De 2012 a 2019 os sindicatos perderam 3,8 milhões de filiados no Brasil, segundo dados da PNAD Contínua/IBGE, divulgados no dia 26 de agosto. Em 2019, das 94,6 milhões de pessoas ocupadas no país, 11,2% ou 10,6 milhões de profissionais estavam associados a sindicatos. Em 2012, 16,1% da população ocupada era sindicalizada ou 14,4 milhões de profissionais. Na condição de primeira e mais importante linha de defesa do trabalhador, os sindicatos se movem, historicamente, sob violento fogo cerrado. Além dos ataques patronais, há inúmeras outras dificuldades no trabalho de sindicalização e de arregimentação de pessoas para o trabalho coletivo. No mundo todo há uma mobilização dos trabalhadores que pode ser considerada de baixa intensidade, que impacta bastante o trabalho de sindicalização e ação geral do sindicato. Essa é uma situação que começa a mudar, conforme podemos observar pela movimentação na América do Sul (Chile, Bolívia, Peru, Colômbia, Brasil, etc.). Mas, por enquanto os sindicatos estão sendo obrigados a “remar contra a correnteza”.
A sistemática desqualificação dos sindicatos feita através da mídia comercial, empresas, instituições em geral torna muito difícil os trabalhadores enxergarem a importância que exerce o sindicato nas suas vidas. É complicado o trabalhador comum entender que a existência do salário mínimo é uma conquista fundamental, numa sociedade na qual quase 60% da população vive com renda domiciliar per capita igual ou inferior ao valor do salário mínimo, e 43,1 milhões de pessoas, 20,6% da população, vivem em uma situação de insegurança alimentar. A conquista do salário mínimo, que se estende, direta ou indiretamente, a 70% da população, é fruto de décadas de lutas organizadas dos trabalhadores. Ou seja, da luta sindical.
A cultura de valorização do individual, tão cultivada na sociedade, leva os trabalhadores em geral a achar que conseguem resolver seus problemas solitariamente, sem a ajuda do sindicato ou de outras formas de organização coletiva. Uma parcela dos trabalhadores imagina que se trabalhar muito mais do que a média conseguirá ser reconhecida pela empresa e subir profissionalmente, sem precisar da ação coletiva do sindicato. E isso é verdade. O problema é que a fórmula funciona para um trabalhador em cada mil. Analisado o problema de perto, veremos que todos os direitos existentes são frutos das lutas coletivas dos trabalhadores.
Outro problema importantíssimo no trabalho sindical é a elevadíssima rotatividade do trabalho no país. Existem categorias nas quais a taxa de rotatividade é mais do que 100%, ou seja, são admitidos e contratados um número de trabalhadores superior ao número total de trabalhadores no setor. Além disso, aumentam as dificuldades de os dirigentes estarem na sua base sindical e conversarem com os trabalhadores. Há poucos dirigentes liberados, especialmente no setor privado. O trabalhador “comum”, em geral, não quer ser sindicalista, dado o nível de adversidades que a função enfrenta, incluindo a possibilidade de ficar “amaldiçoado” no setor e não conseguir mais se reempregar.
É certo também que a vida duríssima do trabalhador (desemprego, baixos salários, péssimas condições de trabalho, etc.), dificulta que ele pare para refletir sobre questões de importância vital. A situação é tão desfavorável que o trabalhador nem quer parar para ouvir os argumentos dos sindicalistas, independentemente do assunto. Dessa forma, textos e materiais em geral produzidos pelo sindicato não são lidos pela maioria dos trabalhadores. Ou por falta de tempo, medo, desinteresse, falta de curiosidade, etc. Também o assédio moral e a superexploração dificultam muito o trabalho do sindicato.
O trabalhador, pressionado pelo conjunto de dificuldades (e, neste momento, em franco processo de perda de renda), muitas vezes espera do sindicato vantagens de caráter assistencialista, as quais a entidade não consegue oferecer, por crescentes limitações financeiras. É certo que o assistencialismo não deve ser praticado pelo sindicato como um fim em si mesmo. A assistência não é função da entidade sindical, que nem dispõe de recursos para praticá-la. Porém, dada a extrema gravidade da crise econômica atual, de desemprego recorde e franco empobrecimento da classe trabalhadora, se o sindicato dispuser de condições, penso que ele deve amparar o trabalhador em suas dificuldades. Não existe ação sindical em meio à fome. Não me refiro à assistência social tradicional, acrítica e como um fim em si mesmo. É uma ajuda que o sindicato pode prestar ao trabalhador desempregado de sua base, se isso não ameaçar a sua própria sobrevivência. Mas sempre vinculando a referida ajuda a um processo de formação básica sobre sindicalismo, deixando claro para o trabalhador que sua situação não é uma fatalidade, e sim resultado direto da exploração que ele sofre.
Uma grave dificuldade da ação sindical é que, historicamente, há uma sonegação à população em geral e à juventude, da história dos direitos e dos sindicatos. Isso ocorre na escola tradicional, nas instituições, nas empresas, nos meios de comunicação, etc. A história em geral é desconhecida, mas principalmente a história dos trabalhadores. Em consequência, uma parcela significativa da população, especialmente a juventude, supõe que os direitos existentes “caíram do céu”, ao invés de serem frutos de décadas de muita luta. Essa visão a-histórica dos direitos, por ironia, está sendo violentamente negada pela história recente, a partir do golpe de 2016, quando os direitos estão sendo destruídos em escala e velocidade industriais.
Dirigentes sindicais, normalmente, não são preparados (“treinados”) para o trabalho de sindicalização. Além disso, falta muitas vezes firmeza política e ideológica para o desempenho desse trabalho. A tarefa de sindicalização requer conhecimento do sindicato e de algumas noções de economia e de política, que a maioria dos trabalhadores não dispõe. Um fenômeno que dificulta a sindicalização também é a política antissindical das empresas, com a disseminação de calúnias, associação do sindicato com desemprego, ou com corrupção, etc. Isso dificulta muito porque a empresa exerce grande influência sobre o trabalhador, na medida em que a vida deste e de sua família dependem do emprego.
José Álvaro Cardoso é economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina, e colunista do jornal matinal do Portal Desacato – JTT.
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