Mulher que plantou e cultivou agrofloresta em rodovia é formanda da UFSC

Margarida vai se formar aos 53 anos (Foto: Amanda Miranda)

Por Amanda Miranda, Agecom/UFSC.

Ter um filho. Escrever um livro. Plantar uma árvore – diz a sabedoria popular que essas são as três coisas que se deve fazer na vida. Aos 53 anos, Margarida Messiano dos Santos é mãe de quatro, mas não plantou uma árvore, e sim uma agrofloresta. O livro também já está pronto: a formanda de Licenciatura em Educação do Campo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) defendeu recentemente o trabalho de conclusão de curso Vida Margarida: narrativas de histórias de vida e a relação com o conhecimento. Ela comoveu a banca, com uma trajetória que marcou e inspirou professores e colegas. A pesquisa foi orientada pela professora Gabriela Furlan Carcaioli.

Girassol, rosa, milho verde, araçá, temperos e chás de todos os tipos. A lista de flores e alimentos que podem ser colhidos em uma área pública às margens da via expressa, próximo à comunidade Chico Mendes, em Florianópolis, é um indicativo da resiliência do solo, mas também de Margarida. Agricultora, trabalhadora doméstica e, agora, formanda, ela preparou o solo e as sementes que deram origem à uma agrofloresta em um lugar e em um contexto incomuns.

Milho plantado na agrofloresta (Foto: arquivo pessoal)

O conhecimento empírico no trato da terra e no uso do solo para plantar – e dividir – seus alimentos transformou um terreno que antes era tomado por lixo, entulhos e ratos. A limpeza da área, a adubação verde e o plantio foram executados por Margarida ao longo de muitos anos. “Eu comecei a limpar os terrenos sujos porque queria mostrar aos meus filhos como se plantava. Plantava abóbora, milho, alface, tempero verde, essas coisas mais fáceis que eu havia aprendido com minha mãe”, recorda.

A forma como Margarida conseguia as sementes para o plantio também não era convencional. Ela ia à Ceasa e coletava alimentos que caíam dos caminhões de abastecimento. Parte deles supriam as necessidades da família e parte eram aproveitados como insumo para o cultivo. “Recolhia manga, abacate e todos os tipos de frutos com caroço. Fazia o aterro e germinava”.

A agrofloresta que crescia com uma diversidade enorme de alimentos também servia à comunidade. O terreno, antes cheio de lixo, agora era limpo e cheio de vida. E Margarida, que no início era vista como uma pessoa estranha por estar sempre com uma enxada na mão às margens da via expressa, começava a chamar atenção de ativistas e de outras pessoas que por ali circulavam.

‘Revolução dos Baldinhos’ melhorou a qualidade do ambiente em comunidades de Florianópolis

Margarida em meio à agrofloresta que cultivou (Foto: arquivo pessoal)

“Com esse modo de produzir e compostar, as sementes e restos das frutas germinavam e consegui aos poucos fazer a regeneração do espaço. Quando me dei conta, não era mais uma simples horta, mas sim uma agrofloresta. Muitas pessoas vinham até a minha casa para trazer mudas para que eu plantasse e foi assim que conheci o projeto ‘Revolução dos baldinhos’”, narra, no seu TCC.

A chamada ‘Revolução dos Baldinhos’ é um marco na história da agroecologia em Florianópolis. Promovida pelo Centro de Estudos e Promoção da Agricultura de Grupo (Cepagro) – ONG sediada em Florianópolis, no Centro de Ciências Agrárias da (UFSC) -, envolveu a comunidade na gestão do lixo, que provocava a infestação de ratos e levava riscos à saúde pública. A compostagem passou a ser estimulada, com envolvimento dos moradores e moradoras das comunidades Chico Mendes, Monte Cristo e Novo Horizonte.

Margarida fez parte disso – e, de alguma forma, já agia pensando em melhorar a qualidade do ambiente e produzir alimentos limpos e livres de agrotóxicos. “O pessoal do grupo da ‘Revolução dos Baldinhos’ costumava também realizar visitas guiadas na minha horta e nas hortas dos vizinhos que iniciaram plantando por curiosidade, mas que atualmente passaram a plantar por necessidade e amor em lidar com a natureza”, escreveu Margarida em seu TCC. Ela também destacou os momentos de trocas de saberes que se originavam nesse processo.

“Outro momento de muita importância, que registro aqui são os momentos de chegada dos muitos visitantes na minha plantação, as falas e as experiências que eles vivenciavam no decorrer de suas vidas e, quando chegavam no meio naquela plantação me transmitiam os saberes e experiências como se já me conhecessem há muito tempo. Para mim, aquilo era muito importante”, conta. Durante um ano e dois meses, o composto da ‘Revolução dos Baldinhos’ alimentou a agrofloresta que Margarida cultivou.

Quando começou a limpar o lixo – às vezes com a ajuda de meninos que soltavam pipas nas imediações, outras vezes sozinha – Margarida não imaginava que já estava, promovendo a educação. E que a palavra agrofloresta, então desconhecida, lhe daria mais do que alimentos e o prazer de trabalhar com a terra: lhe daria, também, um diploma universitário – o primeiro da história da família.

Foi também essa proximidade com os movimentos de agroecologia que a trouxe à UFSC. Um dia, o amigo agrônomo Marcos José Abreu, o Marquito, falou para ela sobre o curso de licenciatura em Educação do Campo. A ideia não foi acolhida imediatamente, mas amadureceu. Margarida decidiu retomar seus estudos e buscar o diploma.

Na UFSC, a história de vida se tornou objeto de pesquisa

Margarida ao lado da professora Gabriela, orientadora do TCC (Foto: Amanda Miranda)

“Acredito que conseguimos construir um trabalho bonito, um trabalho robusto a partir dessa história, que é particular dela, mas que também é de muitos sujeitos do campo, das águas das florestas, das periferias”. Na fala da professora Gabriela Gabriela Furlan Carcaioli, que orientou o trabalho de Margarida, há quase uma referência sobre plantio, cultivo e colheita.

Primeiro, lembra a professora, Margarida trouxe a ideia de trabalhar com plantas medicinais e com a Educação de Jovens e Adultos. Não por acaso esses tópicos atravessavam a sua vida e a sua trajetória. Foi aí que surgiu a ideia de incentivá-la a pesquisar a partir da sua própria narrativa. “Quando apresentamos essa proposta para Margarida ela também ficou surpresa, porque ela nunca imaginou que uma história de vida poderia ser objeto de pesquisa. Então, fui explicando como eram as teorias das narrativas de histórias de vida e a pesquisa fluiu”, relembra.

Esse cultivo, no entanto, não foi fácil. Margarida se alfabetizou já adulta, após migrar do campo, no interior do Paraná, para a cidade. Saiu do sítio onde morava sem ter completado o Ensino Fundamental, mas sobre a terra e os seus cuidados conhecia tudo. “Sempre plantava e cuidava da horta. Mesmo quando trabalhava como doméstica, continuava plantando comida”, conta.

Ela era uma jovem de 18 anos só com a quarta série do Fundamental completo quando apostou na cidade como um lugar em que poderia ter acesso a melhores condições de vida. “E aí fui deixando o estudo de lado”. A alfabetização tardia teve um impacto, mas não fez com que desistisse de concluir o curso.

Licenciatura em Educação do Campo atende diferentes regiões de Santa Catarina

O curso de licenciatura em educação para o campo é oferecido pela UFSC e por mais de 38 instituições de ensino superior brasileiras. O ingresso é feito por um processo seletivo próprio, e atende diferentes regiões do Estado, em um trabalho definido a partir do diálogo com lideranças. A turma de Margarida, marcada também pelo período da pandemia de Covid-19, é da Grande Florianópolis. “Nosso foco são as pessoas do campo, das águas e das florestas, mas também os sujeitos das periferias”, explica a professora.

Foto: arquivo pessoal

Além da Grande Florianópolis, regiões como de Fraiburgo e Canoinhas também estão sendo atendidas. O estudante formado é licenciado para atuar como professor nas áreas de ciências da natureza e matemática. “Margarida é um exemplo de muitos dos sujeitos que chegam no nosso curso com a possibilidade de estudar numa universidade pública, de ter um diploma. A gente fica muito feliz de fazer parte dessa história”, sintetiza.

No trabalho, além de contar sua própria história e entrelaça-la ao saber científico, Margarida traz um catálogo de plantas medicinais associados aos ensinamentos da sua mãe. Do alecrim, por exemplo, retoma a lembrança da mãe benzendo as crianças, do uso no banho para combater as dores no corpo e do chá para aliviar as dores de cabeça e febre. “O chá dessa planta é recomendado para deixar as pessoas com bom humor. O alecrim é uma erva aromática e por isso é usada para as práticas de defumações para purificar os ambientes”, sintetiza.

Para o futuro, Margarida prepara uma colheita das que ainda não tinha realizado. Depois de adubar muitos solos com sementes da Ceasa e de fazê-las germinar, alimentando sua família e vizinhança, a hora agora é de colher outros frutos. “Pretendo ser educadora. Aprendi bastante no curso e vou continuar me aperfeiçoando”.

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