Por Lu Sudré.
Agricultores do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) produziram álcool 70% para a rede pública de saúde em Curitibanos, no estado de Santa Catarina. A produção piloto da iniciativa aconteceu na última terça-feira (24), em resposta ao desabastecimento do produto no município.
De acordo com informações divulgadas pela Secretaria de Saúde do Estado nesta quinta-feira (26), 149 catarinenses testaram positivo para a covid-19.
Em meio ao preocupante cenário, a utilização do álcool 70% tem sido amplamente indicada para higienização pessoal e limpeza de espaços coletivos como forma de conter a transmissão do novo coronavírus.
Porém, no início da semana, o município de Curitibanos possuía apenas álcool 46% em suas prateleiras.
Foi então que o químico Cristian Soldi, professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), teve a ideia de transformar os produtos disponíveis em álcool 70% por meio da destilação. Segundo o especialista, quanto maior a concentração do álcool etílico na substância, maior sua capacidade de higienização.
Sabendo que os agricultores do Assentamento 1º de Maio possuíam uma destilaria para a produção de cachaça artesanal, o maquinário adequado para que o álcool mais concentrado fosse produzido, o docente fez o convite aos assentados, que prontamente se colocaram à disposição.
Soldi explica que a técnica de destilação consiste em um processo de separação de substâncias líquidas com diferentes pontos de ebulição.
“A ideia é que separemos a água do álcool. Tiramos a água que está na solução de 46% e aumentamos a concentração de álcool etílico. E para isso usamos um destilador, e eles [assentados] possuem um destilador de fluxo contínuo”, afirma o químico.
O assentado Lulis Girotto se orgulha do resultado que a primeira produção rendeu: Em uma hora, com 76 litros de álcool 46%, foram produzidos 30 litros de álcool 70 % líquido, destinados à higienização de superfícies e ambientes hospitalares.
“Nos sentimos muito felizes por estar contribuindo nesse momento difícil pelos quais as pessoas estão passando. E os responsáveis por essas instituições estão apurados para conseguir atender as demandas. É um momento muito especial para nós”, conta o produtor, que disponibilizou a máquina e a mão de obra de forma voluntária. Já as unidades de álcool 46% foram fornecidas pela prefeitura.
Girotto aponta que o Brasil está entre os países com as maiores produções de álcool do mundo, a partir das plantações de cana-de-açúcar, e que não faz sentido algumas cidades não abastecidas com os produtos durante a pandemia.
“Se tivéssemos um governo preocupado com esse problema, fazia uma solicitação e a indústria, produzindo álcool durante meio dia, atende o Brasil. Nós, com um mini destilador, conseguimos solucionar o problema por alguns dias para postos de saúde de um município com mais de 50 mil habitantes”, aponta.
Perspectivas
Até o momento, apenas os 30 litros da produção teste foram entregues à prefeitura. Mas Girotto garante que, se depender dele e de sua família, não faltará álcool 70% em Curitibanos.
Os agricultores do Assentamento 1º de Maio, que possui 30 unidades de produção, também contam com o auxílio de técnicos da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri) para a produção da cachaça artesanal e, agora, para as adaptações que forem necessárias para a produção do álcool 70%.
“Vamos fazer uma remessa mais significativa para garantir ao menos para as nossas unidade de saúde”, planeja Girotto.
“É um equipamento muito bom. Conseguimos trabalhar o tempo inteiro, sem parar. É só alimentar o equipamento com álcool 46%. Nos nossos cálculos, é possível produzir em torno de 200 litros por dia de álcool 70%, se tivermos o 46% disponível”, diz o docente.
Ele destaca a importância de parcerias entre instituições públicas como a UFSC, Epagri e prefeitura no combate à pandemia.
“Existe uma grande diversidade de conhecimento, então podemos nos unir e trabalharmos juntos, em diferentes áreas, para controlarmos essa situação. Os centros de saúde necessitam desse material porque médicos e enfermeiros estão em contato direto com os pacientes. Nesse momento emergencial é importante a união entre as instituições públicas e com quem tem experiência em produzir, no caso do álcool, os produtores rurais. Eles são a parte mais importante do processo”, ressalta.
O docente comenta que, caso a iniciativa cresça, é justa a remuneração da mão de obra dos assentados que participam do projeto e estão dedicando seu tempo para dar suporte à saúde pública.
Para o agricultor Lulis Girotto, a parceria explicita a importância das universidades públicas e da pesquisa brasileira em momentos de crise.
“Se não tivéssemos essa unidade da universidade aqui [em Curitibanos], não estaríamos produzindo esse álcool e estaríamos perecendo com a falta do produto. E isso é um resultado do trabalho da universidade. E nosso, da reforma agrária, que conquistamos a terra e lutamos por tanta coisa”, conclui.
Edição: Leandro Melito.