Morrer em La Paz

Por Urda Alice Klueger.

(Para Carlos Humberto Pederneira Correa, meu Presidente.)

                                    Os 150 km que separam Blumenau de Florianópolis impediram que eu vivesse mais perto do Dr. Carlos Humberto Pederneiras Correa, confrade tanto na Academia Catarinense de Letras quando no Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina e então não tivemos uma amizade, realmente, mas eu o admirava muito, principalmente pela seriedade com que dirigia o IHGSC, e quando o encontrava, tinha um grande prazer de chamá-lo de “meu presidente!”, com grande respeito e muito carinho. Ele sempre foi muito cordial e bom para comigo – pelo menos da minha parte, a relação que tinha para com ele era de consideração e admiração.

                                   Foi como um soco no peito saber, de uma hora para outra, lá no final de 2010, que ele tinha partido sozinho numa rua de La Paz. Não sei muitos detalhes, mas sei que estava lá representando Santa Catarina num sério congresso – e como estava só, sua falta só foi sentida um dia depois, quando alguém quis saber “onde estava aquele brasileiro”. Se foi triste para mim, imagino como o foi para a família e os amigos mais próximos, mas, de uma certa forma, o invejei. Explico:

                                   Eu amo La Paz. Nos últimos anos estive lá por cinco vezes, e em La Paz a gente está tão perto do céu, num lugar tão alto que o ar de pouco oxigênio se torna transparente e brilhante, e o grande éter acima parece tão próximo e é tão azul que, apesar dos males da altitude, a gente fica tomada de uma etereidade única e como que flutua dentro daquele riqueza cultural ímpar que lá existe, e nas noites o céu aveludado fica pejado de grandes estrelas tão próximas que tenho sempre a sensação, lá, que posso erguer a mão e segurar uma delas.

                                   Não é brincadeira, no entanto, os quase 4.000 metros de altitude. Na penúltima vez que estive lá, quando cheguei à rodoviária de La Paz, vinda de Santa Cruz de La Sierra, tive a sensação de que não teria forças para me levantar, saltar do ônibus, pegar minha mochila e chegar ao hotel próximo. Fiz tudo muito devagarinho, então, e consegui cumprir aquelas poucas atividades até entrar no hotel, onde me sentei ao chão e esperei que cuidassem de mim, pois aquela gente de lá já sabe em que situação chega essa gente que vive ao nível do mar.

                                   Na última vez em que lá estive, vivi um momento pior: voltava do centro para o hotel pelas seis da tarde, o que significava caminhar por uma suavíssima subida, coisa imprópria para gente que vive por aqui, e que comumente faço de táxi. Naquele horário, no entanto, parecia que todos os táxis estavam lotados, e resolvi ir andando devagarinho, tentar chegar com as minhas pernas. Em vão! Pela metade do caminho foi tão forte uma sensação de morte que me acometeu, que entendi que morreria se continuasse tentando a natureza. Tive o bom senso, então, de parar num café cibernético por uma hora – quando saí, já havia táxis disponíveis.

                                   Penso que meu presidente viveu alguma coisa assim. Forçava-se a andar por alguma rua e sentiu aquele sensação de morte que eu senti – mas era um homem forte, e achou que se forçasse mais um pouquinho, chegaria ao hotel dele. Não deu, como não dá, e enquanto sua matéria tombava na calçada, sua energia saiu dele e voou célere para aquele céu tão próximo, para aquele azul transparente que de noite é veludo negro iluminado de grandes estrelas – e, de uma certa forma, eu sinto um pouco de inveja dele. Deve ser muito bom morrer em La Paz! Está-se tão pertinho daquele céu único que deve ser uma delícia flutuar por ali! Historiador que era, ele deve ter aproveitado a oportunidade para dar uma espiada flutuante sobre os tantos câmbios de História que estão acontecendo por esta América! Entre morrer numa cama de hospital ou partir para o maravilhoso céu de La Paz, eu não titubearia na escolha! Só espero que não tenha doído muito, meu presidente! Quem sabe um dia a gente se encontre nos muitos milhares de metros de altura dos céus que encobrem os Andes! Por enquanto, choro um pouco de saudades, mas espero que o senhor esteja feliz!

 Blumenau, 14 de outubro de 2012.

Urda Alice Klueger

Escritora, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR.

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