Por Maria João Guimarães.
O novo símbolo de protestos no Irã é uma mulher em cima de uma caixa de electricidade, cabeça descoberta e o seu hijab (lenço islâmico) pendurado num pau. O protesto solitário de uma mulher em Dezembro passou praticamente despercebido entre o maior movimento de manifestações pelas condições de vida e estado da economia de fim de Dezembro e início de Janeiro no país.
Mas a imagem do primeiro protesto tornou-se entretanto viral, e passadas semanas multiplicam-se réplicas da contestação: com mulheres mais novas, mais velhas, tirando o seu próprio lenço ou mantendo-o, e até homens, todos contra a obrigatoriedade do uso do véu na República Islâmica.
As fotografias dos protestos estão a concentrar-se na página My Stealthy Freedom, da jornalista e activista Masih Alinejad, nas redes sociais Twitter e Facebook. Alinejad, que vive desde 2009 nos EUA e que teme ser detida se regressar ao Irão, começou um movimento online, sob a hashtag #WhiteWednesdays, em que às quartas-feiras, muitas mulheres usavam um lenço branco ou vestiam-se de branco para protestar contra o uso obrigatório do véu. Algumas tiravam o lenço brevemente, acenando como que fazendo um sinal de trégua ou paz. Os protestos eram então fotografados ou filmados e as imagens publicadas por Alinejad.
A primeira mulher dos mais recentes protestos parece inspirada por este movimento –- tinha um lenço branco –, mas fez mais do que isto: manteve-se a protestar cerca de 45 minutos até que a polícia a levou. A sua identidade só foi divulgada quando a advogada defensora de direitos humanos Nasrin Sotoudeh revelou que estava presa. Soube-se entretanto que se chama Vida Movahed e que foi libertada na segunda-feira, depois de um mês de detenção.
Our civil disobedience is spreading like wildfire. Freedom of choice is our right and we will not keep silent until we get this right. Everyone should get used to the exercise of our right. #WhiteWednesdays pic.twitter.com/d9HgO77kCv
— My Stealthy Freedom (@masihpooyan) 30 de janeiro de 2018
No mesmo dia em que Movahed era libertada, e também em Teerão, era detida uma segunda mulher que imitou o gesto da primeira, após apenas dez minutos de protesto, diz o diário britânico The Guardian. Tinha uma pulseira verde, uma possível referência ao Movimento Verde de 2009 cujos líderes estão ainda sob prisão domiciliária.
Segundo o Financial Times, pelo menos outras seis mulheres levaram a cabo protestos semelhantes nos últimos dias. Não há informação sobre se foram detidas.
No Irão o uso do hijab é obrigatório desde a Revolução Islâmica de 1979, mas muitas mulheres testam os limites usando um lenço muito solto (arriscando uma multa por “mau hijab”) ou tirando-o enquanto conduzem. Correm sempre o risco de haver um castigo.
Ponto de virada
Fotografias da caixa de electricidade na Avenida Enghelab (da Revolução) de Teerão em que a primeira mulher protestou mostram que alguém lá escreveu: “Aqui podes vestir o que quiseres.” Há um carro da polícia parado mesmo atrás.
Na página há imagens mais surpreendentes, todas publicadas nas últimas duas semanas: uma mulher de chador, indicando conservadorismo, com uma mensagem a favor da liberdade de escolha, ou um homem agitando o lenço branco.
O protesto parece ganhar força mesmo após a repressão das manifestações de Dezembro, em que centenas ou milhares de pessoas foram detidas, com relatos de maus tratos e de mais de 20 mortes na prisão.
O regime anunciou que se mantém na prisão cerca de 300 pessoas detidas durante os protestos, mas que a maioria já está em liberdade. As autoridades apresentaram este protesto como obra dos inimigos do Irã.
And it continues. #Iran #women campaign against forced hijab. #????_??????_?????? pic.twitter.com/A5CzJEUb6V
— Farnaz Fassihi (@farnazfassihi) 31 de janeiro de 2018
Os dois movimentos parecem muito diferentes: aquele que visou as condições económicas e corrupção ocorreu sobretudo fora de Teerão, e parecia envolver sobretudo trabalhadores, o do lenço parece estar concentrado na capital e ser levado a cabo pela classe média, escrevem ainda os correspondentes do Financial Times em Teerão.
A advogada Nasrin Sotoudeh declarou que este movimento é “um ponto de viragem”, com mulheres que “não mostram medo nenhum”. “Estes novos protestos são uma rejeição pública e pacífica de repúdio do controlo total dos políticos de todos os aspectos da vida das pessoas”, disse ao FT.
“O hijab forçado é o símbolo mais visível de opressão das mulheres no Irã”, disse Masih Alinejad ao Guardian, “por isso lutar contra o seu uso é o primeiro passo para a igualdade total”.