Mirko Casale: O começo do fim (AhíLes Va)

O chamado conflito israelo-palestino não começou em 7 de outubro de 2023, obviamente. Mas vamos falar sobre o que começou.

A explosão daquela panela de pressão em que Gaza foi convertida durante décadas pelo Estado de Israel lançou na cara de todo o planeta, de forma cruel e dolorosa, a dura realidade de uma situação quase esquecida, mas insustentável, que já havia se prolongado em excesso no tempo.

A resposta de Tel Aviv, como sempre, foi converter o insustentável em ainda mais insustentável. Em primeiro lugar para os palestinos, logicamente, como as autoridades israelenses aspiravam. Mas também, sem querer, tornaram ainda mais insustentável o próprio projeto que dizem defender.

Neste último ano, para mais e mais pessoas ao redor do mundo, de todas as ideologias e confissões que possam imaginar, a palavra que mais lhes vem à mente quando ouvem falar do Estado de Israel não é outra senão genocidas e coisas do gênero.

Aqueles tempos em que as ações israelenses eram amplamente justificadas por grande parte da opinião pública global porque se tratava, supostamente, da única democracia no Médio Oriente, foram definitivamente esquecidos.

Essa definição, que por então já era uma piada ruim, agora passou a ser, diretamente, uma piada de mau gosto.

Nestes meses, Tel Aviv acabou de destruir, sozinha e com as suas ações, todas as narrativas que vem tentando para sustentar desde o século passado.

Se por então era óbvio o seu total desrespeito pela vida dos outros, agora também ficou evidente sua absoluta falta de consideração pelas próprias.

Durante as primeiras horas do ataque do Hamas, naquele 7 de outubro, as chamadas Forças de Defesa de Israel massacraram dezenas de israelenses, aplicando uma diretriz que os autoriza a atacar os seus próprios cidadãos para evitar que caiam em mãos inimigas.

As incursões e bombardeios das FDI neste último ano assassinaram muitos, muitos mais reféns israelenses do que o punhadinho que conseguiram resgatar com vida.

Hoje, cada vez mais israelenses preferem fazer as malas e regressar aos seus países de origem, aos dos seus pais ou avós, seja na Europa ou na América.

O fenômeno migratório se inverteu assim que se tornou ainda mais evidente que o Estado de Israel não é um lar seguro para ninguém, a começar pelos próprios israelenses.

E se eles tratam assim a seus próprios cidadãos, o que resta para os palestinos, libaneses ou sírios?

As FDI, que se autodenominam o exército mais moral do mundo, e que se vangloriavam durante décadas de proteger os civis dos terroristas, são agora mundialmente acusadas de serem assassinos em série de mulheres, bebês e crianças, que devem escolher entre o terror das bombas que caem nas proximidades e a morte causada por aquelas que caem diretamente sobre eles.

A sociedade israelense, a mesma que se considera tão virtuosa a ponto de olhar por cima dos ombros não apenas aos estados vizinhos, mas também ao resto do mundo, mostrou sua verdadeira cara ao planeta através das redes sociais, zombando da falta de água, de serviços básicos e de outras carências e desgraças dos palestinos, comentando como os eliminariam da face da terra, se pudessem apertar um botão que fizesse isso por eles.

E até mesmo embarcar em um cruzeiro para ver Gaza queimando confortavelmente no alto mar.

Uma desumanização tão enraizada na mentalidade israelense que não será resolvida com a saída de Netanyahu.

Porque o atual governo não é o problema, senão que a face mais feia de um problema de fundo. Um problema tão óbvio que, este ano, fez cambaleara até então aparentemente intocável impunidade do Estado de Israel, outorgada mais ativamente pelos Estados Unidos e mais passivamente pela União Europeia, durante mais de meio século.

Embora esta cumplicidade, aberrante ou sussurrada, não tenha sido de forma alguma rompida, hoje está muito mais sujeita a decisões eleitorais e a cálculos de sondagens de opinião.

Os tempos de “Façam o que quiserem, que eu os apoio, ou olho para o outro lado” se acabaram. Porque hoje o mundo inteiro continua vendo o que está acontecendo na Palestina, mesmo fechando os olhos com todas as forças.

Diante de tal acúmulo de circunstâncias, Tel Aviv decidiu fugir para a frente, apostando em uma guerra após outra, buscando alcançar a derrota total de seus numerosos inimigos, a qualquer custo.

Mas por mais danos que causem a Hamás, Hizbolá, ou a quem seja que os enfrente, nem como os enfrente, ou mesmo que temporariamente lhes consigam impor condições que parecem próximas da rendição, porque com cada uma das suas ondas de ataques indiscriminados, o Estado de Israel semeia, regra e vai colher a seguinte geração da resistência palestina e regional.

Porque, se algo ficou claro este ano é que o pior inimigo do Estado de Israel, e não lhe faltam inimigos, não é outro, nem mais, nem menos, que o próprio Estado de Israel. Um paradoxo cujo desenlace não pode ser outro senão que uma criatura mal concebida que acaba devorando a si mesmo.

Como bem sabemos, o conflito não começou em 7 de outubro de 2023. Mas, hoje, podemos dizer que, sem margem para dúvidas, começou o início do seu fim.

Tradução ao português e legendas: JAIR DE SOUZA

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