Os movimentos sociais e demais organizações e entidades do Maranhão, abaixo relacionados, repudiam fortemente um dos primeiros atos do governo de Jair Bolsonaro: a Medida Provisória n. 870, de 01 de janeiro de 2019. Na medida, publicada no Diário Oficial da União, o presidente eleito transferiu para o Ministério da Agricultura a atribuição de identificar, delimitar e demarcar terras indígenas e quilombolas. Para a relatora especial da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, a medida é racista e pode levar ao genocídio.
O ato coloca em grande risco a promoção dos direitos dos povos e comunidades tradicionais, repassando para estruturas governamentais inadequadas uma tarefa especializada, que requer os cuidados de um órgão indigenista. Além disso, o Ministério da Agricultura estará totalmente voltado aos interesses do agronegócio neste governo, conforme afirmou a ministra Tereza Cristina, ela mesma oriunda da bancada ruralista da Câmara Federal, durante seu discurso de posse, no dia 2 de janeiro de 2019.
Um risco enorme, portanto, que afronta os direitos fundamentais dos indígenas, quilombolas, quebradeiras de coco babaçu e deveres constitucionais de responsabilidade da União. A MP 870/2019 reforça a postura, do atual governo, de excluir a sociedade civil organizada dos debates públicos, atendendo a interesses em abrir territórios tradicionais ao agronegócio, à mineração, à construção civil e de outros grandes empreendimentos de impacto socioambiental.
Se trata de uma ameaça inaceitável à liberdade e impõe total desrespeito ao modelo de vida dos povos indígenas, quilombolas e quebradeiras de coco babaçu. As comunidades tradicionais desempenham papel fundamental para a economia brasileira, em seu viés de sustentabilidade, promovendo a valorização do trabalho humano na ordem econômica, conforme os pressupostos da existência digna e com justiça social, bem como a efetivação do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. A MP de Bolsonaro é, na verdade, um ato que visa suprimir o direito fundamental a uma identidade étnica e cultural diferenciada.
A Constituição Brasileira de 1988 não concede, mas reconhece o direito originário ao povo indígena. Esse reconhecimento coloca fim a séculos de gravíssimas violações de direitos, incluindo mortes em massa e remoções territoriais forçadas, inclusive durante o regime militar de 1964 a 1985. A CF no artigo 231 é taxativa: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.
Na mesma Medida Provisória, o presidente eleito delega à Secretaria de Governo, comandada pelo general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz, a tarefa de monitorar e supervisionar ONGs e organismos internacionais. É preciso que os movimentos sociais, a sociedade civil, os povos e comunidades tradicionais se organizem em rede. O país é reconhecido internacionalmente por sua forte rede de voluntariado, que articula milhões de cidadãos e cidadãs que dedicam parte de seu tempo para construir uma sociedade mais justa, mais igualitária, na qual a população mais carente tenha acesso a direitos básicos fundamentais, muitas vezes não garantidos pelo Estado.
Organizações e movimentos são atores estratégicos na contribuição para a formulação de políticas públicas, na elaboração de leis importantes para o país, na fiscalização do poder público do ponto de vista orçamentário, na cobrança pela execução de políticas e programas de governo. Uma sociedade civil vibrante, atuante e livre para denunciar abusos, celebrar conquistas e avançar em direitos é um dos pilares de sociedades democráticas em todo mundo.
Não há democracia sem defesa de direitos. Mais do que nunca, o Brasil precisa de um governo aberto ao diálogo, que se proponha a conduzir a nação junto dos mais diferentes setores, respeitando a diversidade cultural, de opiniões e ideias sobre as propostas e rumos para o país.
São Luís, 16 de janeiro de 2019
Assinam a nota:
- Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu do Maranhão, Pará, Piauí e Tocantins – MIQCB
- Comissão Pastoral da Terra – CPT Regional Maranhão
- Conselho Indigenista Missionário – CIMI Regional Maranhão
- Dom Valdeci dos Santos Mendes – Bispo da Diocese de Brejo
- Comunidades Eclesiais de Base – CEB’s Maranhão
- Centro de Estudos Bíblicos – CEBI – Maranhão
- CSP Conlutas
- Cáritas Brasileira – Regional Maranhão
- Movimento Quilombola do Maranhão – MOQUIBOM
- Pastoral de DST/AIDS
- Agência Tambor
- Jornal Vias de Fato
- Comissão de Direitos Humanos da OAB/MA
- Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST/MA
- Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Luís
- Yuri Costa – Defensor Regional de Direitos Humanos no Maranhão – Defensoria Pública da União
- Jean Carlos Nunes Pereira, Titular do Núcleo de Direitos Humanos da DPE-MP
- União das Associações das Comunidades Negras Rurais Quilombolas de Itapecuru-Mirim
- Associação dos Produtores Negros Rurais Quilombolas de Santa Rosa dos Pretos
- Conselho do Povo Indígena Akroá Gamella – Território Taquaritiua
- Dom José Belisário da Silva, Presidente do Regional Nordeste 5 da CNBB
- Conselho de Leigos do Regional NE 5 da CNBB
- Justiça nos Trilhos
- Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente – GEDMMA/UFMA
- Núcleo de Estudos e Pesquisas em Questão Agrárias – NERA/UFMA
- Grupo de Estudos LIDA – Lutas Sociais, Igualdade e Diversidade – UEMA
- Grupo de Estudos Sócio Econômico da Amazônia – GESEA
- Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia – PNCSA
- Sociedade Maranhense de Direitos Humanos – SMDH