Por Silvio Caccia Bava.*
Há centenas de milhares de pessoas como nós, no Brasil, preocupadas com a evolução da política e da economia, e profundamente decepcionadas com o desempenho do governo, do PT e da esquerda de maneira geral.
O ajuste neoliberal se aprofunda, ceifa empregos, fragiliza a indústria, desmonta a capacidade do Estado como indutor do desenvolvimento, corta políticas sociais e direitos antes considerados cláusula pétrea da Constituição, como recursos destinados à educação e à saúde. E o incrível é a baixa resistência dos trabalhadores e das forças políticas que os representam diante desse verdadeiro saqueio que o rentismo pratica sobre a riqueza produzida e os direitos sociais.
Não há utopia, não há futuro em discussão. Não há projeto de desenvolvimento para defender. A esquerda se cala. A política, enquanto disputa dos que não têm por uma maior parcela da riqueza produzida, deixa de existir em razão do silêncio dos que estão sendo despossuídos. E assim os cortes se aprofundam, e se desenha uma espiral, ladeira abaixo, de novos cortes nos orçamentos públicos, de novas ondas de destituição de direitos. As consequências não são sacrifícios necessários para botar a economia em ordem, como dizem quase todos os economistas. São uma política deliberada para rebaixar os custos da força de trabalho, para pauperizar as maiorias.
Para mudar o jogo é preciso ir para a rua. Mostrar o desacordo das maiorias com essas políticas de ajuste e fazer renascer a política como espaço de disputas por modelos alternativos de desenvolvimento.
Há saídas para a crise, como acaba de demonstrar um importante conjunto de mais de uma centena de intelectuais progressistas, que lançou, dia 28 de setembro, num debate público, um documento que mostra o que mudar para sair da crise.1 O Le Monde Diplomatique Brasil participa e apoia essa iniciativa. Você pode ter acesso ao documento integral em www.plataformapoliticasocial.com.
É preciso desarmar a armadilha recessiva e alterar critérios de monitoramento da economia, que hoje se pautam pela ortodoxia neoliberal e ignoram as questões sociais.
As principais propostas de curto prazo para sairmos da crise são:
1 – Preservar o emprego e a renda
Adotar uma agenda pró-crescimento para a preservação do emprego e da renda dos trabalhadores, o que é crucial para estancar o retrocesso social, e para a consolidação de um mercado interno de consumo de massas capaz de sustentar o crescimento econômico e revigorar a arrecadação governamental.
2- Baixar os juros
Os juros praticados no Brasil não têm nenhuma justificativa; seu aumento não combate a inflação, que não é de demanda; eles servem para remunerar capitais especulativos internacionais e nacionais, e travam toda a economia. Baixar os juros significa estimular as atividades produtivas, o emprego e a renda do trabalhador.
3 – Recompor a capacidade de financiamento do estado
Para recompor a capacidade de financiamento do Estado há muito que fazer: rever a política de renúncias fiscais para setores empresariais (R$ 263 bilhões em 2014); combater a sonegação de impostos (R$ 1,12 trilhão em 2011); aumentar o peso da tributação direta e reduzir a tributação indireta; aumentar a progressividade da tributação direta; tributar lucros, dividendos, remessas de lucros para o exterior; extinguir a isenção de tributos sobre juros sobre o capital próprio; aumentar o imposto territorial rural; criar impostos sobre grandes heranças e grandes fortunas etc.
4 – Destravar investimentos públicos e privados
Interessa estimular o avanço rápido dos investimentos em infraestrutura social, urbana, e logística, pois devem ser a grande chave de retomada do crescimento nos próximos anos, dado que o consumo estará limitado pela queda da renda já ocorrida até o momento. A rápida resolução das crises no setor de engenharia e petróleo e gás também é fundamental para a retomada do investimento.
5 – Fortalecer o mercado interno
A retomada do crescimento econômico e industrial permite a expansão das oportunidades de emprego qualificado, a continuidade da política de valorização salarial, a ampliação dos gastos sociais e o incremento das rendas das famílias. A expansão do mercado interno é fator fundamental para a impulsão do crescimento.
6 – Preservar os gastos sociais
Os gastos sociais, por seus efeitos multiplicadores, impulsionam o crescimento e reduzem as desigualdades de renda. Devem ser considerados investimentos, e não gastos. Investimentos sociais e serviços públicos não só são indispensáveis para garantir direitos, como também integram uma estratégia de retomada do crescimento.
Esse conjunto incompleto de proposições mostra um caminho para sair da crise. Mostra também que são os bancos e o setor financeiro os únicos que ganham com a situação atual. Mudar o jogo para sair da crise é buscar reunir uma ampla frente de entidades da sociedade civil para impor essas mudanças na política macroeconômica em proveito do Brasil.
*Diretor e editor-chefe do Le Monde Diplomatique Brasil
1 Brasil Debate; Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento; Fórum 21; Fundação Perseu Abramo; Le Monde Diplomatique Brasil; Plataforma Política Social; Rede Desenvolvimentista.
Imagem: Claudius
Fonte: Le Monde Diplomatique Brasil