Mudando a paisagem

Nesta quinta-feira, às 5h, já estava na rádio com Rony, David e Manuel. Dessa vez, portava mais bagagem, pois, o plano era viajar até o norte do país com o jornalista Felix Molina, para conhecer algumas rádios comunitárias. Às 6h40 ele parou seu carro em frente ao prédio da TV e da Rádio Globo e me pediu que descesse. Só havia visto Felix algumas vezes, mas é uma pessoa tranqüila, com bom papo, muito bem informado e consciente, logo, não foi difícil nos darmos bem.

O trajeto já começou a me impressionar muito no caminho, pois a mudança era perceptível. A pista também carecia de sinalização, mas como está em obras, por meio de verbas de um programa internacional de desenvolvimento (buscar nome), acredito que depois de finalizada, receberá o devido cuidado. Também me chamou a atenção a grande quantidade de veículos grandes, como caminhões, para transporte de mercadorias. A mudança de paisagem já me fazia muito bem, assim como a sensação de não saber exatamente o que esperar (confesso que, nem olhei bem no mapa para onde eu iria). A mudança de altitude também era bastante perceptível.

No meio da manhã, paramos para tomar café da manhã no restaurante Villa Verde, no Km 122 em Siguatepeque, um lugar encantador. Lá havia muitas flores, muito colorido, animais, linda decoração e o clima já estava mais quente. O restaurante também vendia móveis, como mesas e cadeiras de madeira da melhor qualidade, planejados pelo dono do estabelecimento, café, comidas fabricadas no estabelecimento e pequenas lembranças. O café da manhã estava divino: ovos mexidos com tomates e pimentões, feijão, tortillas, salsicha, morangos etc. O café tinha aroma e gosto que me encantaram.

 

Finalmente, água

Depois de apreciar o local e comida com a devida calma que mereciam, voltamos à estrada. Não resisti a um cochilo e não parei de me impressionar com a paisagem, depois que acordei. Eventualmente, na beira da estrada, podia-se observar um pequeno comercio de utensílios e lembranças artesanais e de frutas como melancia, melão, abacaxi, banana e coco. Felix me disse que veríamos um lago, rio e mar. Água, finalmente! O lago de Yojoa é lindo (e grande). Por mau planejamento meu, a bateria da câmera terminou antes que eu pudesse fazer um álbum completo da paisagem, mas assim como tem coisas que maravilhosas que só são ditas com o gravador desligado, acredito que há coisas que só são registradas pela memória humana e não eletrônica.

Ainda na estrada, passamos pela grande base militar americana em Honduras: Palmerola. O destino agora era o município de El Progreso. Quando saímos da estrada, paramos numa barraquinha de coco. Nunca havia tomado água de coco amarelo. Felix ficou com o tradicional verde e pedimos para que o garoto que nos atendia, de não mais de seis anos, partisse um deles ao meio. A cena do garotinho com um facão na mão me lembrou um pouco o Brasil e o trabalho escravo infantil nos canaviais e etc. Comemos o coco molhadinho e molenga, uma delícia e seguimos.

Progresso com humor e crítica

Chegamos em El Progreso um pouco antes das 13h, e fomos direto para a Radio Progreso, onde Felix trabalhou por alguns anos. A rádio é de jesuítas e comunitária, com foco nos interesses populares e juvenis, foi fechada, no golpe militar e sua equipe sofre constantes ameaças. Cumprimentamos alguns funcionários, deixei minha bagagem lá e fomos almoçar. Felix queria que eu experimentasse o sabor catratcho, acho que algo semelhante a dizer manézinho, em Florianópolis. Fomos ao Power Chicken, fast food, mas com pratos e temperos mais do litoral hondurenho. Pedi uns frutos do mar, aipim (yuca) e legumes. A quantidade era absurda e como quase tudo aqui, os frutos do mar e o aipim, fritos e picantes, mas saborosos.

Felix me deixou na rádio e seguiu para outro município. Depois de conseguir autorização, subi para a cabine de transmissão, onde quatro jovens apresentavam um programa cômico-político, muito famoso, o La Pedrada. Participei do final da transmissão e depois fui à sala de som, onde estavam dois jovens que apresentariam seu programa, uma espécie de revista juvenil, que toca músicas, faz enquetes e interage constantemente com o publico, inclusive com redes sociais. O programa se chama Conección e os apresentadores são Lesly Banega, de 25 anos e Jerson Rivera, um pouco mais novo. A desenvoltura, improviso e simpatia dos dois me impressionaram e fiquei um bom tempo na salinha com eles.

Já era umas 16h30, quando desci para entrevistar o jornalista Gustavo Cordaza, que além de fazer outros trabalhos jornalísticos, é um dos apresenta do La Pedrada. A conversa foi excelente, muito informática, crítica e sóbria. Com certeza será um importante personagem, assim como a Radio Progreso (la voz que esta con vos). Depois da conversa, ainda que com certo ar de desaprovação (por receio do que poderia me acontecer), tomei um ônibus sozinha para um município a cerca de uma hora, uma hora e meia de onde eu estava: Tela, no litoral norte de Honduras.

Aventura rumo ao litoral

O ônibus era como aqueles escolares americanos, mas com aspecto meio sucateado. Em pouco tempo ele se encheu e ambulantes passaram a desfilar pelos corredores. Vendiam milho, água (aqui se vende muito água em saquinhos), refrigerante, frutas, verduras, empanados e etc. A condução andou algumas poucas quadras e parou. Um dos jovens responsáveis balbuciou alguma coisa, percebi um descontento geral, as portas se abriram e todos saíram. Um senhor deve ter ficado com pena de mim, sentada e perdida sem entender nada, e disse em um espanhol bem pausado que devíamos nos mudar para o ônibus ao lado.

Pegamos a estrada, as pessoas pareciam um pouco cansada, ainda que algumas batessem papo. O jovem, que antes deu o aviso sobre a troca de ônibus, passou para recolher o pagamento, L. 15. O motorista parava em alguns pontos, mas era tudo muito rápido. Estava até esperando algum acidente, enquanto ouvia o motor rugir, um passageiro pular para fora e o jovem gritar “dále, dále”. Mas deu tudo certo.

No caminho, me chamou a atenção uma palmeira diferente, que tinha por todo o seu tronco, uma espécie de planta, que me lembrou a samambaia. Era muito linda e havia milhares, plantações enormes. Felix me ligou para combinarmos minha chegada à Tela. Como eu não fazia a menor idéia de onde estávamos, passei o telefone a um senhor, que estava sentando no banco atrás de mim, e se esticava, sorrindo, e balbuciou algo sobre nossa localização. Depois de desligarem o telefone, ele me disse que alguém iria me esperar na última parada, para a qual não faltava muito. Seu nome era Diego e além de outras mil coisas, era vendedor dos produtos da Forever. Fiquei embasbacada. Ele pediu meu contado, sorrindo com poucos dentes, e eu os dei, mesmo achando que jamais nos veremos novamente.

Coco Dulce

Chegamos ao ponto final (me encontrava em estado desesperador atrás de um banheiro) e saltei. Olhei para os lados e nada de Felix. Um sujeito negro se aproximou e disse “Larissa?”. Meu espanto durou apenas alguns segundos e logo estendi a mão para cumprimentá-lo, afinal, alguém me chamando pelo nome é bem melhor do que alguém me dando uma paulada e correndo com minha mochila de “turista gringa”, por aí. “Meu nome é Alberto Lopes. O Felix me mandou buscá-la. Ele está em Triunfo de la Cruz, aqui perto”, disse ele.

Cerca de cinco ou 10 minutos depois, estávamos na vila garínfuna de Triunfo, onde Alberto coordenada um projeto de rádio comunitária muito interessante, que se chama Falma Bimetu, que significa Coco Dulce. Consegui um quarto, na mesma hospedaria onde estava Felix, no Cabanas da Panchy, ao lado do mar. Eu estava embasbacada, apaixonada. O povo é lindo, assim como o céu estrelado que me recebeu naquela noite. Tirei o tênis, calcei meu chinelo e fui jantar com Felix, enquanto Alberto providenciava os últimos detalhes para a transmissão que jornalista faria em cerca de 40 minutos, direto da sede do Falma Bimetu, termo no idioma garínfuna. O prato era muito apetitoso e foi preparado com muita dedicação, por uma matrona garínfuna, com lenço na cabeça, ainda que faltassem 10 minutos para fechar o estabelecimento. Banana frita em forma de batata frita, um grande peixe frito (para cada um de nós!) e salada variada. Um banquete divino. Pedi para embrulhar mais que metade.

 

 

Protesto ao som dos tambores

Ao chegar à sede da rádio, encontramos Alberto e um jovem negro alto e gordo. O rapaz, que tem 25 anos que esteve no Exército, estava apresentando seu programa de música, como todos os dias, de segunda à sexta-feira, e cederia um espaço para que Felix apresentasse o seu. Em poucos minutos, a pequena sala azul de paredes descascadas se encheu com senhoras, algumas crianças e mais um senhor. Todos eram da comunidade e estavam prontos para participar. O calor era intenso, em todos os sentidos. Portavam dois tambores garínfunos, que seriam usados durante a transmissão.

Felix usou o Skype e seu celular para apresentar o programa, que neste dia não teve mais que 15 minutos. Alberto foi entrevistado e uma outra senhora também. No fundo, ouvia-se o canto das mulheres e som do tambor, por enquanto ainda suave. Mas a comunidade não está satisfeita e aos poucos, o volume foi aumentando, até certo comento, só se ouvia a música garínfuna, forte e expressiva. Eu me arrepiava. Depois da transmissão, ficamos ainda um tempo conversando e eles me contaram que quase todo dia a transmissão da Rádio Globo é cortada ou sofre algum tipo de interferência. Para ouvi o conteúdo na íntegra, só quando conectados à internet (pouco comum aqui).

Isso é que é viver

Voltamos a nossa hospedaria, deixamos nossas coisas no dormitório e fomos, finalmente, ver o mar. Eu estava em êxtase, ansiosa e extremamente feliz. Felix levou um radiozinho e uma garrafa de vinho já aberta. Havia duas cadeiras de madeira na areia onde nos sentamos. Não cansava de olhar para o céu estrelado, de maneira que eu nunca havia visto. Só não estava tão claro porque a lua estava tímida, coberta por nuvens, que vinham do mar, anunciando uma tempestade. Mas, de vez em quando, dava o ar de sua graça, como um sorriso, ou uma banana bem amarelinha. Conversamos um pouco e não resisti. Dobrei a calça pelas canelas e fui em direção ao mar. Estava morninha como eu imaginava e nada me importou, quando molhei a calça até os joelhos.

Depois que voltei a minha cadeira, Felix me passou seu vinho e disse que iria pegar seu computador. Mais cedo tentou gravar o som do mar, mas como havia mais vento, não conseguiu. Quando ele já estava com os pés na água, dois rapazes se aproximaram. Tive muito receio e fiquei esperando aqueles jovens saírem correndo com o equipamento do jornalista. Felizmente, meu preconceito não se concretizou e fiquei observando os três conversarem por alguns minutos. Felix sentou-se ao meu lado, tocou o arquivo de som do mar, o qual de nominou “Mar da Lari” e ficamos ali, conversando e admirando tudo ao nosso redor. Minha gratidão pela vida não tem tamanho.

Os maias da região diriam: é 2012 chegando

Fui para os meus aposentos, tomei um dos banhos mais desejados, desde que cheguei a Honduras, deitei e dormi em poucos segundos. Acordei algumas vezes com um forte barulho, que não sabia dizer se era do ar-condicionado ou da chuva. Chequei o ar e vi que era da chuva mesmo. “A natureza é uma coisa maravilhosa mesmo”, pensei. Por volta das 4h50 da manhã, recebi uma mensagem por celular (aqui estou usando um celular, que antes o Rony usava), que avisava sobre o terremoto e o maremoto no Japão e dizia que a costa do Pacífico de Honduras deveria ficar em alerta. Tive medo, mas raciocinei (o tanto que o horário me permitia) e lembrei que eu estava no Atlântico. Ainda assim, coloquei a mão no chão para ver se estava alagado.

Um pouco depois das 6h também acordei com a chuva, coloquei a mão no chão e nada. Dessa vez, achei melhor ir ver lá fora. Apenas chuva (som intensificado pelo teto) e o mar não havia avançado, como minha mente catastrófica estava prevendo. Tinha entrevista marcada com Alfredo às 9h. Iria acordar mais cedo para tomar banho de mar, com o aquele volume de água caindo do céu, voltei para a cama. Perto das 8h15, levantei, troquei de roupa, arrumei as coisas, abri a porta do quarto e vi Felix. Ele estava levando suas coisas para o carro e disse que eu poderia fazer o mesmo. Lhe encontrei uns minutos depois, com os pés na areia, onde me avisou que Panchy estava fazendo nosso café da manhã. Um cachorro vagabundo passeava entusiasmado pela praia, como se ela fosse só dele, e veio me dar bom dia. Ainda que com chuva, é tudo muito lindo.

Depois do café da manhã, tocamos para a sede da Falma Bimetu, importante exemplo do que é uma rádio comunitária, onde encontrei Alberto para uma entrevista de mais de uma hora. De acordo com ele, há 46 comunidades garínfunas em Honduras e seis rádios, sendo que uma está desativada. As rádios são uma importante ferramenta para a comunicação dentro das comunidades e entre elas, além de ajudar na preservação e difusão da cultura deles. A Coco Dulce foi incendiada, durante o golpe militar e tiveram que ficar fechados por praticamente um mês. Em breve, uma pessoa deve ser indiciada para aprofundarem as investigações sobre o caso, mas os maiores suspeitos, são autoridades policias. Além disso, a rádio ainda sofre com ameaças (polícia, políticos) e cortes na transmissão. Conhecer essa rádio, que se mantém com o empenho dos moradores Triunfo de la Cruz, me encantou muito. Eles são fortes, engajados e conscientes. Reclamam por seus direitos, sabem do que precisam e do que não precisam, pois conhecem sua história e lutam, sobre tudo, pelo bem da comunidade.

Claramente do contra

Continuamos na estrada e chegamos em San Pedro Sula, onde está localizada a Radio Uno. Conheci o local rapidamente. Lá funciona uma escola que tem, além do currículo comum, aulas de locução. É mais um rádio com forte participação dos jovens, mas essa é a que mais se identifica com a Frente Nacional de Resistência Popular (FNRP). Por sua postura, claramente contra o governo, no dia 15 ela foi invadida, atacada com bombas lacrimogêneas e até hoje, sua equipe é perseguida e ameaçada. Durante nossa visita, Felix encontrou com o professor Rui Diaz, que concedeu uma entrevista a respeito do grande protesto que a Frente planeja, na grande convenção do Partido Nacional, neste final de semana. Atualmente, a classe dos professores é umas das que mais está sofrendo, pois protesta fortemente contra a privatização da Educação, no país.

Acho que já estávamos (ou eu estava cansada) e também por causa da chuva, tocamos de volta para Tegucigalpa. A viagem foi bastante cansativa. Já na saída, há um pedágio e a estrada está péssima, imagino que ficamos cerca de uma hora. Apesar do animo e do bom humor de Felix, não consegui ser tão simpática, nesse dia. Constantemente, durante o trajeto, o jornalista falava ao telefone, recebia e mandava mensagens porque estava planejando o programa da noite, o qual começou a apresentar ainda de dentro do carro, numa das esquinas, antes de chegar à rádio.

7 COMENTÁRIOS

  1. Larissa quero lhe cumprimentar pelo trabalho feito na minha terra ainda estou procurando entender sim la em Santa Catarina lhes chamam barrigas verdes ou nao tem mais esse sobrenomem, meus parabens pra voce tenho a seguridade que sera uma das melhores jornalistas desse belo pais e dessa maravilhosa cidade como e Florianopolis temos desse estado muitas lembrancas e muita saudade

    • Vinnie, muito obrigada! Espero poder contribuir sempre para o Jornalismo e a população. Conhecer isso tudo me encanta e quero poder contar tudo logo mais.

      Um abraço,
      Larissa Cabral.

  2. Parabéns pelo trabalho da Larissa! Não foi só ela quem viajou pra Honduras. Através das suas postagens, todos nós estivemos com ela. Obrigada!

  3. gracias por compartir con el mundo lo que en realidad esta pasando en Honduras, espero que tu estadia alla sido buena y te deseo u feliz regreso y te esperamos pronto o cuando todo este mejor

  4. Estou muito muito feliz por ti!
    Te disse que farías um trabalho excelente, mesmo quando você tinha receios. Fiquei surpreso a cada postagem sua, e extremamente curioso.

    Com essa última postagem, confesso que senti muita vontade de viajar, como mochileiro pra algum lugar qualquer da América, você despertou isso em mim. Sinto comichões nas solas dos pés. :’)

    Boa viagem de volta, estou te esperando ansiosamente!

  5. Larissa! Tu és um orgulho para todos nós. Parabéns. Todos no Desacato e na RPCC, estamos orgulhosos de ti. Saiu do Brasil uma formanda, volta uma jornalista profissional.

    Bom retorno.

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