Morreu neste sábado (10/07) em Hamburgo, aos 96 anos, a ativista política e sobrevivente de Auschwitz Esther Bejarano, que dedicou sua vida a conscientizar as gerações seguintes sobre os horrores do fascismo, do racismo e do Holocausto.
Esther nasceu em 1924, com o sobrenome Loewy, na cidade de Saarlouis, no oeste da Alemanha. Ela testemunhou quando criança como os nazistas tomaram o poder. E passou sua juventude sendo perseguida por um regime totalitário racista.
“Os melhores anos da juventude são aqueles entre os 16 e 20 anos de idade. Mas que tipo de juventude nós tivemos? Nenhuma, na verdade. Uma juventude horrível”, contou ela à DW pouco antes do seu 90º aniversário.
Os nazistas praticamente roubaram esta parte de sua vida, dizia ela. Perseguição na escola, a separação dos pais, três campos de concentração e uma marcha da morte – Esther Bejarano sobreviveu a tudo isso.
“Enquanto tocava, sabia que iam ser mortos”
Em seu livro de memórias, ela conta como chegou a Auschwitz, completamente exausta depois de vários dias de viagem num vagão de trem abarrotado. Bejarano foi cumprimentada pelos oficiais das SS com as palavras: “Agora, seus judeus imundos, vamos mostrar o que significa trabalhar”.
Ela foi forçada a trabalhar duro, carregando pedras pesadas. Em algum momento, ouviu dizer que as SS estavam procurando meninas para uma orquestra no campo. Ela teve a sorte de ser incluída no grupo como acordeonista – embora ela nunca tivesse tocado o instrumento antes.
A habilidade que ela havia adquirido ao tocar piano enquanto em casa – seu pai também era cantor – e sua vontade de sobreviver provaram ser fundamentais para ela.
A orquestra em si significou sua sobrevivência: 40 jovens mulheres tinham que se apresentar sempre que prisioneiros do campo marchavam para o trabalho, ou quando novos trens com judeus a bordo chegavam de toda a Europa.
“Você sabia que elas iam ser mortas na câmara de gás e tudo o que eu podia fazer era ficar ali e tocar”, contou Esther Bejarano à DW em 2014. Foi o pior, afirmou. que ela teve que suportar em Auschwitz.
Paixão pela música não se abalou
A experiência nunca teve um impacto negativo em sua relação com a música. As canções e marchas populares que teve que tocar em Auschwitz, contava ela, não tiveram nada a ver com a verdadeira música. Ela tocava música composta por Mozart e Beethoven nos campos sem pensar nos crimes horríveis cometidos pelos nazistas. Para ela, a música simbolizava outra vida.
Depois da guerra, Bejarano, que também havia passado um tempo no campo de concentração feminino em Ravensbrück, transformou um sonho de infância em realidade: tornar-se uma cantora.
Ela estudou canto em Tel Aviv e, ainda durante seus estudos, fez uma turnê em Israel e no exterior. Ela conheceu então o futuro pai de seus filhos. Sua vida pós-guerra foi feliz, ela dizia. Nos anos 70, ela decidiu voltar para a Alemanha devido aos problemas de saúde do marido.
Ela optou por Hamburgo, já que a cidade não tinha nenhum significado especial para ela durante a infância. No início, disse à DW, ela se perguntava constantemente o que as pessoas que via nas ruas poderiam ter feito durante a guerra.
“Quando eu via pessoas que pareciam um pouco mais velhas do que eu, sempre me perguntava se talvez tivessem sido os assassinos de meus pais e de minha irmã”, relembrou.
Mas, em vez de se remoer o passado, ela decidiu lutar. Seu objetivo era ajudar a evitar que “uma ideologia desumana” se espalhasse novamente, e seu método era contar a história de sua vida.
A luta nunca parou
Junto com Anita Lasker-Wallfisch, Bejarano foi uma das poucas sobreviventes da orquestra feminina de Auschwitz. Ela foi cofundadora do Comitê Internacional de Auschwitz, e era frequentemente convidada a participar de eventos para narrar sua história. Ela também contou sua vida em muitas escolas e provou ser uma convidada popular, inspirando os jovens com sua música.
Bejarano permaneceu fortemente empenhada em combater a xenofobia até o final de sua vida, frequentemente provocando ataques e críticas de grupos de direita. No entanto, ela não permaneceu em silêncio sobre o assunto. Em 2004, ela fez barulho ao denunciar que a polícia havia dirigido canhões de água contra o carro sobre o qual ela discursava durante um protesto contra o extremismo de direita.
Em 2013, ela se pronunciou a favor dos refugiados e chamou as revistas policiais a africanos em Hamburgo de “desumanas e inaceitáveis”, assim como a política europeia de refúgio como um todo.
Em agosto de 2015, um usuário do Facebook a acusou em um post de “cumplicidade no assassinato em massa” enquanto “deixava outros caminharam para morte” com os olhos bem abertos porque ela havia “aderido voluntariamente à fundação de uma orquestra do campo”. Bejarano reagiu prontamente e abriu uma uma ação judicial contra o homem.
Ela disse à emissora pública alemã NDR na época que nunca antes havia se sentido tão insultada e que as palavras do usuário do Facebook havia difamado “todos aqueles que haviam estado em Auschwitz”.
Bejarano seguiu de perto os processos legais de vários supervisores de Auschwitz e chamou as aparições públicas da negadora do Holocausto Ursula Haverbeck em Detmold de “uma impunidade”. Ela deveria ter sido levada à Justiça, disse Bejarano.
“Nunca mais Auschwitz” – essa afirmação foi uma premissa para a decisão de Bejarano de retornar à Alemanha. Mas apenas ouvir algo sobre o Holocausto em dias historicamente importantes não foi suficiente para ela. Esther Bejarano se encarregou de que a atitude fosse integrada na vida cotidiana dos alemães.