As comunidades atingidas pelo crime socioambiental da Vale, na cidade de Brumadinho (MG), em 2019, acionaram o Supremo Tribunal Federal (STF), nesta quarta-feira (10), para pedir a suspensão da homologação do acordo de reparação celebrado entre a empresa e o governo de Minas Gerais, no último dia 4.
O documento, que tem apoio do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e partidos políticos, é uma Arguição de Descumprimento de Preceitos Fundamentais (ADPF), ou seja, ação passível de análise pelo Supremo em casos de violação da Constituição Federal.
Na ação entregue ao STF, os moradores de Brumadinho alegam que a negociação, que ocorre desde outubro de 2020, foi feita sob sigilo, em audiências confidenciais entre a Vale, o governo de Minas Gerais e as instituições de justiça do estado. Eles criticam a ausência de participação das principais vítimas do crime da mineradora.
“Essa ação busca garantir uma participação aos atingidos no processo, com uma revisão do que já foi acordado. Eles foram prejudicados pelo acordo feito entre governo do estado e a mineradora, que deixou de fora os moradores que sofreram com o crime”, explica Joceli Andrioli, coordenador do MAB, à Rádio Brasil Atual.
Brumadinho abandonada
Os danos do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho vão além dos 272 mortos. Famílias adoeceram, pessoas perderam suas moradias e empregos e o Rio Paraopeba, que abastecia as comunidades ao redor, foi contaminado com os rejeitos.
Embora tenham se organizado junto às assessorias técnicas independentes e produzido documentos como a Matriz de Reparação de Danos Urgentes, as pessoas atingidas foram impedidas de participar do processo e só tiveram acesso aos termos após a assinatura do acordo.
“No acordo entre governo e Vale, os recursos são insuficientes para as famílias serem incluídas. Há 20 mil pessoas que não receberam nada da mineradora, pois estão fora dos critérios estabelecidos por eles. Além disso, há 100 mil pessoas que precisam de atenção. A Vale só quer indenizar as famílias que estão na faixa de um quilômetro do Rio Paraopeba, mas há muito mais comunidades atingidas pela intoxicação do rio. Elas precisam de recursos para restaurar sua vida”, afirma Joceli.
A partir de dados produzidos em estudos técnicos, a ADPF demonstra que o valor de R$ 37,6 bilhões é insuficiente para assegurar o financiamento de todas as medidas de reparação. Os moradores de Brumadinho alegam que os valores previstos para os atingidos são bem menores do que o que será destinado ao estado. Apenas R$ 7,4 bilhões do acordo serão direcionados para os atingidos em toda a bacia do Paraopeba.
Joceli explica que a situação econômica, sanitária e social é de calamidade. “A maioria das pessoas não tem água potável, porque o rio está contaminado. As populações estão sem capacidade produtiva, sem a possibilidade de criar suas hortas em torno do rio. A produção de peixe também acabou. Ainda tem a questão da saúde e violência psicológica, que destruiu muitas famílias.”
Ao fim das negociações, a Vale teve um desconto de quase R$ 20 bilhões em relação ao que havia sido previsto. Além disso, a ação denuncia que foi extinta a maior parte das perícias judiciais da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que tinham como objetivo mapear os danos ambientais à bacia e às comunidades atingidas.
“A Vale tentou cassar as perícias garantidas pela Justiça para entender o impacto social e ambiental. A maioria dessas perícias foi cassada no acordo com o estado e, para piorar, a mineradora garantiu que uma perícia contratada por ela realizará esses estudos. Isso é um absurdo”, criticou o coordenador do MAB.