São Paulo – Nova reportagem da série Vaza Jato, publicada pela Folha de S.Paulo em parceria com The Intercept Brasil aponta que a decisão do então juiz federal de primeira instância Sergio Moro de divulgar parte da delação do ex-ministro Antonio Palocci, a seis dias do primeiro turno da eleição presidencial do ano passado, foi influenciada por considerações políticas.
Segundo a reportagem, os diálogos – reproduzidos a seguir conforme os originais, incluindo eventuais erros de ortografia e digitação – indicam que Moro tinha dúvidas sobre as denúncias apresentadas por Palocci, mas achava sua colaboração relevante mesmo assim. Para o agora ministro de Bolsonaro, a delação representaria a quebra dos vínculos que uniam os petistas desde o início das investigações.
“Russo comentou que embora seja difícil provar ele é o único que quebrou a omerta petista”, disse o procurador Paulo Roberto Galvão a seus colegas num grupo de mensagens do aplicativo Telegram, em 25 de setembro do ano passado, tratando Moro pelo apelido adotado pelos procuradores e associando os petistas à Omertà, o código de honra dos mafiosos italianos.
Outros membros do grupo também expressaram ceticismo em relação ao conteúdo das acusações feitas por Palocci. “Não só é difícil provar, como é impossível extrair algo da delação dele”, afirmou a procuradora Laura Tessler. “O melhor é que [Palocci] fala até daquilo que ele acha que pode ser que talvez seja”, acrescentou Welter.
Palocci fechou acordo de colaboração premiada com a Polícia Federal em março do ano passado. O acordo com a PF foi fechado após ele negociar – por oito meses e sem sucesso – com a Procuradoria-Geral da República e a força-tarefa à frente da Lava Jato em Curitiba.
Sempre segundo a reportagem, as mensagens examinadas pela “Folha” e pelo “Intercept” mostram que os procuradores encerraram as negociações, ao concluir que a delação de Palocci acrescentava pouco ao que os investigadores já sabiam e não incluía provas capazes de sustentar os depoimentos.
O depoimento divulgado por Moro com os termos da delação de Palocci foi tomado pela polícia em abril de 2018. Nele, o ex-ministro disse que Lula autorizou o loteamento da Petrobras pelos partidos que apoiavam seu governo e sabia que eles recolhiam propina das empreiteiras que faziam negócios na estatal, como a Odebrecht.
Além disso, Palocci disse à PF que as campanhas da ex-presidente Dilma Rousseff em 2010 e 2014 receberam dinheiro de caixa dois e custaram muito mais caro do que os registros oficiais indicam. Somadas as duas campanhas, ele estimou que elas haviam custado R$ 1,4 bilhão, o triplo do que foi declarado.
O acordo de Palocci com a PF foi homologado em junho de 2018 pelo juiz João Pedro Gebran Neto, relator da Lava Jato no Tribunal Regional Federal da 4ª Região. O Ministério Público se manifestou contra, por não reconhecer a legitimidade da polícia para negociar benefícios penais com colaboradores.
Ainda assim, o então juiz anexou a delação de Palocci à PF aos autos de um processo que trata do apoio da Odebrecht ao Instituto Lula, em que o ex-presidente e seu ex-ministro são réus.
Em seu despacho, Moro justificou a medida argumentando que, como seria responsável por avaliar os benefícios oferecidos a Palocci mais tarde, na sentença do processo, era necessário anexar aos autos os termos da colaboração de Palocci, a decisão judicial que homologou o acordo e o depoimento que fosse “pertinente a estes autos”.
Moro divulgou a delação de Palocci no dia 1º de outubro, uma semana após o comentário reproduzido por Paulo Roberto Galvão no Telegram e uma semana antes do primeiro turno das eleições presidenciais.
Embora Palocci não tivesse apresentado provas das alegações sobre Dilma e sua narrativa fosse essencialmente uma repetição do que dissera antes ao depor à Justiça, o depoimento divulgado por Moro alcançou grande repercussão na reta final da campanha presidencial.
No dia 1º, o assunto ocupou quase nove minutos do Jornal Nacional, da TV Globo. A reportagem citou duas vezes a ligação do ex-presidente da Petrobras José Sérgio Gabrielli com a campanha do então candidato presidencial do PT, Fernando Haddad, que aparecia em segundo lugar na corrida eleitoral, bem atrás do favorito, Jair Bolsonaro (PSL).
Nos dias seguintes, a delação de Palocci foi noticiada com destaque pela Folha e por outros jornais e ganhou visibilidade na propaganda eleitoral no rádio e na televisão.
Os dois últimos programas da campanha de Geraldo Alckmin (PSDB) mencionaram as acusações do ex-ministro, dizendo que ele havia mostrado por que era preciso impedir a volta do PT ao poder.