Mulher trans ganha direito de pernoitar em ala feminina de presídio

Imagem: Via Carta Capital.

O ministro Rogerio Schietti Cruz, do STJ, garantiu a uma mulher trans presa em regime semiaberto o direito de pernoitar na ala feminina do Presídio Estadual de Cruz Alta, no Rio Grande do Sul. Por falta de espaço adequado na penitenciária, a trans era mantida em alojamento ocupado por presos do sexo masculino. A liminar é inédita no STJ.

O ministro entendeu que a permanência da trans em local absolutamente impróprio para uma pessoa que se identifica e se comporta como transgênero feminino, além de violar o princípio da dignidade da pessoa humana, poderia ocasionar violência física, psíquica e moral, “dada a característica ainda patriarcal e preconceituosa de boa parte de nossa sociedade, agravada pela promiscuidade que caracteriza ambientes carcerários masculinos”, afirma na determinação.

Schietti lembrou que a Constituição brasileira apresenta, já em seu preâmbulo, a busca pela construção de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos. Ele também lembrou que, de acordo com os Princípios de Yogyakarta, a orientação sexual e a identidade de gênero são essenciais para a dignidade e humanidade de cada pessoa e não devem ser motivo de discriminação ou abuso.

Além disso, o ministro apontou que, de acordo com a Resolução Conjunta 1 do Conselho Nacional de Combate à Discriminação, deverão ser oferecidos a travestis e homossexuais privados de liberdade em unidades prisionais masculinas espaços de vivência específicos, em atenção à sua segurança e especial vulnerabilidade.

Por essas razões, segundo o ministro, é “absolutamente imprópria” para quem se identifica e se comporta como transgênero feminino a permanência noturna em espaço ocupado por presos do sexo masculino – o que exigiria sua colocação em espaço próprio de vivência, de modo compatível com a sua identificação de gênero em conformidade com a dignidade da pessoa em cumprimento de sanção criminal.

Como não há espaço adequado no presídio local, Schietti entendeu que, por enquanto, a travesti deverá ao menos pernoitar em ambiente menos hostil, preferencialmente em cela individual.

“De toda sorte, em nenhuma hipótese poderá a paciente continuar a pernoitar no alojamento masculino do Presídio Estadual de Cruz Alta ou de qualquer outro estabelecimento penal do Estado do Rio Grande do Sul.”

O caso

Após o cumprimento de uma parte da pena em regime fechado, a trans foi autorizada a realizar trabalho externo, com recolhimento noturno ao presídio. No entanto, em razão da ausência de cela especial para abrigar pessoas LGBT no presídio local, o juiz indeferiu o pedido de pernoite em cela feminina.

A decisão foi mantida pelo TJ/RS. Apesar de entender que a melhor opção seria a instalação de celas especiais no Presídio Estadual de Cruz Alta, o Tribunal destacou que a penitenciária chegou a ser interditada por problemas estruturais e de superlotação, não havendo possibilidade de adoção de medidas para atender a pessoas com diferentes orientações sexuais e identidades de gênero.

No STJ, o HC foi impetrado pela Defensoria Pública do Rio Grande do Sul, que alegou que a presa, ao ser mantida em alojamento masculino, estava sofrendo violência psíquica, moral e até de cunho sexual.

Segundo a Defensoria, a separação das penitenciárias apenas entre homens e mulheres gera violação ao princípio da dignidade da pessoa humana, na medida em que desconsidera as identificações de gêneros das pessoas recolhidas que não se enquadram nem como homens, nem como mulheres, em virtude das peculiaridades de transgeneridade.

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