Moçambique: Inovação brasileira para um agro sem financiamento


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Por Amos Zacarias*

Maputo, Moçambique, 10 de março de 2014 (Terramérica).- Uma parte da excelência tecnológica que o Brasil empregou para revolucionar sua agricultura tropical está chegando a pequenos produtores de Moçambique. Contudo, não basta para acalmar a fome de financiamento que o setor tem. O agricultor Erasmo Laldás, que trabalha há 15 anos em Namaacha, um povoado a 75 quilômetros da capital moçambicana, recebeu no ano passado 15 mil mudas de Festival, uma nova variedade de morango de origem norte-americana.

Laldás produziu sete toneladas, empregando oito trabalhadores. Vendeu toda sua colheita em Maputo e em janeiro liderou as vendas nesse mercado, porque na África do Sul, seu principal competidor, a fruta já escasseava. “O fruto é de muito boa qualidade, não exige muitos produtos químicos como o morango sul-africano e seu período de colheita se prolonga mais do que a variedade nativa que eu vinha plantando”, contou ao Terramérica.

Laldás, de 37 anos, é o primeiro produtor nacional beneficiado pela cooperação brasileira e norte-americana mediante apoio técnico ao Programa de Segurança Alimentar e Nutricional de Moçambique (PSAL). Iniciado em 2012, o projeto associa o Instituto de Pesquisa Agrária de Moçambique (IIAM) com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid), para ampliar a capacidade de produção e distribuição de hortaliças no país.

Primeiro foi estudada a adaptação de sementes ao clima tropical. O IIAM recebeu mais de 90 variedades de tomate, repolho, alface, cenoura e pimentão, que estão em testes na Estação Agrária de Umbeluz, a 25 quilômetros de Maputo. “Os resultados dos testes são animadores porque identificamos 17 variedades que estão prontas para serem distribuídas aos produtores, por terem as qualidades fitossanitárias desejadas. Estamos esperando que sejam registradas e aprovadas com o selo de Moçambique”, disse ao Terramérica o pesquisador Carvalho Ecole, lamentando que seu país não registre novas variedades na horticultura há 50 anos.

A horticultura é um setor estratégico para gerar empregos e renda entre os pequenos agricultores, pois esta produção representa 20% dos gastos familiares, afirma Ecole, integrante do IIAM. “Por muito tempo a horticultura foi descuidada. Ao falar de segurança alimentar o governo só pensava em milho, mapira (uma espécie de sorgo) e mandioca. Além disso, nossos produtores continuam sem ter créditos nem financiamento”, criticou.

A África do Sul é o maior fornecedor de hortaliças e frutas para o sul de Moçambique. Dados do IIAM mostram que até 2010 quase toda cebola, 65% do tomate e 57% do repolho consumidos nas cidades de Maputo e Matola eram sul-africanos. E essas proporções se mantêm. Em consequência, os preços são altos. Um quilo de tomate custa entre 50 e 60 meticales (US$ 1,6 e US$ 2) e a cebola um pouco menos. Quando as novas espécies aprovadas estiverem disponíveis para os camponeses nacionais, os preços baixarão, pontuou Ecole.

Moçambique também importa manga, banana, laranja, abacate, morango e outras frutas da África do Sul. “Temos que capacitar os camponeses nacionais para que nos próximos anos produzam quantidades suficientes para abastecer o mercado interno”, opinou ao Terramérica o coordenador da Embrapa em Moçambique, José Bellini. A cooperação agrícola é o caminho escolhido pelo Brasil, desde o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011) para consolidar sua política de ajuda ao desenvolvimento, especialmente na África.

A Embrapa, um conglomerado estatal de 47 centros de pesquisa espalhados pelo Brasil e com várias representações no exterior, se mobilizou para transferir a outros países do Sul uma parte dos conhecimentos em agricultura tropical que acumulou em seus 41 anos de existência. Seu escritório para a África foi instalado em Gana.

Mas a presença do Brasil em Moçambique tem uma dimensão difícil de igualar com o ProSavana, nome pelo qual é conhecido o Programa de Cooperação Tripartite para o Desenvolvimento Agrícola da Savana Tropical deste país, apoiado pelas agências de cooperação brasileira (ABC) e pela japonesa (Jica) e inspirado na experiência que fez do Brasil um celeiro mundial e maior exportador de soja.

A meta é, num horizonte de duas décadas, beneficiar de forma direta 400 pequenos e médios agricultores e indiretamente outros 3,6 milhões, com um forte aumento da produção e da produtividade no Corredor de Nacala, ao norte. O Brasil construirá um laboratório para estudos de solos e plantas na cidade de Lichinga. A Embrapa treina pesquisadores do IIAM no corredor, além de modernizar dois centros locais de pesquisas.

No entanto, o ProSavana é um programa polêmico. Camponeses e ativistas temem que replique problemas brasileiros, com o predomínio do agronegócio, as monoculturas, a grande concentração da terra e a produção em poucas empresas transnacionais, em um país como Moçambique, onde 80% da população pratica a agricultura familiar.

O apoio ao PSAL tem outro sentido. Voltado à horticultura, destina-se claramente ao pequeno produtor e a melhorar a alimentação local. Mas sofre limitações de escala e de recursos. “Não podemos melhorar nosso sistema de produção sem investimentos. Demos um passo gigantesco, há mais pesquisa e transferência de tecnologia, mas isso tem de estar acompanhado de elevados investimentos”, afirmou Ecole.

O Estado moçambicano investe muito pouco no setor agrário, embora tenha aumentando. Em 2013, destinou à agricultura 7,6% de seu orçamento, equivalente a cerca de US$ 6 bilhões. Segundo dados de 2012 do Secretariado Técnico de Segurança Alimentar e Nutricional, 30% da população nacional sofre fome. E aproximadamente 80 mil menores de cinco anos morrem por ano vítimas de desnutrição, afirma a organização não governamental Save the Children.

Esses números não se justificam em Moçambique, que tem condições climáticas favoráveis e mão de obra abundante para uma produção agrícola em grande escala, observou Ecole. Namaacha ilustra essa contradição. É o único distrito do país que produz morango. Chegou a abastecer todo o mercado de Maputo, mas muitos produtores quebraram por falta de crédito, ressaltou Cecília Ruth Bila, responsável pela área de frutas do IIAM.

“Os camponeses enfrentam dificuldades de acesso a financiamento, nossos bancos tampouco ajudam muito, por isso os produtores desistem”, afirmou Bila. Aproximadamente 150 agricultores de morango de Namaacha abandonaram a atividade nos últimos cinco anos por falta de crédito, segundo informações do setor.

Laldás é um dos poucos sobreviventes. Talvez por isso alimente grandes sonhos. Para este ano solicitou 150 mil mudas para ampliar seu cultivo para três hectares, enquanto busca financiar a instalação de eletricidade, três estufas, um sistema de irrigação e uma pequena indústria de beneficiamento. “Tudo isso me custará cerca de seis milhões de meticales” (quase US$ 200 mil), explicou, esperançoso. Envolverde/Terramérica

* O autor é correspondente da IPS.

Fonte: Envolverde

Foto: Amos Zacarias/IPS

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