles encerraram todo o conceito de educação integral nisso, mas nós resistimos e seguimos com nosso entendimento”, afirma Narezi.
Assim, as escolas do Fundamental I e II passaram a realizar as oficinas de Português e Matemática da tarde de maneira diferenciada das aulas expositivas. O município conseguiu manter também as aulas de capoeira, xadrez, artes e outras atividades que já realizavam.
“O governo só está pensando no remanejamento das verbas e em números. Não pensa na questão educacional, senão dariam continuidade ao que já está dando certo”, critica o coordenador.
Os últimos esforços da rede de Tremembé, que poderiam estar focados na continuação e expansão das matrículas e qualidade de ensino, têm sido no sentido de não fechar escolas. “Não dá mais para enxergar a educação de Tremembé sem a educação integral, que melhorou tanto a qualidade do nosso ensino. Esse programa já faz parte da rotina das famílias, das crianças, dos monitores, e nós temos responsabilidade sobre isso”, lamenta Narezi.
Economia versus qualidade
Questionado sobre o fechamento das vagas e escolas, o Ministério da Educação (MEC) informou que essa decisão não é responsabilidade do órgão, mas exclusiva dos estados e municípios. Afirmou ainda ter investido na Educação Integral por meio do programa Novo Mais Educação.
“Políticas que deram certo, como o Mais Educação, estão sendo desconstruídas em nome de uma focalizada no Ensino Médio”, diz Cara
Para o coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, existem dois movimentos paralelos ocorrendo que levam aos cortes.
O primeiro, explica, responde a uma pressão do Judiciário por incluir mais crianças na escola — o governo ignora, contudo, a qualidade destas matrículas, realizando expansões precarizadas.
O segundo motivo diz respeito a uma pressão econômica que tem origem na queda de arrecadação e a crise financeira do País. “A resposta a isso tem sido reduzir a qualidade da educação, o gasto público com as áreas sociais, fazendo um equilíbrio de contas que prejudica a população”, diz o especialista.
Política de focalização no Ensino Médio
Em relação à educação em tempo integral, Daniel Cara esclarece que a jornada estendida tem um custo adicional pequeno ao investimento que já é feito nas escolas de tempo parcial. Mesmo sendo um valor irrisório, para o governo representa alguma economia, ainda que isso signifique menos qualidade. “Para além disso, o foco deste governo está no Ensino Médio“, analisa Cara.
No início deste ano, o governo vetou a destinação de 1,5 bilhão para o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), investimento essencial para a qualidade do ensino.
Na mesma época em que o governo vetou 1,5 bilhão para o Fundeb, aprovou um investimento no Programa de Fomento às Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral (EMTI) de apenas 406 milhões de reais, o que, segundo Cara, é um valor muito baixo para promover mudanças significativas.
“Políticas que deram certo, como o Mais Educação, principalmente em suas primeiras versões, estão sendo desconstruídas em nome de uma política focalizada no Ensino Médio, mesmo que nada indique ser mais estratégico ter tempo integral nessa etapa do que na Educação infantil e Fundamental. Estas etapas deveriam ser priorizadas, por se tratar da base, de uma fase na qual a criança está desenvolvendo autonomia intelectual de maneira célere”, diz Daniel Cara.
Em Pomerode, vê-se este cenário de priorização do Ensino Médio. Ao mesmo tempo em que a prefeitura ameaça fechar as vagas de Ensino Fundamental por falta de verbas, o estado abriu 17 escolas que vão ofertar vagas de tempo integral no Ensino Médio a partir deste ano.
Cleuza Repulho, ex-presidente da Undime, lembra ainda que o município é o ente que mais sofre com quedas de arrecadação e cortes de verbas, por uma excessiva municipalização das políticas públicas. “Para reverter esse quadro, deveríamos cumprir o PNE, que garante 10% do PIB até 2024”, diz.
Entre as consequências desta ausência de investimento, Cleuza aponta: “um país que sanciona uma lei restringindo recursos para a Educação nos próximos 20 anos vai gerar mais evasão escolar, repetência e prejudicar o desenvolvimento integral das crianças e do próprio País. E, falando a linguagem que eles entendem – a econômica –, custaria menos para o sistema ter as crianças na escola no tempo certo e com qualidade”.
Menos educação, mais jovens com destino improvável.