Por Julia Saggioratto, para Desacato.info.
A sexta-feira de 25 de julho foi, como tantas, dia de luta. Uma luta permanente que, de tempos em tempos se renova, mas nunca se finda. Em Palmeira das Missões-RS, o Dia Internacional da Não-Violência Contra a Mulher levou às ruas mulheres organizadas do campo e da cidade que há muitos anos lutam por seus direitos e resistem ao sistema que impõe um modo de vida patriarcal e de exploração de trabalhadoras e trabalhadores. Mulheres de organizações da Via Campesina, do Movimento dos/as Trabalhadores/as por Direitos, do Levante Popular da Juventude, da Frente Brasil Popular e do Movimento Estudantil de Ocupação da UFSM-Frederico Westphalen saíram em marcha contra a violência e discriminação que atinge as mulheres.
Durante a manhã ocorreu uma palestra na câmara de vereadores com o tema Feminismo e Igualdade: A Histórica Luta das Mulheres, com Patrícia de Carli. Em seguida o povo saiu em marcha em direção ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) para entregar uma carta com reivindicações para que chegue até Brasília.
A conquista de direitos como o reconhecimento da profissão de trabalhadora rural, o salário maternidade, a aposentadoria da mulher camponesa aos 55 anos e 60 para homens, a lei de aposentadoria das donas de casa e o reconhecimento dos direitos das trabalhadoras/es domésticas foram relembrados durante as falas de companheiras que relataram suas vivências e suas lutas por direitos. Para conquistar o direito à aposentadoria uma das companheiras relembrou quando mulheres de todo o Brasil foram até Brasília ocupar o Ministério da Previdência. Lá mantiveram o ministro preso dentro da sala durante horas até que assinasse os papéis que garantiam a elas seus direitos. Ela afirmava, durante sua fala, que um direito duramente conquistado não seria retirado tão facilmente sem a resistência das trabalhadoras.
As mulheres em luta nesse 25 de novembro denunciam o desmonte da seguridade social, que inclui a saúde, a previdência e assistência social, a desvinculação da aposentadoria do salário mínimo, o sucateamento da saúde, o nivelamento de idade de aposentadoria para homens e mulheres e a violência contra a mulher, generalizada e afirmada dentro da cultura do estupro. Denunciam, afinal, o sistema capitalista patriarcal que explora e mata milhares de mulheres todos os dias.
As organizações sociais que estiveram em marcha nessa sexta-feira reivindicaram e seguirão reivindicando o fim da violência contra a mulher e todas as formas de opressão de gênero, exigindo a punição dos agressores. Propõem uma escola democrática que respeite as diversidade de gênero, etnia, cultura, religião e o espaço geográfico. Defendem a manutenção da previdência social rural pública, universal e solidária, a humanização dos serviços da previdência, a ampliação de enfermidades consideradas para auxílio doença e do período de salário maternidade de 4 para 6 meses para mulheres camponesas, a desburocratização dos serviços para acessar os benefícios. Ainda afirmam a manutenção da situação de segurado especial para homens e mulheres da roça, com a aposentadoria das mulheres camponesas aos 55 anos e dos homens camponeses aos 6m com um salário mínimo e que o valor do benefício da previdência continue vinculado ao salário mínimo nacional.
Débora Varoli, militante do Movimentos dos/as Pequenos/as Agricultores/as, de Seberi-RS, comenta que um dos objetivos do ato da sexta-feira foi de pautar a violência de maneira ampla, não apenas a violência física e psicológica, mas também a violência institucional, que o governo golpista de Michel Temer vem propondo nos último meses com perda de direitos, com a PEC 55 e a Reforma da Previdência, por exemplo. Ela comenta que a entrega da carta no INSS vem no sentido de se somar a outras cartas de todo o Brasil para que crie uma maior força em Brasília. Débora comenta que a carta contém denúncias e propostas das organizações sociais.
À tarde ocorreu uma feira com produtos agroecológicos e artesanato dos pequenos agricultores da região. Débora comenta que além de fazer a denúncia, a mobilização propôs anunciar também. “A gente tem certeza absoluta que podemos alimentar o Brasil com alimentos saudáveis”, afirma. A ideia era de as mulheres tirarem o dia e mostrar seus produtos e, mais do que isso, mostrar para a população de Palmeira das Missões que quem está na rua não é quem faz baderna, mas quem produz alimento. “A produção é real, não é discurso”, ressalta Débora.
Seguiremos nas ruas, na luta pela manutenção de todos os direitos conquistados, contra a violência que atinge as mulheres, combatendo o sistema capitalista que explora e mata todas as formas de vida na terra.
Adelante!!
Confira a carta entregue ao INSS pelas organizações na íntegra:
Ao Instituto Nacional de Seguro Social (INSS)
25 de novembro de 2016
DIA INTERNACIONAL DA NÃO-VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER
(DIA INTERNACIONAL DE LUTA CONTRA A VIOLÊNCIA PRATICADA CONTRA AS MULHERES DO CAMPO E DA CIDADE)
Nós mulheres organizadas, do campo e da cidade, historicamente viemos lutando pela garantia de direitos, combatendo através de proposição de ações e políticas públicas o combate à violência praticada contra todas as mulheres. Esse fenômeno forte e presente na sociedade capitalista e patriarcal, há séculos vem sendo fortalecido, seja devido a cultura machista (principal responsável por essa violência), pela exploração ou pela morte de milhares de mulheres em nosso país.
Entendemos que o patriarcado construiu conceitos, que se materializam na ideologia machista e em uma rede de poder e controle que vem se perpetuando como algo natural. É nesse contexto que podemos explicar (com imenso repúdio) a estatística de que uma (01) mulher morre a cada uma hora e meia (1h30) no Brasil, vítima da violência doméstica e que os assassinos são pessoas próximas como maridos, companheiros ou namorados. Dados do Instituto Patrícia Galvão, apontam que dos 4.762 assassinatos de mulheres registrados em 2013 no Brasil, 50,3% foram cometidos por familiares, sendo que em 33,2% destes casos, o crime foi praticado pelo parceiro ou ex.
O fato é, que seguem morrendo muitas e muitas mulheres todos os anos. Mulheres que morrem no desejo de serem sujeitos de direitos e não uma mercadoria de posse. Morrem ao manifestar a vontade de se separar, sair da relação que quer impedi-las de realizarem suas capacidades humanas, de serem sujeitos autônomos e livres. Morrem porque ousam dizer basta à violência física, sexual, moral, emocional, patrimonial e social. Morrem porque ousam querer viver a vida com equidade e justiça social que lhes é de direito.
Somado a este quadro que nos causa imensa dor, ainda presenciamos um cenário político no Brasil em que o governo brasileiro vem reforçando este machismo, seja através da composição da equipe de governo sem a presença de mulheres na coordenação dos ministérios ou seja extinguindo a Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM).
Aliado a isso, está em curso a Reforma Previdenciária que nós trabalhadoras(es) do campo e da cidade estamos prestes a vivenciar, tendo que pagar uma conta que não é nossa. Fica evidente na proposta que vem sendo construída o desmonte da Seguridade Social, atingindo a saúde, a Previdência e a Assistência Social, que foram conquistas da luta das trabalhadoras (es), expressa na Constituição de 1988.
O que se apresenta como proposta de reforma é a perda dos direitos conquistados pelas trabalhadoras (es) e o empobrecimento de comunidades rurais. Dados da Associação Nacional dos Fiscais de Contribuições Previdenciárias (ANFIP) de 2011 apontam que mais de 70%, ou seja, 3.875 dos municípios brasileiros tem sua maior fonte pública de renda, oriunda dos benefícios da previdência, superando, inclusive o Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Segundo a ANFIP, se não fossem os benefícios previdenciários, a maioria dos pequenos municípios estaria vivendo muitas dificuldades econômicas.
De acordo com a Procuradoria da Fazenda Nacional (ano), menos de 13 mil pessoas físicas e empresas devem quase R$ 900 bilhões em impostos à União, e o problema não é por causa da crise econômica. A dívida total é de R$ 1,8 trilhão, sendo que 22,3% são débitos previdenciários e 1,3% do FGTS.
A seguridade social é superavitária e não se justifica uma reforma que vai suprimir direitos e blindar os grandes devedores, que não dependem de benefícios da Previdência para continuarem suas vidas.
Nessa proposta da Reforma da Previdência fica mais evidente a cultura machista do atual governo e de quem compactua com ela, especialmente quando se propõem igualar a idade mínima entre homens e mulheres para aposentadoria, sem considerar a tripla jornada de trabalho das mulheres e justificando esta ação no fato de que as mulheres têm uma expectativa de vida 5 anos superior a dos homens no Brasil. No entanto, entendemos que esta discussão não pode considerar apenas a discussão etária. É preciso também fazer um recorte de classe, pois as mulheres pertencentes a classe trabalhadora do campo e da cidade começam a trabalhar e a contribuir muito cedo, tão logo, é legítimo que tenham direitos igualmente diferenciados.
Para os Movimentos Sociais, para as mulheres do campo e da cidade estas são faces das diferentes formas de violência institucional e constitucional contra as mulheres. Por isso, não iremos permitir que as conquistas de décadas, sejam usurpadas por políticos e governos machistas, corruptos e golpistas. Seguiremos em luta, enquanto houver algum direito sendo comprometido e enquanto houver alguma mulher sofrendo alguma forma de violência.
Diante disso pautamos:
– Nenhum direito a menos. Reafirmamos a manutenção e ampliação da previdência social rural pública, universal e solidária.
– Com relação ao combate à violência, propomos:
– Humanização dos serviços da previdência, haja vista a negação de direitos, discriminação, humilhação das perícias, exigências de exames de alta complexidade desnecessários, e o atendimento imediato de parecer social para toda solicitação negada.
– Simplificação do processo de reconhecimento da atividade rural e, em específico, a ampliação da lista de entidades representativas para repasse das Declarações (além dos sindicatos deve ser reconhecida toda e qualquer entidade representativa dos/as camponeses/as com o mesmo peso da Declaração Sindical).
– Ampliação dos serviços de recursos humanos e eficiência no agendamento de entrevista com prazo máximo de 15 dias, com entrega da Carta do Benefício.
– Ampliação da lista de enfermidades consideradas para auxílio doença para além da que é utilizada atualmente, tendo em vista que nos últimos anos, os trabalhadores/as têm sido acometidos/as por problemas de saúde relacionados ao uso de agrotóxicos, questão atualmente ignorada pela perícia médica.
– Desburocratização dos serviços para acessar os benefícios, possibilitando a utilização do mecanismo da Atermação para recorrer ao benefício junto a Justiça Federal, assim como acabar com a exigência do INSS requerer 30% do valor do benefício acumulado dos/as agricultores/as nas audiências com a Justiça Federal.
– Ampliar o período do salário maternidade de 4 para 6 meses para as mulheres camponesas.
– Queremos a manutenção da situação de SEGURADO ESPECIAL para homens e mulheres da roça, continuando a ocorrer a aposentadoria das mulheres camponesas aos 55 anos e dos homens camponeses aos 60 anos, com 01 salário mínimo e aumento deste valor.
– Queremos que o valor do benefício da previdência continue vinculado ao salário mínimo nacional. A desvinculação do mesmo, trará uma perda de até 40% do seu valor.
– Quando o aposentado da agricultura camponesa e familiar, por idade ou por doença, apresentar situação de cadeirante ou acamado, em decorrência da precarização e da insalubridade do trabalho rural, ser concedido o acréscimo de 25% sobre o valor recebido, independente da forma de acesso na Previdência Social, para providencias de melhores cuidados ao aposentado/a.
Queremos afirmar que continuaremos em luta para defender a ampliação e manutenção dos direitos conquistados por mulheres e homens do campo e da cidade.
Seguiremos reivindicando políticas públicas que visibilizem a garantia de nossos direitos, através de propostas que se vinculem a construção de um modelo de desenvolvimento que tenha como centro a sustentabilidade, a dignidade humana e a valorização da vida.
NENHUM DIREITO A MENOS – A LUTA CONTINUA