Morosidade da PF impede acesso de imigrantes indocumentados a auxílio e vacinação

"Que abram a porta para sobrevivermos, não morrer", afirma jornalista congolesa sobre a morosidade do Governo Brasileiro

O receio da documentação vencida impede muitos estrangeiros de procurarem os serviços do SUS e a vacinação contra a covid-19. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Por Pedro Stropasolas.

No Brasil, o 25 junho é lembrado como o Dia do Imigrante. Mas em meio à pandemia no país, não há nada a ser celebrado. Sem ações efetivas por parte do Governo Federal, esta população, que em boa parte atua na informalidade, sobreviveu da solidariedade em 2020. E neste ano, a situação se repete.

Além do desemprego, a falta de documentação é hoje um dos principais agravantes do aumento da vulnerabilidade dessas famílias. A regularização migratória esbarra, em muitos casos, na morosidade da Polícia Federal e faz com que muitos não consigam ser vacinados contra a covid-19.

“Os documentos que eles estão pedindo para a vacinação impedem os imigrantes indocumentados em ter acesso a vacina, por exemplo, CPF. O imigrante que é indocumentado ele não tem acesso a CPF”, afirma o sanitarista haitiano James Berson Lalane, que acredita ser baixo o número de imigrantes imunizados até o momento.

O pós-graduando em Medicina, pela Universidade de São Paulo, atuou no Hospital das Clínicas durante a crise e observou na prática a ausência de registros de mortalidade por covid-19 por parte de estrangeiros no país – o que fez com que os imigrantes não fossem efetivamente incluídos nos planos nacionais de resposta a emergências da covid-19 no Brasil.

Ele conta que o receio da situação irregular no país também impede muitos estrangeiros de procurarem leitos e outros serviços do SUS, apesar do atendimento em Saúde para estrangeiros estar previsto na Constituição.

“Nós estamos atrasados nas políticas de Saúde para todos os migrantes. E eu acho essa data, no Brasil, nós temos que usar para pensar em como fazer as políticas de integração desses migrantes dentro da sociedade”, reforça.

Empobrecimento

O Auxílio Emergencial, outro direito fundamental para a sobrevivência durante a crise, também não chegou para muitos imigrantes por conta da falta de documentação. No atual momento, o baixo valor do benefício –  na média de R$ 250 – sufoca até mesmo os poucos que conseguiram realizar o cadastro na Caixa Econômica Federal.

“Nós temos um universo de 800, 900 mil imigrantes no Brasil, e, destes, o demonstrativo é de que apenas em torno de 20% tenham tido efetivo acesso a esse tipo de auxílio. Essa fração de trabalhadores imigrantes foi diretamente atingida. Os seus rendimentos foram profundamente diminuídos, eles passaram a ter dificuldades concretas para manter uma alimentação básica”, aponta Letícia Mamed, professora da Universidade Federal do Acre (UFAC).

Segundo a docente, que foi colaboradora da pesquisa Impactos da pandemia de covid-19 nas migrações internacionais, não há no Brasil uma politica efetiva e integral de assistência aos imigrantes, ficando a critério de cada estado ou municipalidade administrar a questão.

Confronto da Policia do Peru com migrantes africanos e haitianos que deixam o Brasil na fronteira de Assis Brasil, no Acre com Iñapari / Alexandre Noronha/Amazônia Real

“Diante da ausência de um pacto mais firme na operação de uma política de assistência, esses imigrantes são profundamente vulnerabilizados. Eles ficam ainda mais suscetíveis, por exemplo, aos circuitos de aliciamento, de exploração do trabalho”, explica.

“Muitos precisam recorrer ainda mais às entidades de assistência social, precisaram ser mantidos por meio de doações de cestas básicas”, completa Mamed.

A situação vulnerável das famílias que vivem nos países de origem também é lembrada por Berson. Em geral, as operações financeiras são orientadas com base no dólar que, em alta, prejudica as remessas para o exterior.

“Se olharmos as remessas dos imigrantes comparando com 2020 e 2019, em 2021 cai praticamente a metade. Isso mostra como a taxa de pobreza está aumentando dentro dessa população, seja no Brasil ou no mundo”, aponta o haitiano.

Regularização Migratória

No ano passado, a urgência da regularização migratória foi defendida por coletivos e organizações da campanha Regularização Já. A ação foi inspirada em iniciativas de outros países, como Portugal, que concedeu anistia e regularizou a situação de estrangeiros para o acesso a direitos básicos, como ao sistema de saúde.

Na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei 2699/2020, da deputada federal Fernanda Melchionna (PSOL-RS), que trata do tema, aguarda despacho desde de maio de 2020.

Sem avanços, os estrangeiros enfrentam filas e dificuldades para serem atendidos na Polícia Federal.  Somente no Centro de Apoio e Pastoral do Migrante, em São Paulo, de janeiro a junho de 2021, dos 3300 estrangeiros atendidos no setor de regularização migratória, apenas 20 conseguiram um agendamento na PF.

“Agendamento é quase impossível. Tem pessoas que a gente atendeu no ano passado, em junho, até hoje em dia. A gente tá em junho, um ano, tentando agendar”, aponta Claudine Shindany, especialista do Setor de Regularização Migratória do Cami, que considera que para um imigrante a documentação é a “chave de tudo”.

Imigrantes sendo atendidos pelas ações do Centro de Apoio e Pastoral do Migrante (Cami) em meio à pandemia / Pedro Stropasolas

Em março, o Ministério da Justiça prorrogou o prazo para regularização migratória de estrangeiros indocumentados até 16 de setembro. Conforme a Portaria 21/2021, da Polícia Federal, enquanto não são atendidos, os imigrantes devem ter seus documentos vencidos aceitos para qualquer fim, desde que tenham ficado no Brasil após 16 de março de 2020.

Mas a medida, segundo a jornalista congolesa, não vem sendo respeitada: “As portarias que estão sendo publicadas, eu acho que isso tem que sensibilizar, e tem que disponibilizar para órgãos públicos, privados, a pessoa tem que ter ciência. As pessoas não sabem”.

“Do lado dos imigrantes, a gente não pode baixar a cabeça. A gente tem que seguir em frente, é uma luta que continua. E do lado das instituições públicas e do Governo Federal, se é para abrir as portas, é para abrir completamente para a gente. Que abram a porta para a gente sobreviver, não é entrar para morrer”, completa Shindany.

O que diz a Polícia Federal

O Brasil de Fato entrou em contato com a Polícia Federal pedindo um posicionamento sobre os assuntos tratados na reportagem, mas até a publicação não obteve retorno.

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