Por Mirella Schuch.
Homens no ballet. Lhe parece incomum? Pois há poucos séculos atrás, não era uma exceção. Eles dançavam piruetas duplas e realizavam saltos com múltiplas batidas. Enquanto as mulheres, giravam simples, saltando com batidas únicas. Mas certa bailarina, que estreou nos palcos da Ópera de Paris em maio de 1726, desafia esse conceito quando passa a realizar o mesmo número de piruetas e batidas que os homens faziam. E para que o público pudesse ver melhor suas habilidades técnicas, encurtou a saia, deixando os pés à mostra – um escândalo para a época! Foi Marie Camargo que nos deixou este legado: dançou “como um homem” para que mulheres pudessem dançar, até hoje, da forma que quiserem.
Se você se encantou pela bravura de Camargo, irá adorar se aprofundar em sua história, disponível no site do Projeto Oriri: projetooriri.com.br/marie-camargo. Esta pesquisa da vida da bailarina foi realizada com recursos do Edital de Chamamento Público n° 007/2024 – Edital de Fomento e Circulação das Linguagens Artísticas de Chapecó.
Para rememorar a vida de Marie e honrar seus feitos que revolucionaram o que conhecemos por ballet, foram feitas pesquisas nos documentos digitais da Biblioteca Nacional de Paris. A proponente do projeto e produtora cultural, Bruna Meoti, se surpreendeu pela escassez de materiais sobre Camargo. Os livros que retratam unicamente sua história são raros e não estão em língua portuguesa.
A principal biografia de Marie está em francês, contada no livro datado em 1908, intitulado La Camargo, 1710 – 1770, além de dois obituários publicados alguns anos após sua morte, em 1771 e 1775. “A dificuldade com esses documentos, além da língua estrangeira, é a própria diagramação. São trechos de jornais, ou livros digitalizados, materiais que possuem um estilo de impressão e diagramação que são diferentes daqueles que estamos acostumados. Um exemplo disso é que em muitos deles, na tipografia, o “S” tem uma forma muito parecida com a que identificamos hoje como letra “F”. Sem contar que as letras aparecem levemente borradas ou apagadas, o que tornou a leitura mais cansativa durante a pesquisa”, afirma Bruna Meoti.
Para uma busca robusta de informações sobre Marie, Bruna contou com o trabalho da pesquisadora Fabiane Bardemaker. Ela expõe que a leitura de documentos na língua francesa foi desafiadora, e que o mais interessante foi que a investigação se deu em fontes primárias. “Fomos realmente na base para conseguir essas informações e isso fez o trabalho ficar amplo e aprofundado. Já fiz parte de outro projeto da Bruna e, apesar de minha formação não ser voltada para a dança, percebo que, assim como na área do cinema, mulheres vêm sendo invisibilizadas em diferentes campos, e o Oriri é grandioso por recontar essas histórias”, ressalta a produtora audiovisual.
Feito por mulheres
Quem desenvolveu a identidade visual do Oriri e vem construindo os materiais para as mídias sociais do projeto, é a designer e ilustradora Aurieli Adam. Ela tem o desafio de ilustrar digitalmente registros de pinturas das bailarinas revividas pelo Oriri. A artista traz em suas artes traçados e contornos bem marcados, que fazem parte do seu estilo de criação, mas que não existiam nas obras que usou como referência. “As pinturas da época têm estilo bem característico, de anatomia, como o ombro mais rebaixado, de poses e figurinos. A ideia foi não replicar as obras, e trazer para as ilustrações um toque contemporâneo, com poses mais fluidas, misturando os elementos de cada pintura”, expressa Aurieli e acrescenta: “O projeto é incrível, e o fato de ser realizado majoritariamente por mulheres que dão suporte a outras mulheres, dá um significado ainda mais especial”.
Maiara Copini faz parte do projeto desde a segunda temporada. É quem transforma a pesquisa em linguagem acessível para as mídias sociais do Oriri e compartilha as histórias escondidas das bailarinas. A social media reflete através do seu trabalho quantas histórias desconhecidas ainda existem e quantas vidas incríveis foram esquecidas no tempo, até que alguém as registrassem. “As bailarinas relembradas pelo projeto fizeram diferença no mundo durante seus tempos. Na época delas, muito do que era incomum e até mal visto, hoje é corriqueiro e normal. Isso por conta da luta dessas artistas. Por isso o Oriri é valioso, dá voz às histórias passadas, trazendo esperança para nossa luta e futuro”, declara Maiara.
E esta que vos escreve, Mirella Schuch, também se sente lisonjeada pela oportunidade em fazer parte deste propósito, conhecer histórias que nunca antes tinha estudado, e comunicar, através do trabalho enquanto assessora de imprensa, os frutos deste projeto feito majoritariamente por mulheres, com recursos públicos. Viva o Oriri! Vem muito mais por aí!