Por Daniel Silva[1] e Larissa Alves[2], para Desacato.info.
A produção mineral tem um papel central na dinâmica econômica e na formação espacial do estado do Pará ao longo da sua história. Ainda na década de 1950, diversas iniciativas foram tomadas a partir da Superintendência de Planejamento e Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA) para, entre outros objetivos, conhecer o potencial de recursos naturais na região amazônica. Contudo, somente a partir de 1966, com o aprofundamento da Ditadura Militar no Brasil, foi que houve uma maior intervenção do Estado brasileiro com o objetivo de explorar os recursos econômicos na região. Nesse período, a inserção do capital nacional e internacional se intensificou guiados não apenas pelos atrativos locais, mas também pelos incentivos governamentais em favor dos investidores de outras partes do Brasil e do mundo. Com o Projeto Grande Carajás (PGC), iniciado entre as décadas de 1970 e 1980, a exploração mineral passou a ocorrer de forma mais sistemática a partir de um conjunto de empreendimentos, que incluiu a construção da Ferrovia Ferro Carajás e o Porto Madeira na cidade de São Luís no estado do Maranhão, influenciando ainda mais a dinâmica econômica e social do estado.
Atualmente, a mineração continua tendo um peso importante na economia paraense refletida na participação do setor tanto na produção mineral brasileira quanto no produto interno do estado. De acordo com o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC), no ano de 2017, o setor mineral do Pará contribuiu com 42,4% do saldo mineral do Brasil e 77,5 no saldo comercial do Estado, o que demonstra a importância da produção nesse setor para garantir saldos positivos na balança comercial tanto para o Brasil quanto para o Pará. O valor da produção mineral vendida, consumida ou transferida para industrialização no estado foi de mais R$ 28 bilhões, sendo a maior parte da exploração concentrada nos municípios de Parauapebas, Marabá, Canaã dos Carajás, Paragominas, Curionópolis, Itaituba, Ipixuna do Pará, Almeirin e Oriximiná.
Apesar da importância econômica, o setor mineral tem deixado muitos efeitos perversos na região. Do ponto de vista ambiental, os impactos são diversos e geram um conjunto de externalidades negativas nas regiões em que os empreendimentos minerais são inseridos. O privilégio atribuído para esses grupos econômicos e a forma violenta de implantação de muitos desses projetos também destroem muitos gêneros de vida e saberes locais. Além disso, nem sempre os impactos econômicos da exploração desses recursos geram desenvolvimento para os municípios que concentram essas reservas naturais.
Uma parte importante dos trabalhos que analisa a produção mineral argumenta que os impactos econômicos desse setor pode ter um efeito inverso do que se espera, mesmo quando analisado em termos estritamente econômicos. Esse fenômeno é chamado pela literatura de “Maldição dos Recursos Naturais”, e se refere à situação em que países ou regiões com abundância de recursos, especialmente não renováveis como minerais e combustíveis, apresentam um menor crescimento econômico, menos democracia e piores resultados econômicos e sociais que países com menos recursos naturais. Há um grande debate acadêmico acerca das causas que levam a essa situação. Em geral, elas estão relacionadas com problemas institucionais, falta de políticas públicas de uso dos recursos, efeito enclave, instabilidade nos preços internacionais entre outros motivos.
O primeiro esforço de reunir evidências em relação à Maldição dos Recursos Naturais foi feita por Auty (1993). Nesse trabalho o autor analisa os impactos do setor extrativista sobre outros setores econômicos em um conjunto de Economias Minerais[1] com baixos níveis de desenvolvimento, precisamente a Bolívia, Peru, Chile, Jamaica, Papua Nova Guiné e Zâmbia. Algumas evidências para a Maldição também foram identificadas para Austrália e América Norte (MADISSON, 1991), contudo os efeitos negativos que a exploração mineral pode provocar, aparentemente, são menores do que em países de renda baixa ou média.
Nos primeiros trabalhos que analisaram esse fenômeno, o foco principal eram os efeitos no crescimento econômico. Depois vieram pesquisas que passaram a considerar questões como: o agravamento das desigualdades na distribuição de renda, a piora nos níveis de pobreza e outros problemas sociais que incidiam sobre regiões que exploram recursos minerais. Do econômico e social para as questões políticas foi apenas um passo. Instabilidade política, elevados níveis de corrupção, má governança, atropelo aos princípios democráticos passaram também a estar associados com a abundância dos recursos naturais.
Analisando os dados dos municípios paraenses que exploram recursos minerais há diversas evidências que o fenômeno da Maldição dos Recursos Naturais vem ocorrendo em vários deles. Na tabela abaixo são apresentados dados relacionados à pobreza e o desenvolvimento humano dos municípios (IDHM) paraenses que exploram recursos minerais, bem como as informações para o Brasil e para o Estado do Pará que são usados a critério de comparação.
Dados dos Municípios Paraenses (2010)
Espacialidades | População Total | IDHM | Extremamente pobres (%) | Pobres (%) | Crianças extremamente pobres (%) |
Barcarena (PA) | 99.859 | 0,662 | 10,49 | 26,03 | 14,37 |
Juruti (PA) | 47.086 | 0,592 | 28,55 | 49,58 | 35,83 |
Marabá (PA) | 233.669 | 0,668 | 10,34 | 23,53 | 14,85 |
Oriximiná (PA) | 62.794 | 0,623 | 26,43 | 46,08 | 33,54 |
Parauapebas (PA) | 153.908 | 0,715 | 4,42 | 13,17 | 6,94 |
Almeirim (PA) | 33.614 | 0,642 | 20,47 | 38,3 | 27,37 |
Canaã dos Carajás (PA) | 26.716 | 0,673 | 8,24 | 20,83 | 10,79 |
Curionópolis (PA) | 18.288 | 0,636 | 18,69 | 34,88 | 22,94 |
Ipixuna do Pará (PA) | 51.309 | 0,489 | 30,85 | 52,27 | 35,71 |
Itaituba (PA) | 97.493 | 0,640 | 11,47 | 24,77 | 14,67 |
Oriximiná (PA) | 62.794 | 0,623 | 26,43 | 46,08 | 33,54 |
Paragominas (PA) | 97.819 | 0,645 | 7,49 | 24,5 | 10,57 |
BRASIL | 190.755.799 | 0,727 | 6,62 | 15,2 | 11,47 |
PARÁ | 7.581.051 | 0,646 | 15,9 | 32,33 | 22,76 |
Fonte: Elaboração Própria com base nos dados do Censo do IBGE – 2010
Algumas informações chamam atenção nessa tabela. A primeira delas é que todos os municípios do Estado apresentaram Índice de Desenvolvimento Humano dos Municípios (IDHM) menor do que a média brasileira (0,727), apesar de quatro deles apresentaram resultados melhores do que a média do Estado do Pará (0,646) (Barcarena, Marabá, Canaã dos Carajás e Parauapebas). Esse índice considera as mesmas três dimensões do IDH – Longevidade, Educação e Renda – adaptadas para a realidade dos municípios.
Em relação ao percentual da população pobre (ganhos per capita de até R$ 140) e extremamente pobre (ganhos per capita de até R$ 70), o Estado do Pará apresentou índices piores do que à média nacional (mais que o dobro de pobres e extremamente pobres quando comparado com o Brasil) e entre os municípios, apenas Parauapebas teve índices melhores que o país. Nesse índice, quatro municípios chamam atenção especial: Ipixuna, Oriximiná, Juruti e Oriximiná, onde metade da população é pobre. Além disso, nesses municípios, ao menos uma em cada quatro pessoas são consideradas Extremamente Pobres. Esses dados sobre a vulnerabilidade social tornam-se ainda mais relevantes quando se observa o percentual de crianças na situação de extrema pobreza.
Somente os municípios de Canaã dos Carajás, Paraupebas e Paragominas possuem um percentual de crianças na extrema pobreza abaixo da média nacional. Os municípios de Barcarena, Marabá, Itaituba, apesar de terem médias piores que o Brasil, apresentam resultados melhores do que a média do Estado. Os demais municípios possuem situação pior do que o Pará, sendo que em Juruti, Ipixuna do Pará e Oriximiná, uma em cada três crianças se encontram na extrema pobreza.
Esses dados para os municípios paraenses que exploram recursos minerais apontam para uma realidade social e econômica de extrema vulnerabilidade. Os determinantes e condicionantes dessa condição estão relacionadas com o processo de formação histórica desses municípios e se vinculam diretamente com o processo de acumulação de capital que moldou e vem moldando o espaço na região amazônica. Essas estatísticas não são um acidente, elas têm na sua origem a dinâmica de exclusão característica das sociedades capitalistas, mas que ganham contornos ainda mais intensos, dado os processos históricos que formam o Estado do Pará e o modelo de exploração dos recursos minerais implantados na região. Nesse sentido, a superação dessas contradições passa pela construção de modelos de desenvolvimento local que não priorizem apenas a lucratividade das grandes empresas mineradoras, mas que também garantam, além da redução dos impactos ambientais, uma melhor distribuição dos ganhos advindos da exploração desses recursos, de modo a reduzir a pobreza e garantir uma vida mais digna para a população desses municípios.
Referências:
AUTY, R. M. Sustaining Development in Mineral Economics: The Resources curse thesis. London: Routledge, 1993.
MADDISON, A. Dynamic Forces in Capitalist Development, Oxford University Press, Oxford, 1991.
.
[1] Professor de Economia na Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA). Atualmente cursa doutorado em Economia do Desenvolvimento pela UFRGS e desenvolve sua pesquisa nas áreas de Economia Amazônica, Macroeconomia do Desenvolvimento e Economia do Trabalho. Foi pesquisador visitante da Universidade de Massachussets (UMASS) nos Estados Unidos. Membro do Movimento Economia Pró-Gente.
[2] Graduanda em Ciências Econômicas pela UNIFESSPA. Técnica do Laboratório de Custo de Vida (LAINC) de Marabá – PA.
[3] Economias minerais é o termo utilizado para descrever os países que geram ao menos 8% do seu Produto Interno Bruto (PIB) e 40% das suas exportações do setor mineral
E isto mesmo a maldição,e que faz está pobreza o modelo de minera com muita ganância mentira