Por Aline Torres.*
A Lagoa Pequena, no sul de Florianópolis, estava praticamente vazia, mas fazia sol. Sofia Stoffel Cardoso, 26, nadava quando foi surpreendida por um motociclista que a olhava fixamente. Assustada, saiu da água, e ele veio com o veículo em sua direção.
“Como você nada bem, queria me juntar a ti”, disse. Ela não respondeu, foi pegar a mochila jogada no chão, pensava em ir para casa, mas como ele ligou a moto e saiu, resolveu ficar. Achou que o estranho tivesse entendido sua recusa e voltou para água.
Mergulhos depois, o motoqueiro voltou. Dessa vez, cercava a mochila. O coração de Sofia disparou, nesse momento pensou o que muitas mulheres pensariam: “vou ser estuprada”. Mas não foi, porque correu e gritou o suficiente. Entretanto, Sofia nunca mais foi à Lagoa, a praias ou a trilhas sozinha.
O episódio foi em abril de 2014, e Sofia teve o tempo necessário para encontrar uma solução. No dia 29 de outubro no ano passado, criou no Facebook a página “Vamos Juntas à Praia?”. Em dois dias, 400 mulheres integravam o grupo.
Em três meses, foram organizados mais de 200 passeios, sempre em bairros do sul da cidade, onde o risco de assédio é maior, já que essas praias não são tão frequentadas e muitas têm acessos apenas por trilhas. Além da página –que atualmente conta com 659 mulheres– elas migraram para o WhatsApp. Há dez grupos para atender diferentes interesses, como surfe, caminhadas e idas à praia.
A inspiração de Sofia foi o grupo criado em Porto Alegre pela jornalista Babi Souza, 24, o “Vamos Juntas”, que pretende driblar a insegurança das ruas por meio da união feminina. “Criei a página sem imaginar a imediata repercussão. Eu sabia se muitos casos de violências contra as mulheres aqui. Mas não imaginava a urgência delas em transformar essa realidade”, disse Sofia. “Vejo o grupo também como uma solução saudável para acabar com o estigma de que as mulheres se odeiam, que estão sempre competindo. Não! Nós estamos nos ajudando.”
Desde que o “Vamos Juntas à Praia?” foi criado, duas mulheres foram estupradas nas trilhas, quando estavam sozinhas. O número é mais baixo que nas temporadas anteriores: no verão de 2015, foram 11 casos, segundo a 6° Delegacia de Polícia.
Nos últimos três anos, 1.259 mulheres foram violentadas em Florianópolis, segundo a Secretaria de Segurança Pública. Outras 340 conseguiram fugir e denunciar o agressor. Mas, segundo a coordenadora das delegacias especializadas de Santa Catarina, Patrícia Zimmermann, o número real de vítimas é sempre maior que as estatísticas.
Algumas das integrantes, antes de aderirem ao “Vamos à Praia Juntas?”, sofreram abusos. Muitas viram cenas obscenas, como homens se masturbando. “É terrível imaginar que não podemos ir à praia sozinhas. Mas desde pequenas aprendemos a sentir medo e nos resignarmos diante das situações. Esse comportamento está mudando graças à solidariedade entre as participantes”, disse Sofia. “Eu mesma me sinto diferente. Esses dias voltava para casa por uma rua escura, logo à frente tinha uma menina e resolvi perguntar: ‘vamos juntas?'”
Solidariedade às vítimas
Além do fortalecimento, o grupo faz constantes denúncias e organiza protestos em solidariedade às vítimas de abusos. No dia 12 de janeiro, Janaína Silva alertou sobre o perigo. “Eu e uma amiga caminhávamos na praia e tinha um cara se masturbando no caminho. Isso aconteceu no antigo local do Bar do Chico, na areia da praia, bem à vista, porém aquele trecho é mais vazio e não tinha gente no momento em que passamos. O cara estava sentado e vimos que uma das mãos estava pra dentro do short”, escreveu. “Ignoramos e continuamos andando em frente. Não satisfeito, ele se levantou, correu por nós e sentou mais à frente. Quando passamos por ele, novamente estava com o pênis pra fora se masturbando.”
No dia 18, Priscila Ramos informou sobre um caso de violência. “Hoje à tarde uma menina foi violentada. Os moradores já estão atrás desse psicopata”. A Polícia Militar confirmou a denúncia. Em seguida, as mulheres planejaram ações para informar sobre o risco nas trilhas, principalmente às turistas. Já Carla Gonçalves não só avisou, como fotografou o possível agressor. Ele estava nu. “Tem um louco correndo na praia e se masturbando. Fiquem ligadas”, escreveu.
* Colaboração para o UOL, em Florianópolis.
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Fonte: Notícias UOL.