Por Guigo Ribeiro, para Desacato.info.
Olavoh acordou cedo dessa vez. Menos cansado, conseguiu se organizar com o tempo sem que tivesse seu sono interrompido ou constatasse que o tempo foi além do que imaginava. Ainda na cama, dedicou grande tempo na produtiva tarefa de rolar o feed de notícias para baixo. Seu cérebro registrava fragmentos e ele adorava a dinâmica. Levantou e pediu algo pra comer. Na espera, o básico de quem acorda: dentes, banho e xixi. No retorno, sua refeição. Dessa vez o funcionário do hotel aparentava estar menos constrangido. E levava comida, logo, não tem como dar errado.
– Boa refeição, senhor. Para toda e qualquer coisa que necessitar, me chame. O patrão ordenou que fosse tratado com tudo que há de melhor. Portanto o melhor será pra ti. – entregando a comida.
– Tá! Tá! Obrigado. – rude.
– Senhor… aproveitei o seu pedido e trouxe a caixa com os recados do encontro de ontem. Posso deixar aqui no canto? – apontando.
– Sim! – rude.
– Obrigado. Com licença. – saindo.
Olavoh retornou ao celular e tal atividade agora era acompanha pela refeição. Satisfeito, deixou quantidade pequena no prato e levou a bandeja para a mesa. Tinha comido na cama mesmo. No retorno, olhou a caixa com os recados, comentando pra si:
– Essa gente não entende que a sugestão de uma caixa de recados é mera formalidade. Perdem tempo. Vou pegar algum e citar hoje. Pelo menos mostra que me detive aos escritos. Mas… que estupidez, meu Deus. Que estupidez.
Num “uni duni tê” intelectualizado, optou por um recado num papel rosa. A mensagem soava bonita:
Senhor Olavoh,
Tenho em ti uma referência para os meus estudos. Assumi recentemente um cargo público e este foi indicação de meu pai. Assim que soube de sua presença e do minicurso, vim rápido. Larguei minha agenda e me sinto honrado em presenciar seus ensinamentos. Vou em busca de meu pastel especial como o senhor sugeriu no encontro de ontem. Pelo agora, me diga uma coisa. O que fazer com a alucinação das pessoas pelo tal Paulo Freire?
Assinado: Eduardinho
Olavoh achou algo incrível o universo dar um presente desses. Fazia da pauta tema e ficava em paz pra passar o resto da tarde online. Fez. Só teve a irritação de, mais uma vez, não conseguir realizar a live. Oh dó!
Estava na hora. Quanto ao começo, igual. Aplausos dos presentes e bunda na cadeira.
– Queridos… que honra! Obrigado pelo carinho desse terceiro encontro. Noto que há mais pessoas e isso me encanta. Hoje resolvi mudar a forma de trabalho pra atender um dos recados. Confesso que li todos na madrugada e, caso fosse formular algo diante de tantas ideias, teria que ligar pra Harvard e dizer que mudei de ideia. Que, sim, ia assumir o departamento de filosofia. Pois bem. Recebi um recado que falava sobre o apelo social contido em Paulo Freire. Alguém conhece?
Todos levantaram as mãos.
– Agora sejam honestos e o papai não vai ficar bravo. Alguém conhece?
Ninguém levantou a mão. Mas todos riram e arrumaram as gravatas.
– Paulo Freire, em primeiro lugar, era um homem contra os barbeadores. Ele detestava… – interrompido pelos risos e aplausos dos presentes.
– pois é… não gostava. Detestava! Mas… obrigado. – dando longo gole na água enquanto o riso da plateia ia chegando ao fim. – ele não gostava. Ele também não gostava do Brasil. Dizem que ele é tão citado nos trabalhos acadêmicos pelo mundo, mas nunca será tão citado na internet como eu. Nunca! E isso eu garanto. E o recado dizia justamente sobre a alucinação das pessoas no entorno desse homem. Repare bem. Estive com ele algumas vezes na universidade. Jovem é meio burro, não é? Se soubesse, trocava de mesa. Mas almoçamos juntos e ele não era querido na universidade. Na verdade, ele era da turma dos panfletos, aqueles comunistas que Deus vai varrer daqui em breve. Paulo Freire é uma alucinação. Um cara que chegou no meio do nada e, dizem, que alfabetizou pessoas. Capaz! Chega a dar raiva desse sujeito. Chega a dar ranço. Como pode? Foi ele quem esculpiu o tronco do Davi! Foi ele quem projetou a Torre Eiffel. Foi ele num discurso público que, com a força das palavras, inclinou a Torre de Pisa. Foi! Foi! Foi sim! Bobão! Foi ele quem projetou Tóquio e separou, enquanto escrevia poemas, a Austrália do mundo. É insuportável. Por isso digo. Eu não. O recado sugeriu. É uma alucinação, uma utopia. Mais uma das tantas barbaridades propagadas pelos cantos do mundo. O Brasil já mostra coisas sublimes. O carnaval, o futebol, o samba. Somos respeitados por onde passamos. Os europeus e americanos se curvam para nós passarmos. E vem um cara que fugiu do país na revolução pra não
participar e leva tanto mérito? Eu deveria ser mais citado! Eu! Eu! Eu! Eu! Eu! Pronto! Falo de novo. Eu! Vocês concordam?
Todos disseram “siiiimmmm”.
– então deixo aqui isso. E deixo uma citação de Goethe que muito me encanta: os últimos serão os primeiros. Portanto, me agrada poder explanar sobre a alucinação que existe quando colocam Freire como grande e como os meios de comunicação de massa foram importantes pra isso. Cursos, filmes e novelas sobre. Em 2001 a Net não sei o quê… a que faz séries… naquela época ela já fazia campanha pra ele. É importante… – interrompido por gritos.
– OLAVOH!!! OLAVOH!!! SOU EU, O EDUARDINHO! QUERO FAZER UMA PERGUNTA! SOU SEU FÃ!
Olavoh calculava que seu tempo útil chegava ao fim e sentiu enorme impaciência. Resolveu ceder. Assim o tempo passava mais rápido.
– Diga, jovem!
– Eu gostaria de saber como ser igual você. Meu pai adora seus post’s no twitter e disse que vai me deixar fazer um logo. Quero saber como absorver mais informações.
– Você gosta de ler? – perguntou Olavoh.
– Não! Só pegar onda.
– Então entre na onda mais bonita que conseguir, mentalize o conhecimento e mergulhe nele.
– Obrigado, mestre! – Eduardinho satisfeito
Olavoh se despediu e foi descansar. Agradecia a Deus que restavam só dois dias.
Guigo Ribeiro é ator, músico e escritor, autor do livro “O Dia e o Dia Que o Mundo Acabou”, disponível em Edfross.
A opinião do autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.
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