Por Sarah Fernandes.
Para a entidade, MP deve cobrar de promotores que mais empenho na investigação de crimes cometidos pela polícia. Investigações são prejudicadas pelo perfil ideológico dos membros do Judiciário.
A organização Conectas, que atua internacionalmente em prol dos direitos humanos, defendeu na última quinta-feira (18/02) que o Ministério Público de São Paulo deve se distanciar mais do governo estadual e cobrar dos promotores mais empenho nas investigações de crimes cometidos pela polícia. Nesta semana, a instituição entrou com uma representação contra a defensora pública Daniela Skromov que criticou atuação do MP nesse tipo de crime em entrevista à TVT e ao jornal El País.
“Perpassa uma questão de compromisso político. O atual secretário de Segurança Pública (Alexandre Moraes) é um ex-membro do Ministério Público. O antigo (Fernando Grella) foi procurador-geral de Justiça. Existe hoje em São Paulo uma aproximação entre o Executivo e o MP. Isso viola o princípio de separação dos poderes. Quando o governo chama o MP para ocupar cargos, a independência e a credibilidade ficam comprometidas”, defende o coordenador do programa de Justiça da Conectas, Rafael Custódio.
Nesta semana, uma pesquisa divulgada pelo Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública de São Paulo mostrou que mais de 90% das ocorrências de mortes provocadas por policiais em serviço, chamadas de “autos de resistência”, são arquivadas sem investigação pelo Ministério Público estadual. A maioria das vítimas é negra e moradora da periferia.
Os dados apontam que a história se repete: policiais militares matam uma pessoa que supostamente teria sido flagrada em um delito e reagido. “Não dá nem para dizer que a Justiça inocenta os policiais, porque ela sequer dá um veredito, de culpado ou inocente. A imensa maioria dos casos não chega nem a ser denunciada”, disse Daniela em entrevista à TVT.
Para Custódio, um dos problemas que impedem o avanço das investigações de crimes policiais é o perfil ideológico dos membros do Ministério Público. Em 2013, por exemplo, o promotor Rogério Zaggalo disse em sua conta no Facebook que se a Tropa de Choque matasse manifestantes que protestavam contra o aumento da tarifa do ônibus ele arquivaria o processo. “Seria importante debater e problematizar quem são essas pessoas que são selecionadas nos concursos. Que tipo de compromisso têm com as questões sociais?”
Uma das maneiras de garantir mais efetividade às investigações seria impor uma cobrança maior aos promotores envolvidos na investigação desse tipo de crimes. “Qual ônus resulta da não investigação de crimes cometidos pela polícia? Não há nenhum prejuízo para o promotor, então não há problemas em agir de maneira inerte e limitada, já que não há nenhum tipo de cobrança, nem da sociedade nem da instituição.”
Críticas
A defensora Daniela avalia que o número baixo de investigações sobre crimes policiais no MP se deve à persistência de uma cultura de extermínio. “A violência ainda é a primeira resposta para a resolução dos conflitos interpessoais, sociais, estatais. A Justiça Criminal é feita para prender e, em alguma medida, eliminar socialmente essa ‘clientela’. Logo, é uma Justiça inapta para proteger as pessoas que são mortas pela polícia”, disse.
Após as entrevistas, o Ministério Público emitiu nota, afirmando que “as opiniões publicadas (por Daniela) não representam a instituição que integra (Defensoria Pública)”. “Típico de alguém que se pronuncia sobre o que não sabe e fala sobre profissionais que não conhece, a Dra. Daniela cometeu injustiças na sua desarrazoada avaliação sobre o MP brasileiro e paulista que, de há muito, estabelece como prioritária a efetiva defesa dos homens e seus direitos”, diz o texto.
Tanto o Conectas Direitos Humanos como o Núcleo de Estudos de Violência (NEV) da Universidade de São Paulo (USP) concordam com a posição da defensora pública. “O diagnóstico dela é preciso. É difícil compreender que o MP negue essa realidade e que questione alguém que trabalha diretamente nesse tema. Falta compromisso e articulação para exercer um papel que é obrigação dele. Não é facultativo apurar a letalidade policial. Está na Constituição e é sabido que o MP de São Paulo deixa de exercer esse controle de maneira efetiva”, defende Custódio.
“Os dados mostram que o trabalho que está sendo feito pelo MP não é suficiente. O órgão não está controlando a atividade policial de maneira eficiente, senão teríamos mais casos sendo levados a julgamento e menos sendo arquivados. Falta autocrítica sobre a forma como está sendo cumprida essa responsabilidade”, defende a pesquisadora do NEV Ariadne Natal. “O que a polícia comete é um homicídio. Se é doloso ou culposo é a investigação que vai definir. Se não há investigação ficamos sem saber se ações foram legítimas e se houve excessos.”
Ariadne explica que o que ocorre na prática é que a fala do policial é o que basta na investigação. “Por que só um lado é ouvido? Por que entre as vítimas das ações policiais tem mais mortos que feridos? Por que há excesso de tiros? Por que os tiros são dados em áreas letais? São perguntas que ficamos sem resposta”, diz. “Não existem provas anexas aos processos ou, quando existem, raramente são consideradas. Ora, a polícia tem os salários pagos com o nosso dinheiro, são treinadas com o nosso dinheiro e as armas são compradas com nosso dinheiro. Temos o direito de saber se estão exercendo a força de forma justa.”
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Foto: concursos.correioweb.com.br
Fonte: Brasil de Fato