Por Mariana Reis.
Possibilidade de reintegração deixa ocupantes apreensivos
Em 2016, o Cine Olinda – localizado na cidade homônima, considerada patrimônio histórico e cultural pela UNESCO – completa 105 anos. Destes, são 50 anos de fechamento, mais de 30 de uma reforma que nunca foi finalizada. Há pouco mais de 60 dias, o equipamento cultural foi ocupado pela comunidade local, que luta por um cinema de rua, público, com curadoria popular. São moradores do município, artistas, cineastas, educadores, que passam a participar de forma mais ativa da ocupação. Parte-se do debate de ideias para a práxis, num movimento – segundo os próprios ocupantes – horizontal e suprapartidário, com assembleias abertas às quartas-feiras e reuniões de programação, também públicas, aos domingos.
Na tarde dessa sexta-feira (16) os ocupantes se reuniram com o Ministério Público de Pernambuco, a Prefeitura de Olinda e o Iphan, para discutir um pedido de reintegração de posse contra a ocupação, há um temor entre os ocupantes que a reintegração seja efetuada no final de semana e o poder público se recusa a assinar um acordo com o movimento que reivindica o uso do espaço até o início das obras. Os ocupantes também temem por perseguição e criminalização de quem ocupa o local.
“Não existe invenção da roda. A gente enquanto movimento tem pensado e repensado a cidade de Olinda nos espaços de articulação, de uma forma honesta, para que o Cine Olinda funcione democraticamente e popularmente”, argumenta Elaine Una, integrante da Plataforma de Comunicação Amaro Branco e participante do movimento.
Retrospectiva
Em dois meses de ocupação, o cinema recebeu cerca de três mil visitantes que participaram de oficinas, aulas públicas, peças teatrais e atividades circenses, todas gratuitas. Realizaram-se centenas de exibições, entre películas nacionais, latino-americanas, africanas (nas sessões infantis do AfroCine, junto a estudantes da rede municipal de ensino) e parte da programação do Janela Internacional de Cinema, um dos principais festivais da agenda audiovisual brasileira. Também foram exibidos Aquarius, de Kleber Mendonça Filho, em sessão lotada, e o documentário Martírio – premiado filme de Vincent Carelli, do Projeto Vídeo nas Aldeias, sediado na cidade. Confira vídeo (https://goo.gl/iTvdUx ) que resgata toda essa movimentação.
A exibição de Martírio, aliás, foi o mote para a ocupação do Cine Olinda que, desde 2015, recebia eventos de projeções e debates em frente ao cinema – foram quatro eventos desse tipo, entre 2015 e 2016. Na ocasião, solicitou-se a abertura do cinema para a realização da sessão, o que foi negado pelo Iphan. Assim, no dia 30 de setembro, cerca de 100 pessoas que participariam da sessão retiram os tapumes e ocupam o prédio, de forma espontânea. Se antes aconteciam do lado de fora, as atividades começam a acontecer na parte interna do prédio, reavivando um equipamento tido por muito tempo como esquecido, abandonado.
Perspectiva
A agitação cultural não passou despercebida pelo poder público. Tanto que, no dia 21 de novembro, a Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe) convocou uma reunião com integrantes do movimento, representantes da fundação, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), com representação no município, e da Secretaria do Patrimônio e Cultura de Olinda (SEPAC).
Explica-se: o equipamento, que é municipal, encontra-se sob tutela do Iphan, e estuda-se a possibilidade da transferência de responsabilidade para a Fundarpe, para fins administrativos e de finalização das obras. A retomada do cinema pelo poder público encontra-se em negociação, pois o movimento, além do fim da reforma, reivindica continuidade das ações, durante o período dos trâmites burocráticos, participação da sociedade civil no acompanhamento das obras e criação de um conselho gestor popular, após a reabertura do cinema – leia aqui (https://goo.gl/Mjpffy ) a carta aberta lançada nesta terça-feira (05/12) pelo Movimento Ocupe Cine Olinda.
Na última quarta-feira (06/12), o Ministério Público de Pernambuco (MPPE), a pedido do movimento, reuniu, pela primeira vez em audiência pública, participantes do Ocupe Cine Olinda, Fundarpe, SEPAC e, ainda, equipe de transição da nova gestão municipal, que toma posse em janeiro de 2017. “A gente tem uma cultura e um histórico de não cuidar do que é público, o público é visto como o que é de ninguém e não de todo mundo. O movimento já traz esse ganho inicial da comunidade se apropriar do que é público, essa vivência e esse cuidado da gestão da cidadania. Isso é de uma grandeza social imensurável. O Ministério Público reconhece que o movimento é legítimo e defende a livre manifestação e o exercício democrático, em tempos de direitos violados”, afirmou, na audiência, a promotora de justiça Maísa Oliveira.
Na fala dos moradores que participaram da audiência, percebia-se emoção e vontade de fazer valer o direito à cidade e à cultura. Foi o caso de Selma Arcoverde, moradora de Olinda há 40 anos: “O sonho era levar meus filhos para o cinema, mas conheci a vida inteira esse cinema abandonado. Quando eu entrei lá, chorei de emoção. Sou moradora, amo Olinda e ainda bem que minha neta pode ir agora. O povo está muito feliz com aquele cinema aberto. Eu acredito que agora vai ser feito. A juventude acordou os gestores. Espero que vocês olhem como administradores que são”.
Fonte: Brasil de Fato.