Por Vitor Nuzzi.
A recente mudança de comando no Arquivo Nacional continua preocupando a comunidade acadêmica, particularmente os pesquisadores de história, e entidades de direitos humanos. Para o ex-diretor Jaime Antunes, que comandou a entidade por duas décadas, existe uma “ação deliberada do governo de negar a história”.
“A nossa história está correndo o risco de ser rasgada, enxovalhada, por esse presidente delinquente que nós temos”, acrescentou o ex-ministro da Justiça José Carlos Dias. Atual integrante da Comissão Arns de direitos humanos, ele participou ontem (15) à noite de debate promovido pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. “O Arquivo Nacional faz parte do sacrário da República. Não podemos transigir. Aqui está guardada a nossa história”, afirmou Dias.
Antunes cita o exemplo do site Memórias Reveladas, abrigado no Arquivo Nacional, que traz documentos do período da ditadura. “É uma fonte que serviu para reprimir, depois serviu para defesa de quem foi reprimido pelo regime de então”, comentou o ex-diretor. “Os arquivos (públicos) têm de ser identificados como espaços de memória extremamente importantes para o país.”
Desde o Império
Surgida em 1840, a instituição já era citada na Constituição de 1824, ainda nos tempos do Império. O diretor chama a atenção para alterações no modus operandi do Conselho Nacional de Arquivos (Conarq), com menos representantes da sociedade. Câmaras técnicas passaram de permanentes a provisórias. “Isso engessa e burocratiza o funcionamento do Conarq.” Ele chama a atenção ainda para mudanças nos procedimentos de classificação e gestão de documentos, inclusive no que diz respeito a eventuais eliminações.
Disputa pela memória
Secretário-geral da Associação Nacional de História (Anpuh) e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Luiz Carlos Villalta aponta o papel de destruição de políticas públicas do atual governo. Que também busca apagar a memória. “Essa é uma política deliberada. O que a gente vê no Arquivo Nacional não pode ser visto como algo casual, muito menos anedótico.”
O pesquisador cita a Lei de Anistia, de 1979 (“Base do esquecimento dos crimes da ditadura”). E lamenta a forma como se deu a transição no Brasil. “Temos uma disputa em torno da memória. (…) A esquerda ainda não percebeu que o golpe contra Dilma Rousseff, nomeado impeachment, que a eleição de Bolsonaro envolveram uma luta e uma disputa feroz pelo controle da memória.” Segundo ele, enquanto o atual presidente venceu a eleição com base em mentiras, a ex-presidenta “ganhou opositores ferozes” ao criar a Comissão Nacional da Verdade.