Exatamente no próximo dia 14 de abril, vai-se completar 22 anos de um dos episódios mais fascinantes da história da América Latina. Foi na citada data em 2002 que o povo da Venezuela proporcionou a toda a humanidade uma das lições mais inesquecíveis e grandiosas de todos os tempos.
Movido pelas saudosas lembranças, decidi rever o documentário A Revolução não será televisionada, produzido naquele momento por uma equipe de jornalistas irlandeses que se encontrava na Venezuela para realizar uma reportagem sobre a situação político-social sob o então recente governo bolivariano liderado por Hugo Chávez. Foi esta feliz casualidade do destino o que possibilitou que as pessoas certas estivessem no lugar certo e na hora certa para efetuar um inestimável trabalho de jornalismo investigativo.
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No entanto, por inacreditável que possa soar, ao ir revendo as cenas do citado vídeo, não conseguia evitar a sensação de que estava diante de um material feito especificamente para nós no Brasil e para o preciso momento que estamos atravessando.
Foi muito interessante, ainda que aterrador, constatar que os planos, comportamentos e subterfúgios empregados pelos operadores das classes dominantes da Venezuela há mais de duas décadas para tratar de pôr fim a um governo que não lhes apetecia estejam sendo aplicados quase que ao pé da letra no Brasil da atualidade pelos agentes a serviço dos congêneres locais das oligarquias venezuelanas.
O fato é que, por mais que grandes inovações tecnológicas tenham ocorrido, os fundamentos da prática dos porta-vozes dos endinheirados não se alterou muito. Na verdade, a difusão de mentiras e meias-verdades continuam sendo seu principal instrumento para tentar imobilizar aos que ousam desafiá-los. Mesmo que apelemos para o pomposo termo “fake news”, as mentiras de hoje continuam sendo como as mentiras de outrora.
Também me pareceu muito oportuno constatar que a preparação das tropas de choque empregadas para sustentar as causas típicas das classes dominantes na Venezuela há cerca de duas décadas eram formadas em sua maioria por jovens das camadas médias da população. Em outras palavras, era gente que nada, ou quase nada, ganharia com a deposição do governo popular, mas que era bastante suscetível a ser manipulada através dos inúmeros preconceitos anti-povo com os quais as camadas médias costumam ser formadas desde a mais tenra idade. Imediatamente, associei isso com o que anda dando o tom nas atividades dos setores políticos reacionários no Brasil. Pensei nos jovens do MBL brasileiro e o nefasto papel que desempenharam no processo que abriu as portas para o nazifascismo bolsonarista.
Por outro lado, me senti abordando a situação brasileira ao observar que na base das insatisfações imperialista-oligárquicas com o governo bolivariano estava sua discordância com a reorientação impulsada à petroleira estatal PDVSA. Havia alguns que não admitiam a possibilidade de a empresa mais significativa da Venezuela passar a fazer que as vultosas rendas provenientes de suas atividades beneficiassem ao conjunto da nação, e não apenas a uns poucos apaniguados daquele país e seus acionistas estrangeiros.
De repente, em lugar da PDVSA, eu estava vendo a Petrobrás e a feroz briga que vem sendo travada contra ela para impedir que seus ganhos sirvam para acabar com a pobreza em nosso país.
De igual maneira, as cenas no documentário em que vemos as elites socioeconômicas venezuelanas se armando para intimidar os setores populares me trouxeram à mente os clubes de tiro que o bolsonarismo se esmerou em expandir ao máximo por aqui.
No mesmo sentido, o vídeo nos mostra como as forças antipopulares procuram recorrer à alta oficialidade das Forças Armadas para impor pelas armas aquilo que já não estão conseguindo fazer valer através de seus meios de dominação tradicionais. Assim, o bolsonarismo e os milhares de militares que ocuparam cargos no governo anterior eram a comprovação de que, por aqui, a coisa ainda não mudou.
Porém, de todas as semelhanças que estamos detectando, a que mais chama a atenção é o papel exercido pelos meios de comunicação corporativos na preparação e no desfecho daquele golpe de Estado. Vimos como a mídia pró-capital atuava sincronizadamente como o verdadeiro partido político dirigente das forças contrarrevolucionárias que desejavam derrubar o governo popular de Hugo Chávez. A difusão combinada e concatenada de rumores, mentiras, assim como o ocultamento daquilo que poderia ser desfavorável aos planos golpistas foi a tônica daqueles tempos retratados no documentário. Para quem não imagina até que ponto as corporações midiáticas são capazes de ir para resguardar os interesses das classes dominantes e do imperialismo, as cenas referentes a esses episódios são imperdíveis.
Entretanto, mais do que tudo o que já mencionamos, a maior lição que devemos extrair dos eventos retratados em A Revolução não será televisionada é o poder que o povo trabalhador tem quando está consciente e organizado. As classes dominantes da Venezuela e as dos demais países latino-americanos, assim como seus mentores dos centros imperialistas, jamais se esquecerão da fragorosa derrota que as maiorias populares da Venezuela lhes impingiram quando eles já se sentiam senhores de novo do país.
Portanto, levando em conta que o povo brasileiro também está se confrontando com inimigos do mesmo naipe que os que tentaram acabar com a Revolução Bolivariana, considero recomendável que vejam, ou revejam, com toda atenção o vídeo sobre o qual estive comentando nas linhas anteriores. O mesmo está disponível com legendas corrigidas em português nos seguintes enlaces
Creio que convém a todos os que almejam avançar no rumo da soberania nacional e popular difundir ao máximo este vídeo e as lições que dele podemos extrair. Afinal, há ali inúmeras semelhanças com o que nós mesmos estamos vivenciando por aqui. E nenhuma delas se dá por mera coincidência.
Jair de Souza é economista formado pela UFRJ; mestre em linguística também pela UFRJ.
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