Cinco dias após o Ministério das Relações Exteriores cobrar do governo venezuelano explicações sobre a vinda ao Brasil, sem aviso prévio, do ministro venezuelano de Comunidades e Movimentos Sociais, Elias Jaua, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) divulgou nota, nesta segunda-feira 10, esclarecendo o teor do termo de cooperação para capacitação de camponeses assinado com o ministro – que também ocupa o cargo de vice-presidente de Desenvolvimento do Socialismo Territorial.
O acordo foi um dos compromissos políticos que Jauá cumpriu durante estadia no país, sem que o governo brasileiro tivesse sido comunicado. Como, em termos diplomáticos, a falta de aviso prévio pode ser interpretada como ingerência em assuntos internos e contrário às boas relações entre dois países, o Itamaraty ainda aguarda os esclarecimentos do governo venezuelano. Já parlamentares da oposição revelam exigirão informações do chanceler brasileiro Luiz Alberto Figueiredo, na próxima audiência pública da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados, agendada para quarta-feira (19).
“Temos uma situação sui generis, para dizer o mínimo: alto representante de um governo estrangeiro vem ao Brasil firmar acordos com um ente sem personalidade jurídica, tendo por objetivo construir uma sociedade socialista”, argumentou o deputado e senador eleito Ronaldo Caiado (DEM-GO), que solicitou a audiência pública, segundo a Agência Câmara.
Alegando ser reconhecido internacionalmente por sua luta pela reforma agrária e organização de comunidades rurais em cooperativas, associações e agroindústrias, o MST defende o acordo como algo natural. E aponta que as críticas à iniciativa provêm de “setores conservadores que não admitem qualquer participação popular”. Os mesmos setores que, segundo a organização, “condenam a criação de conselhos consultivos populares, a convocação de plebiscitos e a realização de acordos na área de cooperativismo e economia solidária”.
Segundo o MST, a parceria prevê o intercâmbio entre camponeses brasileiros e venezuelanos para a troca de experiências e de conhecimentos sobre cooperativismo, economia solidária e produção agroecológica – considerados pelas partes “os instrumentos mais adequados para a luta contra a fome e a pobreza e para a promoção da agricultura familiar e da segurança alimentar”.
A nota do MST, destaca, ainda, que o intercâmbio permitirá ao Ministério do Poder Popular e a movimentos sociais brasileiros e venezuelanos implementar ações conjuntas para desenvolver programas, projetos e atividades que beneficiem as comunidades urbanas e rurais dos dois países, “assim como toda potencialidade em matéria de participação popular, economia comunal e movimentos sociais”.
Durante sua estadia de quatro dias no Brasil, Elias Jaua também firmou convênios com representantes farmacêuticos no Paraná, conheceu experiências de transporte público e gestão de resíduos da prefeitura de Curitiba. Sua visita, porém, gerou ao menos uma polêmica antes mesmo que o acordo com o MST se tornasse público.
Na madrugada de 24 de outubro, policiais federais detiveram a babá do filho de Jaua no Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo. Yaneth Anza tentava ingressar no Brasil portando um revólver calibre 38. O ministro, que já se encontrava no Brasil quando pediu à babá que viesse ao seu encontro, admitiu que a maleta com documentos políticos e a arma lhe pertenciam. Jaua garante ter alertado a funcionária para que tirasse a arma da valise antes de viajar, mas a babá disse não tê-la encontrado.
Ao cobrar da Embaixada da Venezuela explicações sobre a vinda de Jaua ao Brasil, o ministro das Relações Exteriores, Luiz Alberto Figueiredo, mencionou ao encarregado de Negócios venezuelano, Reinaldo Segóvia, que a agenda política cumprida pelo ministro causou “estranheza” ao governo brasileiro.
Apesar de não avisar o Palácio do Planalto e o Itamaraty, Jaua divulgou agenda e os convênios firmados em território brasileiro no site do seu ministério e no microblog Twitter. Explicações posteriores também foram divulgadas nas redes sociais, mas o Itamaraty aguarda a manifestação oficial do ministro ou do governo venezuelano a respeito do assunto.
Leia o comunicado do MST sobre o acordo com a Venezuela:
“A assessoria de imprensa do MST faz os seguintes esclarecimentos, diante da repercussão da parceria do Movimento com o governo da Venezuela:
1- O acordo firmado entre o MST e o ministro de movimentos sociais da Venezuela, Elias Jaua, prevê um intercâmbio bolivariano entre camponeses de ambos os países na área de cooperativismo agrícola e economia solidária, com a finalidade de troca de experiências e conhecimento sobre a produção agroecológica (conforme o acordo abaixo).
2- O MST é reconhecido internacionalmente pelo trabalho de luta pela Reforma Agrária e organização de comunidades no meio rural para a produção de alimentos, a partir de um processo de organização de cooperativas de trabalhadores rurais, que viabiliza a industrialização e a comercialização da produção. O MST tem cerca de 100 cooperativas, 1.900 associações e 100 agroindústrias, que demonstram a força da agricultura camponesa, que se constitui numa referência internacional.
3- Os setores conservadores do Congresso Nacional, liderados pelo fundador da União Democrática Ruralista (UDR), Ronaldo Caiado, aproveitam o clima criado nas eleições presidenciais para colocar suas baterias contra a Reforma Agrária e os movimentos sociais do campo. Os setores derrotados nas eleições presidenciais buscam criar um clima de instabilidade política no país, qualificando de forma preconceituosa qualquer iniciativa de protagonismo popular como “bolivarianismo”.
4- Desde o decreto de Política Nacional de Participação Social, derrubado pela Câmara dos Deputados, passando pela oposição à realização de plebiscito sobre a convocação de uma Constituinte do Sistema Político, até a condenação da indicação pelos presidentes da República dos ministros do STF, como prevê a própria Constituição. Agora é a vez do acordo de cooperação agrícola entre a Venezuela e os Sem Terra do Brasil.
5- Assim, os setores conservadores demonstram que não admitem qualquer participação popular, condenando iniciativas de criação de conselhos consultivos, convocação de plebiscitos e a realização de acordos na área de cooperativismo e economia solidária.“
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Fonte: Agência Brasil