Por Maura Silva. Três projetos farão um resgate das músicas criadas pelos Sem Terra; o objetivo é trazer à tona a memória musical do Movimento a partir de cada período histórico.
A letra, os acordes e a melodia não são apenas um amontoado de palavras, mas serve para comunicar o jeito Sem Terra de ser e de estar, de tocar e cantar, de compreender o mundo e a si mesmo.
Assim é a música para o MST, Movimento que nasceu em sinfonia, que usa os acordes como bandeira de identidade, luta e resistência.
E para reafirmar essa identidade e em celebração aos 30 anos do Movimento, completados em 2014, no último período está sendo feito um recolhimento das canções históricas que traduzem parte da memória musical do povo Sem Terra.
Nasceu, assim, a ideia de se fazer um resgate das músicas criadas pelos Sem Terra, divididos em três projetos. O primeiro e já concluído foi a regravação e a digitalização do primeiro álbum gravado pelo MST, Dor e Esperança (ouça o álbumaqui), lançado em 1985.
O mais recente projeto e em fase de finalização é a coletânea de mais de 20 canções dos Sem Terra criadas entre os anos de 1990 a 2000, e que não foram gravadas no primeiro CD do Movimento, o Arte em Movimento, de 1997.
O último projeto, a ser realizado em 2016, trabalhará as músicas mais importantes para cada estado, mas que não tiveram um alcance nacional.
Para Guê Oliveira, integrante do setor de cultura do MST, o objetivo é trazer à tona a memória musical do Movimento a partir de cada período histórico.
“O MST nasce a partir dos próprios sujeitos da luta, produzindo a sua própria música e contando sua história através dela. Quando decidimos fazer um levantamento das músicas do Movimento, sabíamos que também faríamos o levantamento da história da luta pela terra”, conta.
Foram semanas de lembranças, trocas e descobertas. De 6 a 12 de julho, parte dos músicos do MST se reuniram na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF) para lembrar as canções que, ao longo de três décadas, retrataram a luta pela Reforma Agrária.
“Os músicos do Dor e Esperança, assim como essa nova geração, também estão diretamente nos processos de luta. A música é um elemento que cumpre um papel estratégico”, destaca Oliveira.
“O nosso papel é deixar para nossos filhos o legado de lutadoras e lutadores. Perpetuar através da música a luta de todos e de cada um de nós”, acredita a percursionista.
‘O risco que corre o pau corre o machado’
Cada canção escrita reflete o período histórico em que ela foi construída. Durante a última década do século 20, estava muito intenso o processo de repressão à luta dos movimentos populares.
Nesse período, portanto, a produção musical dos Sem Terra ficara mais intenso e combativo. O massacre de Corumbiara e Eldorado dos Carajás, em 1995 e 1996, respectivamente, a marcha de 1997 e tantos outros processos de luta e resistência foram retratados pelas canções.
Para Levi de Souza, músico do setor de cultura do Paraná, as músicas no Movimento sempre tiveram seu lugar estratégico.
“As canções são instrumentos de luta. Em épocas de intensa repressão, o nosso grito de lamento e resistência vinha e, ainda vem, através da canção. Tanto nos momentos de animação dos encontros e reuniões, quanto nos momentos de enfrentamento, seja nos acampamentos, na guarita, quando o cansaço bate, do conflito à resistência, a música está presente. É bonito e é nosso, uma cultura enraizado dentro do Movimento. Estamos com a foice, mas também com a viola do lado. É esse o retrato musical da vivência do sujeito coletivo Sem Terra”, salienta.
Produção coletiva
O que é ‘produção musical’? O que significa ‘produzir um disco’? Em tempos de apogeu da indústria cultural, essas e outras questões sobre o modo de se fazer um trabalho musical são muito difíceis de responder.
Levi reitera que o que suavizou este trabalho e o encheu de leveza, graça e sinceridade, foi a presença latente das figuras que fazem parte da história do MST.
“Só a produção coletiva é capaz de instigar, mover e deixar transparecer o enfrentamento que vivemos na formação de militantes e sujeitos. No mercado, a indústria fonográfica impõe seus temas, mas aqui não. Quando começamos a nos reunir, só na primeira leva, conseguimos uma média de 500 canções. É a viola, a música sulista, o reggae, afoxé, xote, baião e o samba. É a miscelânea musical que traduz a luta pela Reforma Agrária”, destaca.
Os sonidos vivos de Dor e Esperança e os ouvidos atentos ao que virá. São essas as imagens que chegam com a reunião de novos e antigos músicos, que mais uma vez cantam a luta pela terra.
Na unha, no laço e no encalço do tempo, é a voz, a viola, o violão, a alfaia, a sanfona, o pandeiro, a flauta e a percussão que simbolizam e traduzem a luta pela terra. Cantar a luta é arrancá-la do chão de terra batida para que jamais caia no esquecimento.
Foto: Reprodução/MST
Fonte: MST