Mulheres que se destacaram por ocupar cargos políticos e outras que foram vítimas de violência ou lutaram para garantir direitos têm suas fotos estampadas na Campanha “Março é Delas”, realizada por várias organizações da sociedade civil e prefeitura e governo do estado, através de suas coordenadorias das mulheres.
As atividades informativas, culturais e políticas têm início em 1 de março e terminam em 31 do mesmo mês, tendo como destaque a entrega de um documento com as prioridades das conferências municipal e estadual da mulher para o prefeito e governador no dia 7, às 18h30, na Assembleia Legislativa. O mês também será de força tarefa para a criação e implantação do Plano de Políticas para Mulheres no estado e nos municípios.
Entre as atrações do Dia Internacional de Luta das Mulheres, 8 de março, estão um ato às 17h, com concentração na praça XV e o bate-papo “Vamos falar sobre feminismos?” com Clair Castilhos, secretária executiva da Rede Nacional Feminista de Saúde, às 19h, no bar Tralharia. No mesmo encontro será lançada a campanha de financiamento colaborativo “Portal Catarinas” por um coletivo de jornalistas. O dia termina com a apresentação da peça “Boneca de Pano”, no Sesc Prainha, às 20h, pela companhia de teatro feminista “Em Companhia das Mulheres”. A peça segue no dia 9 e tem entrada gratuita.
O Dia de Luta das Mulheres é comemorado há 41 anos, quando foi instituído pela ONU em homenagem às 129 trabalhadoras queimadas vivas numa indústria têxtil em Nova Iorque, em 1857. O massacre foi uma resposta dos patrões às manifestações das mulheres pela redução da jornada de trabalho de 14 para 10 horas, contra as condições insalubres e salários inferiores aos dos homens.
A campanha relembra a data ao trazer a mensagem das mulheres em luta pelo fim da violência e pelo direito de ser mulher. “O homem não é dono da mulher e precisa aprender isso. Viver uma vida em paz e sem violência é direito de todas”, afirma Rosemere Luz, uma das homenageadas que teve a filha de 24 anos, Quenia Rosa, assassinada pelo ex-companheiro.
Eunice Antunes, cacica da Terra Indígena do Morro dos Cavalos, ficou surpresa ao saber que seria uma das homenageadas. Kerexu Yxapyry é a única mulher entre os líderes guaranis no estado e acredita que as mullheres são tão capazes quanto os homens. Segundo ela, não é comum comunidades guaranis serem chefiadas por mulheres, especialmente em Santa Catarina. “As mulheres sempre foram consideradas inferiores aos homens. Só agora estão tendo visibilidade e voz ativa na sociedade. Vivemos uma era feminina, onde as mulheres de todas as etnias se destacam em todas as áreas. Será mais fácil para as mulheres no futuro”, afirma.
Kelly Vieira, primeira mulher trans a presidir o Conselho Municipal dos Direitos das Mulheres (Comdim) também é uma das homenageadas. Segundo a presidenta, Florianópolis não dispõe de todos os instrumentos para proteção às vítimas de violência, como a Casa Abrigo, e ainda aguarda a construção da Casa da Mulher Brasileira, espaço integrado de atendimento. Para ela, além falta de implantação e implementação de políticas públicas, o município falha, especialmente, na qualidade do acolhimento às vítimas. “Florianópolis tem um protocolo de atendimento às vítimas de violência maravilhoso, porém existe uma grande maquiagem na estrutura. Os funcionários ocupam espaços por indicações políticas e não têm entendimento sobre a violência de gênero a qual as mulheres estão sujeitas. Precisamos de uma injeção de feminismo e sensibilidade. É preciso se importar e entender a dor do outro para acolhê-lo”, afirma.
Conforme a presidenta, esses espaços de acolhimento acabam por reproduzir o juízo moral que sustenta a desigualdade entre homens e mulheres na sociedade. Ela recorda que num passado recente, vítimas eram encaminhadas pela delegacia para grupos religiosos “de salvação” que defendiam a manutenção do casamento mesmo em casos de violência doméstica. “Além de toda vulnerabilidade em que se encontra, a vítima ainda é culpabilizada. A roupa moral que justifica as violências doméstica e obstétrica e o abuso sexual é a mesma que dificulta a interrupção voluntária da gravidez, garantida por lei nos casos de estupro”, aponta.
Índice alarmante de estupro
Único estado em todo território nacional a carregar um nome baseado na figura de uma mulher, Santa Catarina tem o quinto maior índice de estupro do país. Nos últimos três anos, 1.259 mulheres foram violentadas em Florianópolis, segundo a Secretaria de Segurança Pública. Outras 340 conseguiram fugir e denunciar o agressor. “É um índice alarmante e não existe nenhuma atuação de fato para mudá-lo. A mulher continua sem segurança nenhuma para transitar livremente”, afirma Kelly. A representante lembra ainda de um tipo de violência sexual que não entra para as estatísticas, aquela “consentida”, quando a mulher se sente obrigada a manter relação com seu parceiro mesmo sem desejo.
Mulheres ainda lutam por Igualdade salarial
Depois de um século e meio do episódio que deu origem ao Dia de Luta das Mulheres, a igualdade salarial ainda se mantém como reivindicação, ao lado da representatividade nos espaços políticos. Segundo dados de 2014 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as mulheres brancas recebem 74% do rendimento médio dos homens – mesmo quando possuem um nível de instrução mais elevado – já as mulheres negras atingem apenas 41%. Na representação política a situação não é diferente. Em Santa Catarina, dos 40 deputados/as estaduais eleitos/as somente quatro são mulheres. Na capital, desde 2004 não é eleita uma vereadora.
Na carta de posicionamento político da campanha estão ainda reivindicações como a implantação de Secretarias de Políticas para Mulheres no município e no estado, inserção da temática de gênero nos planos de educação em todos os níveis, garantia do direito ao aborto legal e descriminalização da prática.
Mulheres de luta homenageadas na campanha
Coluna de cima
Manuela Tecchio (integrante do Coletivo Jornalismo sem Machismo e compositora da música feminista “A louca”)
Bertha Lutz (bióloga, líder do movimento sufragista no Brasil)
Uda Gonzaga (representante da Associação das Mulheres Negras Antonieta de Barros – Amab)
Jandira Magdalena dos Santos (jovem assassinada depois de realizar um aborto clandestino no Rio de Janeiro)
Débora Diniz (antropóloga, defensora da legalização do aborto)
Kelly Vieira (primeira mulher trans a presidir o Conselho Municipal dos Direitos das Mulheres – Comdim)
Adélia Schmitz, (representante do movimento das mulheres camponesas)
Gabriela Leite (representante do movimento das prostitutas)
Rosemere Luz (mãe de jovem assassinada pelo ex-companheiro em Santa Catarina)
Coluna de baixo
Anita Garibaldi (catarinense que ficou conhecida como a Heroína de dois Mundos)
Clair Castilhos (secretária executiva da Rede Nacional Feminista de Saúde e primeira vereadora de Florianópolis)
Antonieta de Barros (primeira deputada de Santa Catarina e primeira deputada negra do Brasil – 1934)
Eunice Antunes (Kerexu Yxapyry, cacica da Terra indígena do Morro dos Cavalos)
Maria da Penha (vítima de violência doméstica que dá nome à lei)
Dilma Roussef (primeira presidenta do Brasil)
Vera Lúcia Fermiano (Presidenta da Casa da Mulher Catarina e representante do movimento das mulheres negras)
Carmen Lúcia Luiz (representante da União Brasileira das Mulheres – UBM e movimentos LBT)
Patrícia Galvão (jornalista e militante política brasileira)