Por Ana Carolina Peplau Madeira, para Desacato.info.
As assessorias de Imprensa dos Ministérios Públicos Estadual e Federal anunciaram, na semana passada, providências legais contra a poluição que tomou o Rio do Brás, em Canasvieiras, Norte de Florianópolis. Companhia Catarinense de Águas e Saneamento (Casan) e Fundação do Meio Ambiente (Fatma) estão sendo processadas e a prefeitura fechou a foz do rio, fato que causou reviravolta em processos com a exigência de imediata desobstrução do canal.
O curioso é que a informação de tapar a foz com areia veio da própria prefeitura, com direito à foto, onde mostra que a medida foi feita à noite. Para piorar, a matéria fala que o rio não deságua no mar. E na mais recente, diz que nem é rio, que é lagoa. Mas na ação, quem deve abrir a foz do rio é a Casan. As perguntas que ainda não têm respostas são: onde está o Relatório de Impacto Ambiental para a medida de colocar areia na foz de um rio? Que órgão ambiental autorizou? Fazer remoção de areia de praia pode? De noite?
O vereador Lino Peres (PT) lembra que o problema de saturação da capacidade de suporte da infraestrutura da Casan é caso antigo, remota a 2012. “A falta de água em várias regiões e bairros na Capital revelou o enfarto do sistema de abastecimento da Casan, causado não somente pelo aumento de turistas, como se alegava nos meios de comunicação, mas pela saturação da capacidade de suporte da infraestrutura existente, que abrange também o tratamento de esgoto e sistema viário, entre outras variáveis. Agora, em 2016, o enfarto é no sistema de saneamento, problema no auge com o rompimento da barreira no Rio do Brás, no Norte da Ilha, nesta sexta-feira, 15”, comenta em seu site.
Federal
Representantes do MP Federal farão Vistoria Judicial, no Rio do Brás, na próxima quarta-feira, dia 20, às 14h30. No dia 22, às 14h30, testemunhas serão ouvidas no Fórum da Justiça Federal para servir de prova produzida na ação de atentado contra a Companhia Catarinense de Águas e Saneamento (Casan), ajuizada no dia 14, pelo procurador da República João Marques Brandão Néto. Esta ação foi proposta para que seja feita a reabertura da foz.
Além dos motivos ambientais, o represamento do rio, “altera o local que já é objeto de ação civil pública do MPF desde agosto de 2014”, relata o texto no site do órgão. Havia uma ação mais antiga para obrigar a empresa a solucionar o vazamento de esgoto na estação de tratamento (ETE) de Canasvieiras. Segundo o processo, a Casan deve ser obrigada a apresentar cronograma de ações para a despoluição completa da faixa de praia e do mar naquela localidade, inclusive na foz do Rio do Brás.
Um problema gera outros piores
De acordo com a página da Internet do MPF/SC, a ação de 2014, “de autoria da procuradora da República Analúcia Hartamnn, recebeu liminar favorável da Justiça Federal em Santa Catarina em setembro do mesmo ano, mas foi suspensa pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região em fevereiro de 2015, após a Casan recorrer da decisão”.
Justamente porque a peça judicial ainda está sendo tramitada, a obstrução da foz foi considerada ilegal. “Por descaracterizar o objeto da ação principal (a de 2014) e impedir a realização de perícia judicial, motivo pelo qual o MPF, paralelamente, requisitou abertura de inquérito policial por fraude processual (…) Além disso, como a obstrução da foz do Rio do Brás poderá afetar a Reserva Ecológica de Carijós – ESEC, a mesma requisição de inquérito à Polícia Federal pede também apuração de crimes ambientais”.
“Até agora, o que se viu foi uma série de gambiarras usadas para tentar contornar, e não resolver o problema, algo que seria facilitado, visto que prefeito e governador são do mesmo partido (PSD) e poderiam tratar o problema de forma conjunta, pela afinidade político-ideológica dos programas de governo, o que facilita a gestão conjunta desta situação”, ressalta o vereador Peres.
Ele ressalta que o motivo “tem relação direta com a falta de planejamento e mais ainda a liberação de licenciamentos pela Prefeitura e Câmara de Vereadores, assim como a alteração de zoneamento, que aumenta os gabaritos das edificações (elevação da altura e porte das construções sem estudo de impacto)”. A grande questão, segundo o legislador é que a prefeitura não fez essa previsão com órgãos como Casan e Celesc ao elaborar o Plano Diretor.
Estadual
Também no dia 14, o Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) protocolou petição à Vara da Fazenda Pública para determinar que Casan e Fatma cumpram as decisões liminares estabelecidas na ação civil pública do sistema de coleta e tratamento de esgoto em Florianópolis. Estes compromissos foram estabelecidos em agosto do ano passado, para serem cumpridos entre 30 a 60 dias. O prazo terminou e as decisões não foram cumpridas. O MPSC também pede a fixação de multa para o caso de descumprimento, pedido feito também na inicial da ação, mas não atendido pelo Judiciário.
Já na sexta passada (15/01), o promotor de Justiça Mário Waltrick do Amarante, titular da 32ª Promotoria de Justiça da Capital, cobrou dos órgãos fiscalizadores e de gestão do sistema de saneamento básico em Florianópolis medidas efetivas para coibir os agentes poluidores e também laudos técnicos. Amarante ouviu os relatos de representantes da Fatma, da Casan, da Prefeitura de Florianópolis, da Agência de Regulação de Serviços Públicos de Santa Catarina (ARESC) e observou que não trabalham em conjunto.
Casan
Além de não considerar parte do processo de fechamento da foz do rio, a Casan começou esta semana a coleta e a análise de água em seis pontos no Norte da Ilha. Diz o seu site que a ação está associada a medidas voltadas a amenizar os efeitos da poluição na praia de Canasvieiras e dos rios do Brás e Papaquara.
“É importante ficar claro que a Casan já faz esse tipo de análise. Agora estamos intensificando no Norte da Ilha, colocando mais pontos e realizando as coletas diariamente para investigar de perto qualquer anormalidade”, explica o engenheiro da Gerência de Meio Ambiente e Recursos Hídricos da companhia, Alexandre Trevisan.
Anunciou ainda no fim de 2015, a implantação de nova Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) na região de Canasvieiras até o final do ano, para ampliar a capacidade da que já estava em funcionamento. Explica que no início de dezembro, enviou à Fatma um pedido de licença para ampliar a Estação, mas o alto número de irregularidades (57%) registrado nas ligações da região, segundo medição do Programa Se Liga na Rede, aliado à concentração recorde de turistas no bairro, alteraram o projeto inicial.
Depois dos problemas e estragos com a poluição, a Superintendência Regional Metropolitana da companhia colocou técnicos e engenheiros da empresa à disposição dos proprietários de imóveis do Norte da Ilha de Santa Catarina, para realizar a ligação correta à rede de esgoto. Também disponibilizou o telefone (48) 3271-4510 para agendamento da orientação técnica gratuita.
Fatma/SC
A fundação também não se manifestou sobre os processos. Na última sexta, dia 15, a Fatma divulgou o segundo relatório das condições das praias de 2016. De acordo com os novos dados, 137 estão aptos para banho e 74 estão impróprios, em Santa Catarina.
Em Florianópolis, 46 locais estão próprios para banho e 29 não tem condições adequadas para o uso dos banhistas. Ao todo, 32 dos 211 locais analisados apresentaram mudanças, sendo a metade passou a ser considerado próprio. O próximo relatório será divulgado na sexta-feira, 22.
Prefeitura de Florianópolis
O prefeito Cesar Souza Junior afirmou nesta sexta-feira (15) que é necessária uma grande ação de todos os órgãos ambientais para identificar a origem da poluição no Rio do Braz, em Canasvieiras. “É preciso investigar a origem de tanta poluição, há algo muito errado aí”, sublinhou.
“Hoje é um dia triste para todos nós que amamos essa cidade. Canasvieiras tem 100% de cobertura de esgoto e não há por que persistirem as irregularidades nas ligações constatadas pelo programa Se Liga na Rede. Quem comete essa irregularidade, o faz conscientemente, porque todas as residências, casa a casa, ponto a ponto, foram vistoriadas e notificadas”, afirmou.
O prefeito destacou que não é possível descartar que a ação de ‘ente poluidor’, com grande capacidade de ‘produção’, possa estar contaminando as águas do rio do Brás, “insistindo em cometer esse descalabro ambiental com nossa cidade”.
Em entrevista coletiva, Cesar Souza Junior disse também considerar “estapafúrdia” a informação de que as ações para aliviar a carga poluidora no rio do Brás possam ter reflexo em bacias adjacentes, de modo a contaminar Ratones, Daniela e Sambaqui.
“Basta ter um pingo de noção geográfica para ver a impossibilidade de atingir outros pontos a uma distância gigantesca. Antes mesmo de chegar ao Papaquara, já cai quase a zero o índice de coliformes fecais. E outra: se não chega a poluir Canasvieiras – já que apenas dois dos oito pontos estão impróprios – como poderia contaminar outras bacias?”, ponderou.
O prefeito negou também que a Prefeitura tenha ‘fechado’ a saída do rio do Brás para a praia, conforme menciona ação do Ministério Público Federal contra a Casan.
“O rio do Brás é mais uma lagoa do que um rio. Deságua no mar, ou não, dependendo das condições da maré e das precipitações. O que a Prefeitura fez foi recompor a faixa de areia. 95% dos dias do ano o rio fica fechado pela praia em Canasvieiras. Fechar definitivamente o caminho do rio seria um crime ambiental imperdoável, com consequências não na Daniela, mas na drenagem pluvial da Cachoeira do Bom Jesus”, disse.
Sobre a manifestação do MPF, Cesar Souza Junior informou que vai encontrar-se com o procurador João Marques Brandão Neto na segunda-feira, para explicar o trabalho da Prefeitura na recomposição da faixa de areia, que, segundo ele, foi feito embasado em relatório do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), que recomendou a restauração da faixa de areia sempre que a vazão do rio cessasse.
Estação de tratamento
Cesar Souza Junior informou ainda que a Agência de Regulação dos Serviços Públicos de Santa Catarina (Aresc) está avaliando, através de uma telemetria, as condições de funcionamento da estação elevatória de esgotos da Casan no rio do Brás, para verificar se em algum momento nesse período de alta contaminação houve extravasamento significativo de material não tratado nas águas do rio.
Presente também à entrevista, o secretário de Habitação e Saneamento Ambiental, Domingos Zancanaro, adiantou que a partir de segunda-feira os trabalhos de inspeção das redes pluvial e de esgoto vão estender-se para a região dos Ingleses, enquanto continua, com reforços, em Canavieiras. Ele informou que esta semana suas equipes cumpriram 98 ordens de serviço de vistoria e verificaram imóveis já notificados por irregularidades, sendo que 81 já haviam sanado o problema e os demais 17 teriam prazo de mais 15 dias para efetuar que ele chamou de “pequenos reparos”.
De seu lado, o secretário de Saúde, Daniel Moutinho Júnior, afirmou que os especialistas em epidemiologia da SMS não conseguiram encontrar correlação direta entre a contaminação da água e o surto de diarreia que acontece no Norte da Ilha. “Na primeira semana de estudo, estudamos 215 casos sem encontrar nenhum fator isolado: não eram do mesmo bairro, não frequentaram a mesma praia, não frequentaram o mesmo restaurante. Não havia dado em comum que estivesse saltando aos olhos”, garantiu. Ele acrescentou que dos 1.200 casos registrados até agora, só 20% tomaram banho de mar em Canasvieiras.
Esta semana, já há redução de 10% no número de casos notificados, e o secretário acredita que o principal motivo desses casos continua sendo a alimentação sem os devidos cuidados higiênicos.
Imagens e Fonte: Prefeitura de Florianópolis
Areia de praia (Agradecemos desde já pela preciosa informação sobre o estado perigoso das areias)
Nosso leitor Jackson Gilberto Trindade Fávero respondeu à matéria “Perigo não está apenas na água contaminada das praias”. Segundo ele, a contaminação é predominantemente bacteriana e é feito monitoramento da areia em Florianópolis também. “Nós avaliamos as condições sanitárias das areias de Canasvieiras, o resultado foi de 5 vezes acima do limite para contato direto para E. Coli, considerando a resolução SMAC 468, encontramos 1600 UFC/g, quando o limite seria 300 UFC/g. E ao contrário do que tem sido publicado, ao nosso ver os casos são de bacterioses e não apenas as viroses”.