No dia 29 de agosto passado, na cidade de Nova Olinda do Norte (AM), durante entrevista a uma emissora de radio local, o locutor e o indígena Everaldo Castro, do povo Maraguá, foram surpreendidos por um cidadão que invadiu o estúdio para rebater as informações sobre a realidade de conflito nas terras dos Maraguá. O locutor conseguiu contornar a situação no estúdio. Porem, ao sair, Everaldo foi abordado pelo dito cidadão que, juntamente com sua esposa, passaram a ofendê-lo com palavras de baixo calão e preconceituosas.
Esse episódio é apenas a ponta de um iceberg dentre os conflitos envolvendo indígenas e ribeirinhos de um Projeto de Assentamento Extrativista (PAE) que acontecem diariamente no rio Abacaxis, entre os municípios de Nova Olinda do Norte e Borba, na região do baixo rio Madeira, no Estado do Amazonas. O local está situado a cerca de 250 quilômetros em linha reta da capital, Manaus.
Em meados de agosto passado lideranças indígenas denunciaram ameaças de morte que vêm sofrendo à Fundação Nacional do Índio (Funai), Advocacia Geral da União (AGU) e ao Ministério Público Federal (MPF). “Hoje estamos aqui, denunciando ameaças de morte. Não sabemos se ainda estaremos vivos para vir aqui outra vez”, disseram os indígenas aos representantes da Funai e AGU. O tuxaua geral dos Maraguá, Jair Seixas Reis, sofreu duas ameaças em menos de um mês por desconhecidos que o procuraram em sua casa.
Outro fato que acirrou os ânimos entre os indígenas e assentados foi a apreensão de um flutuante que seria inaugurado na aldeia Terra Preta e serviria como ponto de monitoramento das embarcações que trafegam no rio Abacaxis. Muitas delas foram denunciadas por estar a serviço de exploradores de madeira, minérios, caça e pesca ilegais. O flutuante foi aprendido no dia 25 de agosto e a inauguração estava prevista para o dia 30, na presença das autoridades que participariam de uma audiência publica na aldeia Terra Preta.
Na frente daquela aldeia, de uma margem a outra, o rio Abacaxis tem em torno de 150 metros de largura. Por causa dos conflitos, de acordo com relato dos indígenas, os moradores de uma comunidade de assentados da margem oposta a aldeia, passaram a ameaçar de morte os indígenas que ultrapassassem a metade do rio para a margem onde se localiza a comunidade dos assentados.
Ausência do Estado
Com oito milhões de hectares de terras no Amazonas para fiscalizar a Superintendência Regional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agraria (Incra), não dispõe de recursos humanos e financeiros para desenvolver suas atividades, segundo disse a representante do órgão, Leocinira Mendes dos Santos. Ela disse que à época dos levantamentos feitos pelo órgão para criação do PAE Abacaxis 2 não havia indígenas na região.
Nas reuniões realizadas na sede do Ministério Publico Federal em Manaus, no dia 28/08 e na audiência publica acontecida na aldeia Terra Preta, o Coordenador Regional da Funai, em nenhum momento apresentou qualquer contribuição para solucionar o impasse numa localidade onde o Estado está ausente há muitos anos, conforme observou o procurador da República, Fernando Merlotto Soave. A Funai padece da falta de recursos para prestar assistência aos povos indígenas do Amazonas. Até para se deslocar para as aldeias funcionários do órgão pedem combustível das organizações ou aldeias indígenas.
Além da ausência dos órgãos governamentais de assistência as populações tradicionais, pesa o fato de que os assentados não estão esclarecidos sobre os benefícios a que tem direito, razão pela quais alguns são levados a cometer atos ilícitos para assegurar sua subsistência.
Em setembro de 2015 foi realizada a Operação Filão do Abacaxis com atuação conjunta da Polícia Federal, Ibama, Exército Brasileiro e Polícia Militar do Estado do Amazonas na região do rio Abacaxis. Na ocasião foram encontradas 50 pessoas em trabalho análogo à escravidão, pessoas portando armas com as quais praticavam caça predatória, apreensão de drogas por parte da Polícia Militar e destruição de maquinário de garimpo pelo Exército Brasileiro, conforme divulgaram veículos de imprensa de Manaus. Os indígenas, por outro lado, vêm atuando de forma organizada para suprir as demandas das aldeias. A capacidade de comunicação e articulação com os órgãos governamentais tem proporcionado atendimento à saúde, educação e desenvolvem projetos econômicos visando a sustentação das aldeias.
Segundo Leocinira Mendes, em 2004 foi criado o Projeto de Assentamento Extrativista (PAE) Abacaxis 1, que abrange grande parte do município de Borba. O PAE Abacaxis 2 foi criado em 2005 e fica localizado em Nova Olinda do Norte. O território tradicional dos Maraguá, com uma extensão de aproximadamente 992 mil hectares, ainda não foi demarcado e está sobreposto pelo PAE Abacaxis 2 pela Floresta Nacional (Flona) Pau Rosa.
Acordo
A audiência pública realizada na aldeia Terra Preta contou com a presença de aproximadamente 200 participantes entre indígenas, assentados e dirigentes de órgãos governamentais estaduais e federais. A reunião foi tensa, com acusações da parte de indígenas e dos assentados.
O primeiro passo para acabar com os conflitos na região é o estabelecimento de um acordo de convivência, na opinião do procurador Fernando Soave Merlotto. A proposta foi apresentada e aceita pelas partes. Porém, tanto assentados quanto indígenas duvidam de um resultado em curto prazo. “Os conflitos estão ficando mais graves. Nós vamos anunciar o acordo nas comunidades, mas eu não sei dizer se vai ser aceito”, diz Natanael Campos da Silva. Presidente da Associação de Assentados do Rio Abacaxis.
Propostas
Além do acordo de convivência, o procurador Fernando Merlotto apresentou outras propostas com potencial de, a médio e longo prazo, acabarem com a tensão entre indígenas e ribeirinhos do rio Abacaxis. As principais iniciativas são:
– Realização de um estudo antropológico para melhor conhecimento da região;
– Por parte do Incra, realização de um Plano de Utilização dos recursos da área em 2019 que poderá, inclusive, facilitar o acesso a recursos financeiros;
– Criação de uma comissão formada por representantes dos órgãos governamentais, assentados e ribeirinhos tendo em vista superar as divergências. A primeira reunião está marcada para o dia 25 de setembro na comunidade Pedral, de assentados;
– Regularizar as empresas de turismo que atuam na pesca esportiva no Rio Abacaxis. Elas precisam ter a licença do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), anuência do Incra e Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio) e das comunidades afetadas. A partir de 2019, quem não estiver devidamente regularizado não poderá realizar a atividade no rio Abacaxis.
O Procurador da República destacou que “daqui por diante, será necessária maior comunicação ente os órgãos governamentais para solucionar as pendências de competência de cada um”.
Para os indígenas, os conflitos terão fim quando as comunidades dos assentamentos reconhecerem o direito dos Maraguá. Representantes dos assentados e do INCRA tem difundido a ideia de que ali não existem indígenas. De acordo com levantamento feito pelo Distrito Sanitário Especial Indígena – Dsei, de Manaus, no rio Abacaxis existem seis aldeias com uma população de 243 moradores. No rio Paracuni tem uma aldeia com 156 moradores e no rio Curupira tem duas aldeias com 163 moradores. O território tradicional dos Maraguá abrange os municípios de Nova Olinda do Norte, Borba e Maués. O pedido para a demarcação da terra do povo Maraguá foi registrado na Divisão de Assuntos Fundiários da Funai em 16/08/2007 sob o número 473. Atualmente encontra-se junto à Coordenação Geral de Identificação e Delimitação (CGID) aguardando por sua qualificação.
Confira abaixo o mapa do local: