Por Josias de Souza.
Em palestra para fucionários da Caixa Econômica Federal, o ministro Eliseu Padilha (Casa Civil) explicou o funcionamento da engrenagem fisiológica que permite ao governo de Michel Temer dispor de maioria no Congresso. Em timbre de galhofa, Padilha usou como exemplo o preenchimento do cargo de ministro da Saúde. Contou que, para obter o apoio do PP, descartou a nomeação de “um médico famoso de São Paulo” para acomodar na poltrona o deputado Ricardo Barros (PP-PR), um engenheiro civil. (ouça a voz do ministro abaixo). O médico que Temer se absteve de nomear chama-se Raul Cutait, um dos cirurgiões mais notáveis do país.
A palestra de Padilha, noticiada pelo Estadão, ocorreu na semana passada. Sem saber que estava sendo gravado, o ministro protagonizou algo muito parecido com um sincericídio. A certa altura, brincou com um dos presentes, Gilberto Occhi, o filiado do PP que preside a Caixa. “O Occhi tem que fechar os ouvidos, porque dessa ele participou, decerto, do outro lado!”
Padilha lembrou que, na composição da primeira equipe do governo Temer, havia uma decisão de nomear ministros notáveis em suas respectivas áreas. A pasta da Saúde seria do PP. Mas a legenda foi alertada para o desejo do presidente de ter na poltrona um profissional que fosse “dintinguido”. “Aí nós ensaiamos uma conversa de convidar um médico famoso em São Paulo”, relatou o chefe da Casa Civil, sem mencionar o nome do doutor Raul Cutait.
Segundo Padilha, o PP mandou um recado para Temer: “Diz para o presidente que o nosso notável é o deputado Ricardo Barros.” Portador da mensagem, o ministro aconselhou o amigo a ceder ao partido, campeão no ranking de enrolados no escândalo da Petrobras. “Nós não temos alternativa”, disse Padilha a Temer, realçando que o objetivo do governo era obter 88% dos votos no Legislativo.
“Vocês garantem todos os votos do partido em todas as votações?”, perguntou Padilha. E os representantes do PP: “Garantimos.” O ministro diz ter encerrado a negociação nos seguintes ternos: “Então, o Ricardo será o notável.”
O blog apurou detalhes que Padilha sonegou em sua palestra. Sondado para o cargo de ministro da saúde, o cirurgião Raul Cutait impôs condições para assumir o cargo. Conversou com o presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI). Queria que todas as nomeações para os cargos relevantes da pasta passassem por sua mesa. Mais: escolheria seus auxiliares por critério técnico, não político.
A bancada de deputados federais do PP ameaçou pegar em armas se Cutait virasse ministro da Saúde. Os parlamentares exigiram a nomeação do colega e Ricardo Barros. E Michel Temer aceitou. Nesse contexto, a palestra de Eliseu Padilha vale como uma espécie de strip-tease político. Todo mundo sabe que o fisiologismo é um flagelo que atravessa todos os governos no Brasil. O que espanta no didático relato de Padilha é a percepção de que o anormal tornou-se tão normal que é tratado em tom de gracejo.
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Fonte: Blog do Josias.