Na madrugada última quarta-feira (19), faleceu em Belém uma das principais lideranças indígenas do povo Gavião Parkatejê, o cacique Kokrenum ou Capitão, como era conhecido. Ele, que tinha cerca de 90 anos, era um dos sobreviventes do primeiro contato dos Gavião com os kupen (não indígenas), em 1957, quando seu povo foi quase dizimado por epidemias, perdendo mais de 70% de sua população.
Nos anos 1970, quando os grandes projetos como a Transamazônica, a linha de transmissão da Hidrelétrica de Tucuruí e a ferrovia de Carajás chegaram ao sudeste do Pará – e com eles a violenta política de atração e pacificação dos índios promovida pelo Estado brasileiro –, Kokrenum viu seu território ser degradado. Ele também viu os Gavião serem escravizados pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI) e pela Funai na coleta de castanha. Sob sua liderança, os Parkatejê foram transferidos à época para a TI Mãe Maria, onde vivem hoje quase 900 pessoas, em onze aldeias – parte delas, dos grupos Gavião Akrãtikatejê e Kykatejê.
“Naquela época a gente era bem poucos e eu pensei que a gente ia se acabar”, testemunhou em 2010 o Capitão, em um depoimento retrospectivo de sua vida, registrado pelo cineasta Vincent Carelli. “A gente estava calado, como arara mordendo pau, eu já tinha até abandonado a minha língua. Aí veio esse pessoal (do Maranhão) e se juntou comigo e aí voltamos a falar na língua”, lembrava. Apesar da dispersão em muitas aldeias ainda hoje a liderança de Kokrenum era a grande referência deste povo, o grande chefe.
“Quando eu morrer vai ficar a minha imagem”
O Capitão lutou para que os Gavião se recuperassem demograficamente e fossem indenizados pelos impactos das obras em seu território – mas o dinheiro das compensações gerou novos impactos. Os principais talvez sejam os que levaram Kokrenum a se afastar por anos de sua aldeia: o desinteresse dos jovens pelo modo de ser dos Parkatejê e as mudanças trazidas pelos objetos e alimentos dos kupen.
Foi essa tendência que Kokrenum, exímio cantador e lançador de flechas, tentou reverter nos últimos anos de sua vida, repassando seus conhecimentos, fomentando festas tradicionais e incentivando a produção audiovisual como uma forma de conectar os jovens Parkatejê com esse jeito de ser: “Quando eu morrer vai ficar a minha imagem. Aí vocês vão ver o filme e fazer como fazia lá atrás”, disse em depoimento a Carelli.
Kokrenum sofria de tuberculose e deixa muitos filhos e netos.
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Fonte: Socioambiental.