Por Urda Klueger.
Na minha infância, as revistas que então existiam traziam muitas reportagens sobre secas no nordeste brasileiro, e tão logo fui alfabetizada, passei a lê-las, impressionadíssima com aquela gente que fugia da seca e viajava até São Paulo em paus-de-arara, caminhões que tinham a carroceria atravessada por tábuas, à guisa de bancos, e uma precária lona para proteger da chuva e do sol. Atroz viagem, aquela, que chegava a durar semanas, e que foi feita por tantos brasileiros! Uma das pessoas que a fez foi Dona Linu, com seus tantos filhos, um dos quais morreu durante o percurso, de pura falta de assistência, e ficou enterrado à beira de alguma estrada que já não se sabe mais qual seja. Outro sobreviveu e acabou sendo presidente do Brasil e se tornando um líder de relevância mundial, portando, hoje, algo em torno de três dezenas de títulos de doutor honoris causa recebidos de universidades nos mais diferentes pontos do planeta.
Quando cresci e comecei a querer conhecer o mundo, tomei-me de gosto pelos ônibus, e aí pelas décadas de oitenta e noventa, muito andei por este Brasil junto com o pessoal do nordeste, os que vinham e os que iam, e naquela altura os nordestinos já tinham acesso ao ônibus. Para quem é daqui do sul, acho bom contar: uma das coisas que mais me causava admiração nessa gente nordestina tão simpática, era o seu apego ao asseio – a cada parada de ônibus, nas longas viagens, eles já saltavam do mesmo de toalha e sabonete na mão, e iam tomar um bom banho, e as paradas de ônibus tinham fileiras de chuveiros para suprir aquela necessidade, coisa até hoje não vista no tal sul maravilha, onde ainda um banho diário é considerado muito que suficiente.
Penso cá comigo, agora, o que me fez tomar tanto gosto pelos ônibus: uma das coisas era justamente a convivência com as tantas gentes com que se vai cruzando quando se anda por aí; mas, provavelmente, outra coisa foi o custo das passagens aéreas. Eu já tinha mais de trinta anos quando andei a primeira vez de avião, coisa rápida, até o Rio de Janeiro, passagem paga à prestação – era aquele tempo em que avião era coisa para rico e havia que se ir de roupa bonita para não fazer feio, carregando uma coisa chamada ”frasqueira”- será que ainda existe esse tipo de bolsa metida a besta? E eu tinha um bom salário, condições melhores que a maioria da população, mas mesmo assim, avião não era bem para a minha classe.
Noutro dia, num posto de gasolina aqui perto de casa, estranhei o sotaque do frentista:
– De onde tu vens?
Viera de Castanhal/PA, cidade natal do meu amigo Chico Carneiro, e a conversa logo se fez fácil:
– É longe, né? Quantos dias para chegar aqui?
– No mesmo dia, dona. Vim de avião.
A outra frentista também entrou na conversa. Também era do Pará e também viera de avião.
– Esperei um pouco para vir, para pegar uma boa promoção. A passagem normal é bastante cara. Vim por um terço do preço – o que denotava o uso habitual da Internet.
Daí em diante passei a perguntar para diversas pessoas que vieram de longe como é que tinham vindo. Não deu outra. As pessoas estão vindo de avião! Ontem um rapaz de um outro posto de gasolina me contou que viera da Paraíba.
– Viste de avião? – perguntei, já antevendo a resposta.
– Não, vim com meu carrinho. É um bocado longe, mas acabei chegando.
Os paus-de-arara atuais mudaram muito de formato.
Uma ova quem me disser que antes de Lula e Dilma uma pessoa humilde podia se dar ao luxo de botar o pé num aeroporto para viajar!
Blumenau, 12 de Setembro de 2014.
Imagem tomada de: www.museudantu.org.br