Morre Xeramõi Karai Poty, uma das mais importantes lideranças Guarani de São Paulo

Pajé lutou pelo reconhecimento e pela demarcação de terras indígenas na capital, no litoral e interior paulista

Xeramõi Karai Poty foi registrado em 25 de maio de 1940 e teria 80 anos de idade no documento, mas, de acordo com familiares, teria entre 88 e 89 anos. – Ateliê Acaia/Divulgação

Por Vanessa Ramos.

Xeramõi José Fernandes Soares, conhecido como Karai Poty, faleceu nesta sexta-feira (21), aos 80 anos, por complicações em decorrência de uma pneumonia. Importante cacique, rezador e curador do povo Guarani Mbya, foi uma das lideranças que lutou pela demarcação das terras indígenas no estado de São Paulo.

Segundo a família, ele morreu às 12h50. A reportagem teve acesso ao resultado do exame de covid-19 realizado no último domingo (16), que testou negativo para o novo coronavírus, suspeita inicial dos familiares.

Karai Poty morava atualmente na terra indígena Tekoa Gwyra Pepo, em Tapiraí (SP), onde será enterrado. Além da luta pela terra desde a década de 1960 na cidade de São Paulo, no litoral e interior paulista, como líder social e espiritual também fez enfrentamentos em defesa da educação.

A construção do Centro de Educação e Cultura Indígena (Ceci), em 2004, nas aldeias Tenondé Porã e Krukutu, em Parelheiros, na zona sul da capital paulista, e Tekoa Pyau, uma diminuta terra localizada entre a Rodovia dos Bandeirantes e o Parque Estadual do Pico do Jaraguá, na zona oeste de São Paulo, é exemplo de conquista para a educação tradicional de crianças até os seis anos.

Para o indigenista Antonio Salvador Coelho, que atua há 20 anos com os Guarani do Jaraguá, xeramõi José Fernandes foi uma liderança exemplar no fortalecimento do tekoá – o lugar onde se vive o modo de ser Guarani.

“Onde ele estava, chegavam muitas famílias e aumentava a força do povo para conquistar os territórios tradicionais e afirmar que São Paulo é Guarani. Ensinou que não basta meio ambiente, é preciso o ambiente inteiro, com matas, com bichos, com plantas, com culturas tradicionais, porque a humanidade e a preservação da natureza são mais importantes do que os interesses mercantis”, afirma Coelho, que hoje atua na Pastoral Indigenista, em parceria com o Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

Karai Poty ensinou gerações sobre a luta por demarcação de terras e pelo reconhecimento dos direitos da população indígena no Brasil / Divulgação

Atravessando gerações

Em depoimento por vídeo produzido na aldeia por uma apoiadora da causa indígena, xeramõi – cargo de liderança da comunidade que significa literalmente ‘meu avô’, em referência aos mais velhos  –, conta que iniciou sua trajetória como pajé aos 25 anos. “Pedi a Nhanderu (Deus) para ser pajé como sou até agora”, afirma. Fumando seu petynguá (cachimbo) durante a entrevista, ele continua. “Para ser pajé é preciso da força de outros pajés”.

Como xamã, Karai Poty ensinou muitas gerações sobre a cultura indígena passando a tradição Guarani Mbya adiante.

Neta da liderança guarani, Jaxuka Patrícia, 31 anos, moradora da aldeia Tekoa Pyau, na cidade de São Paulo, falou à reportagem do Brasil de Fato durante o trajeto à cidade de Tapiraí (SP).

“Eu tenho orgulho do meu avô, eu aprendi muitas coisas desde criança, eu vi a luta dele e por quantas aldeias ele passou ajudando outros parentes. Conseguiu a demarcação de outras aldeias, junto a outros líderes espirituais. Tudo isso eu guardei comigo. Como sempre falo, agora ele está descansando. Mas nós continuaremos a luta e repassaremos tudo que aprendemos aos jovens, que continuarão a luta depois de nós”, ressalta.

Assista: O impacto da pandemia nas aldeias não demarcadas

Assim como Jaxuka, Natalício Karai, 54, também morador da aldeia Tekoa Pyau, relata memórias desde a infância com o xeramõi.

“Eu aprendi a fazer remédio com ele, o canto, a tocar mbaraka (violão) e a usar o petynguá para rezar a Nhanderu desde menino. Por isso, hoje eu estou bem, meus meninos estão bem, e não precisamos ficar só correndo atrás dos remédios dos jurua kuery (não indígena) porque nós produzimos o nosso remédio porque o nosso remédio também é sagrado. O meu aprendizado é uma alegria e farei remédios para a minha comunidade”, diz.

Segundo ele, Karai Poty também foi referência na luta pela terra. “Ele ensinou sobre nosso anhentegua (caminho) e como temos que lutar pela terra, que é nossa. Nhanderu criou para ser nosso território e xeramõi sempre falava que jurua kuery não entende a nossa cultura”, relembra.

“Ele explicava que a terra foi feita pelo nosso povo indígena e quando o povo indígena estava no território, os portugueses entraram e invadiram, mataram e massacraram o povo Guarani. Ele sempre contava a nossa história desde que éramos crianças e eu acompanhei ele até aqui. Eu vou sempre guardar a palavra dele”, afirma Natálicio Karai.

Edição: Marina Duarte de Souza

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