Por Alessandra Eduardo.
Não só de acordo com as minhas vivências, mas também analisando as redes sociais percebi que:
TODAS NÓS MULHERES NEGRAS AINDA SOMOS SARAH BAARTMAN.
Também conhecida como Saartjie, Vênus Negra, Vênus Hotentote…Nada ainda? Nunca ouviu falar? Então mesmo esqueminha de sempre, senta aí que a gente conversa.
Sarah nasceu em 1789 na região da África do Sul, perdeu os pais muito cedo, e aos 10 anos de idade foi trabalhar em uma fazenda holandesa fazendo serviços domésticos. Chamou a atenção dos patrões por suas formas ”inusitadas e anormais” (percebam que nesta época a medida do mundo era dada pelo homem branco europeu, tudo que fugia disso era considerado desumano e anormal.Quer dizer..era? Ou ainda é?). Então prometeram levar ela para Inglaterra, para se tornar uma ARTISTA que ficaria rica, e ela mesmo analfabeta supostamente assinou um contrato.
Mas o que fizeram da vida breve dessa mulher foi desumano. Não existe outra palavra para descrever o que aconteceu. Ela se apresentava com uma roupa colada da cor de sua pele, fumando um cachimbo, e a história contada era de uma selvagem que foi capturada e domada. Ela era ensaiada a emitir barulhos animalescos e fingir que iria atacar os brancos da platéia, usava uma COLEIRA e as pessoas que pagavam um dinheiro extra podiam tocar em suas nádegas avantajadas. A condição de Sarah era nunca ter que exibir seus órgãos genitais. Mas ao ser vendida para um novo dono que era muito mais duro com ela, foi obrigada a se exibir totalmente nua, inclusive em festas noturnas onde homens bêbados se divertiam apalpando o seu corpo.
O racismo ”científico” estava em seu auge, logo o corpo de Sarah despertou interesse e curiosidade nos estudiosos da época. Ela chegou a ser ‘estudada’ ainda em vida, era medida, cutucada, apalpada e constantemente comparada com orangotangos. Começou a beber e fumar com muita intensidade para suportar estas apresentações torturantes, no entanto um grupo de ativistas da época ficaram horrorizados com a forma como ela era tratada e iniciaram um processo judicial contra os ‘empresários’ da mesma, porém ela os defendeu e afirmou receber metade do lucro do que eles faturavam, e mesmo que provavelmente estivesse sendo coagida, o processo foi arquivado, afinal era apenas uma negra. Por motivos políticos, as apresentações se tornaram impossíveis, Saartjie foi levada a se prostituir e tornou-se alcoólatra. Faleceu aos 26 anos de idade, (provavelmente) de sífilis.
Enfim descansou, deixaram o corpo dela em paz, né? Claro que não! Um naturalista fez um molde do corpo, antes de dissecá-la. Ele foi usado para definir uma fronteira entre a mulher branca ‘normal’ e a mulher africana ‘anormal’. Foi preservado o cérebro e os genitais dela que depois seriam expostos por muito tempo, até 1974 faziam parte do acervo público da França, sendo o ÓRGÃO GENITAL dela exibido ao lado do CÉREBRO de grandes homens pensadores, como Descartes. Eu não destaquei essas duas palavras a toa. Se vc já entendeu, é isso mesmo! Caso contrário vou explicar: O homem branco e a mulher negra seriam os dois extremos da humanidade, ele sendo representado pelo cérebro, um ser racional, capaz de produzir o saber, ela sendo representada pela vagina, um ser sexual, e primitivo.
Várias tentativas foram feitas para se resgatar os restos mortais de Sarah (o molde de gesso de seu corpo tb) e devolver ao continente africano para um enterro digno. Em 1994 o então presidente da África do Sul, Nelson Mandela mais uma vez fez o pedido ao governo francês, e somente em 2002 a solicitação foi atendida (demorou pq os caras de pau entraram na justiça para não devolver), assim 192 anos depois ela retorna ao lar, e é enterrada humanamente.
Depois de saber, que nossa objetificação sexual é histórica, que nossa suposta falta de aptidão intelectual vem de muito longe e ainda hoje esse estereótipo continua, em 2017 vc se depara com uma página dita de empoderamento negro, com mais de 8 MILHÕES de seguidores onde a mulher negra sempre é retratada de costas para que se possa admirar bem o seu PODER.
Não sou eu que estou falando! O mecanismo de empoderamento deles é esse! Colocam fotos de negras com bundas avantajadas e escrevem:
Já viu o poder de uma negra? Conhece o poder das negras?
Centenas de comentários nauseantes de machos negros e brancos, e de mulheres negras se sentindo admiradas e superiores as brancas ”sem bundas.”
Nessas horas eu peço para Dandara me levar daqui. Risos.
Mas falando sério, a critica não é baseada no puritanismo, e sim na dinâmica que continua a mesma. Somos vistas como seres sexuais incapazes de produzir conhecimento, e quando produzimos somos invisibilizadas, e as obras não são reconhecidas e nem recebem a importância devida, que o diga Beatriz Nascimento, Lélia Gonzalez..
Então ACORDA filha! Nosso poder não está em nossa BUNDA e sim em nosso CÉREBRO! As pretas começaram este movimento intelectual lá atrás, cabe a nós continuarmos e propagarmos o legado delas. Com esse saber, que vamos lutar e conseguir mudar nossa atual condição, enquanto base da piramide social.
E isso sim é o verdadeiro poder de uma negra, meus caros.
—