O Ministério Público Federal (MPF) em Santa Catarina manifestou-se nesta terça-feira (23) favoravelmente às medidas liminares requeridas à Justiça Federal pela Rede de Organizações (ONGs) da Mata Atlântica, sobre os danos e riscos ambientais representados pelo rompimento dos taludes da lagoa de vapoinfiltração do sistema de tratamento de esgotos sanitários (SES) da Lagoa da Conceição, de responsabilidade da Casan, em Florianópolis. A ação foi direcionada à concessionária do serviço público, sua diretora-presidente e seu diretor de expansão.
Na manifestação, a procuradora da República Analúcia Hartmann, do MPF em Santa Catarina, lembra que as liminares solicitadas pela ONG requerem medidas judiciais que dizem respeito à segurança de que efetivamente haverá conhecimento pleno dos efeitos, mitigação dos danos e recuperação ambiental da área – restinga, dunas, praia lagunar e Lagoa da Conceição – “o que é extremamente importante, haja vista as dificuldades inerentes a esse tipo de evento (até hoje se persegue a reparação pelos danos ocorridos em Mariana, em Minas Gerais, não se sabendo em quantos anos a tragédia de Brumadinho será mitigada), e ao tradicional manejo de recursos protelatórios por parte das empresas e instituições responsáveis pelos danos”.
As medidas liminares requeridas à 6ª Vara Federal de Florianópolis pelas ONGs da Mata Atlântica dizem respeito ao levantamento e à transparência sobre o monitoramento químico, biológico e ecológico do ecossistema da Lagoa da Conceição desde o rompimento da lagoa de vapoinfiltração, visando ao estabelecimento de medidas mitigadoras e de prevenção, e ao monitoramento da situação de degradação gerada – até recuperação – bem como ao bloqueio e indisponibilidade de bens suficientes a custear os estudos, ações mitigatórias e medidas reparadoras, que certamente serão difíceis e altamente custosas.
Efeitos lesivos – Nos pedidos feitos pela ONG, observa o MPF, há detalhamento acerca dos dados técnicos a serem levantados pela Casan,”não pelos órgãos ambientais, evidentemente, já que a responsabilidade é da Companhia – com ênfase na consequente adoção de medidas mitigadoras, que possam diminuir os efeitos lesivos do carreamento de sólidos, lodo e água contaminada para dentro da Lagoa da Conceição”.
“Em sua petição, a Casan surpreende ao atacar a petição inicial, quando se esperaria uma atitude de admissão dos fatos e de tentativa de conciliação e de reparação”, diz o MPF. “Ao contrário, a petição invoca a ‘imprevisibilidade’ das chuvas – atendidas para a região e advertidas pelos meteorologistas desde dezembro de 2020 – e uma pretensa regularidade da lagoa de vapoinfiltração, por conta da existência de Licença Ambiental de Operação (LAO) em vigor.”
“Sobre esse aspecto, falta com a verdade o defensor da Companhia, pois sabe que a LAO está em vigor apenas porque o pedido de renovação foi feito no prazo regulamentar, e que o órgão ambiental o está estudando. Como também tem ciência de que, desde pelo menos 2016, a Casan assumiu compromisso com o órgão estadual de meio ambiente (IMA) em definir uma alternativa para a lagoa justamente onde ocorreu o rompimento. E não apenas pelo risco de contaminação do aquífero Joaquina (objeto de outra ACP), mas também pelo fato de que a capacidade de tratamento da SES da Lagoa está há muito exaurida e que o risco de ultrapassagem ou de rompimento dos taludes era já vislumbrado (e notificado).”
No deferimento ao pedido de medidas liminares à Justiça Federal feito pela Rede de Organizações (ONGs) da Mata Atlântica, a procuradora da República Analúcia Hartmann destaca que o compromisso da Casan com o IMA, firmado em 2016, não foi cumprido no prazo final de 2018. O licenciamento passou posteriormente à competência do órgão municipal, a Fundação Municipal de Meio Ambiente, atendendo à lei complementar 140, e essa alternativa para a lagoa de vapoinfiltração novamente foi cobrada, desta vez pela Floram.
Multa de R$ 15 milhões – “Foi por conta disso – desse risco de evento danoso previsível – que a Fundação Municipal de Meio Ambiente estipulou uma multa de R$ 15 milhões contra a Casan, em face da ocorrência objetivada nestes autos: porque havia a ciência do risco, pelo menos desde 2016 (possivelmente muito antes disso). Essa preexistência do risco e das advertências, bem como das informações dos moradores locais sobre extravasamento no local, estão comprovados nos autos.”
Na manifestação enviada à 6ª Vara Federal de Florianópolis, o MPF ressalta que vistoria realizada no local em janeiro corrobora a informação sobre as advertências e a preocupação com um possível deslizamento de taludes. “E a Casan, em janeiro, já com a certeza de um volume muito grande de chuvas, sequer providenciou a retirada das pessoas que moram (ou moravam, pois suas casas foram destruídas) no ‘caminho’ entre a lagoa de vapoinfiltração e a Lagoa da Conceição. Como também não implantou nenhum mecanismo de prevenção à jusante da lagoa com efluentes, ou de reforço nas estruturas naturais.”
“A liminar requerida não diz respeito à mera exibição de documentos, mas à efetiva realização de estudos abrangentes da situação e dos danos causados e ao monitoramento das condições da região afetada, especialmente visando à imediata mitigação dos efeitos lesivos e à futura recuperação ambiental da área. De preferência por empresa idônea e com técnicos capacitados para tão difícil levantamento. Cuida-se, portanto, de antecipação da tutela fundamentada e razoável, bem como absolutamente necessária”, diz ainda o MPF.
“O bloqueio de valores, que representa um pequeno percentual dos lucros obtidos pela Casan em um ano, também é medida salutar, ainda mais quando se verifica – pela resposta da ré – que não há disposição de seus responsáveis em assumir o resultado de sua gestão deficitária da SES da Lagoa da Conceição. O ecossistema afetado não pode aguardar longas batalhas judiciais.”
O MPF em Santa Catarina já instaurou inquérito civil que deverá nortear uma ação civil pública a ser proposta nos próximos dias, requisitou providências, vistorias e laudos, bem como determinou a instauração de inquérito criminal (IPL), em tramitação na Polícia Federal. Também recomendou oficialmente à Casan que proceda à identificação dos responsáveis diretos, através de inquérito administrativo.
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