Mineração e pobreza, um retrato dos municípios paraenses que exploram recursos minerais

Mina de ferro em Carajás, vista por satélite em julho de 2009. Foto NASA/domínio público

Por Daniel Silva[1] e Larissa Alves[2], para Desacato.info.

A produção mineral tem um papel central na dinâmica econômica e na formação espacial do estado do Pará ao longo da sua história. Ainda na década de 1950, diversas iniciativas foram tomadas a partir da Superintendência de Planejamento e Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA) para, entre outros objetivos, conhecer o potencial de recursos naturais na região amazônica. Contudo, somente a partir de 1966, com o aprofundamento da Ditadura Militar no Brasil, foi que houve uma maior intervenção do Estado brasileiro com o objetivo de explorar os recursos econômicos na região. Nesse período, a inserção do capital nacional e internacional se intensificou guiados não apenas pelos atrativos locais, mas também pelos incentivos governamentais em favor dos investidores de outras partes do Brasil e do mundo. Com o Projeto Grande Carajás (PGC), iniciado entre as décadas de 1970 e 1980, a exploração mineral passou a ocorrer de forma mais sistemática a partir de um conjunto de empreendimentos, que incluiu a construção da Ferrovia Ferro Carajás e o Porto Madeira na cidade de São Luís no estado do Maranhão, influenciando ainda mais a dinâmica econômica e social do estado.

Atualmente, a mineração continua tendo um peso importante na economia paraense refletida na participação do setor tanto na produção mineral brasileira quanto no produto interno do estado. De acordo com o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC), no ano de 2017, o setor mineral do Pará contribuiu com 42,4% do saldo mineral do Brasil e 77,5 no saldo comercial do Estado, o que demonstra a importância da produção nesse setor para garantir saldos positivos na balança comercial tanto para o Brasil quanto para o Pará. O valor da produção mineral vendida, consumida ou transferida para industrialização no estado foi de mais R$ 28 bilhões, sendo a maior parte da exploração concentrada nos municípios de Parauapebas, Marabá, Canaã dos Carajás, Paragominas, Curionópolis, Itaituba, Ipixuna do Pará, Almeirin e Oriximiná.

Apesar da importância econômica, o setor mineral tem deixado muitos efeitos perversos na região. Do ponto de vista ambiental, os impactos são diversos e geram um conjunto de externalidades negativas nas regiões em que os empreendimentos minerais são inseridos. O privilégio atribuído para esses grupos econômicos e a forma violenta de implantação de muitos desses projetos também destroem muitos gêneros de vida e saberes locais. Além disso, nem sempre os impactos econômicos da exploração desses recursos geram desenvolvimento para os municípios que concentram essas reservas naturais.

Uma parte importante dos trabalhos que analisa a produção mineral argumenta que os impactos econômicos desse setor pode ter um efeito inverso do que se espera, mesmo quando analisado em termos estritamente econômicos. Esse fenômeno é chamado pela literatura de “Maldição dos Recursos Naturais”, e se refere à situação em que países ou regiões com abundância de recursos, especialmente não renováveis como minerais e combustíveis, apresentam um menor crescimento econômico, menos democracia e piores resultados econômicos e sociais que países com menos recursos naturais. Há um grande debate acadêmico acerca das causas que levam a essa situação. Em geral, elas estão relacionadas com problemas institucionais, falta de políticas públicas de uso dos recursos, efeito enclave, instabilidade nos preços internacionais entre outros motivos.

O primeiro esforço de reunir evidências em relação à Maldição dos Recursos Naturais foi feita por Auty (1993). Nesse trabalho o autor analisa os impactos do setor extrativista sobre outros setores econômicos em um conjunto de Economias Minerais[1] com baixos níveis de desenvolvimento, precisamente a Bolívia, Peru, Chile, Jamaica, Papua Nova Guiné e Zâmbia. Algumas evidências para a Maldição também foram identificadas para Austrália e América Norte (MADISSON, 1991), contudo os efeitos negativos que a exploração mineral pode provocar, aparentemente, são menores do que em países de renda baixa ou média.

Nos primeiros trabalhos que analisaram esse fenômeno, o foco principal eram os efeitos no crescimento econômico. Depois vieram pesquisas que passaram a considerar questões como: o agravamento das desigualdades na distribuição de renda, a piora nos níveis de pobreza e outros problemas sociais que incidiam sobre regiões que exploram recursos minerais. Do econômico e social para as questões políticas foi apenas um passo. Instabilidade política, elevados níveis de corrupção, má governança, atropelo aos princípios democráticos passaram também a estar associados com a abundância dos recursos naturais.

Analisando os dados dos municípios paraenses que exploram recursos minerais há diversas evidências que o fenômeno da Maldição dos Recursos Naturais vem ocorrendo em vários deles. Na tabela abaixo são apresentados dados relacionados à pobreza e o desenvolvimento humano dos municípios (IDHM) paraenses que exploram recursos minerais, bem como as informações para o Brasil e para o Estado do Pará que são usados a critério de comparação.

Dados dos Municípios Paraenses (2010)

Espacialidades População Total IDHM Extremamente pobres (%) Pobres (%) Crianças extremamente pobres (%)
Barcarena (PA) 99.859 0,662 10,49 26,03 14,37
Juruti (PA) 47.086 0,592 28,55 49,58 35,83
Marabá (PA) 233.669 0,668 10,34 23,53 14,85
Oriximiná (PA) 62.794 0,623 26,43 46,08 33,54
Parauapebas (PA) 153.908 0,715 4,42 13,17 6,94
Almeirim (PA) 33.614 0,642 20,47 38,3 27,37
Canaã dos Carajás (PA) 26.716 0,673 8,24 20,83 10,79
Curionópolis (PA) 18.288 0,636 18,69 34,88 22,94
Ipixuna do Pará (PA) 51.309 0,489 30,85 52,27 35,71
Itaituba (PA) 97.493 0,640 11,47 24,77 14,67
Oriximiná (PA) 62.794 0,623 26,43 46,08 33,54
Paragominas (PA) 97.819 0,645 7,49 24,5 10,57
BRASIL 190.755.799 0,727 6,62 15,2 11,47
PARÁ 7.581.051 0,646 15,9 32,33 22,76

Fonte: Elaboração Própria com base nos dados do Censo do IBGE – 2010

Algumas informações chamam atenção nessa tabela. A primeira delas é que todos os municípios do Estado apresentaram Índice de Desenvolvimento Humano dos Municípios (IDHM) menor do que a média brasileira (0,727), apesar de quatro deles apresentaram resultados melhores do que a média do Estado do Pará (0,646) (Barcarena, Marabá, Canaã dos Carajás e Parauapebas). Esse índice considera as mesmas três dimensões do IDH – Longevidade, Educação e Renda – adaptadas para a realidade dos municípios.

Em relação ao percentual da população pobre (ganhos per capita de até R$ 140) e extremamente pobre (ganhos per capita de até R$ 70), o Estado do Pará apresentou índices piores do que à média nacional (mais que o dobro de pobres e extremamente pobres quando comparado com o Brasil) e entre os municípios, apenas Parauapebas teve índices melhores que o país. Nesse índice, quatro municípios chamam atenção especial: Ipixuna, Oriximiná, Juruti e Oriximiná, onde metade da população é pobre. Além disso, nesses municípios, ao menos uma em cada quatro pessoas são consideradas Extremamente Pobres. Esses dados sobre a vulnerabilidade social tornam-se ainda mais relevantes quando se observa o percentual de crianças na situação de extrema pobreza.

Somente os municípios de Canaã dos Carajás, Paraupebas e Paragominas possuem um percentual de crianças na extrema pobreza abaixo da média nacional. Os municípios de Barcarena, Marabá, Itaituba, apesar de terem médias piores que o Brasil, apresentam resultados melhores do que a média do Estado. Os demais municípios possuem situação pior do que o Pará, sendo que em Juruti, Ipixuna do Pará e Oriximiná, uma em cada três crianças se encontram na extrema pobreza.

Esses dados para os municípios paraenses que exploram recursos minerais apontam para uma realidade social e econômica de extrema vulnerabilidade. Os determinantes e condicionantes dessa condição estão relacionadas com o processo de formação histórica desses municípios e se vinculam diretamente com o processo de acumulação de capital que moldou e vem moldando o espaço na região amazônica. Essas estatísticas não são um acidente, elas têm na sua origem a dinâmica de exclusão característica das sociedades capitalistas, mas que ganham contornos ainda mais intensos, dado os processos históricos que formam o Estado do Pará e o modelo de exploração dos recursos minerais implantados na região. Nesse sentido, a superação dessas contradições passa pela construção de modelos de desenvolvimento local que não priorizem apenas a lucratividade das grandes empresas mineradoras, mas que também garantam, além da redução dos impactos ambientais, uma melhor distribuição dos ganhos advindos da exploração desses recursos, de modo a reduzir a pobreza e garantir uma vida mais digna para a população desses municípios.

Referências:

AUTY, R. M. Sustaining Development in Mineral Economics: The Resources curse thesis. London: Routledge, 1993.

MADDISON, A. Dynamic Forces in Capitalist Development, Oxford University Press, Oxford, 1991.

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[1] Professor de Economia na Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA). Atualmente cursa doutorado em Economia do Desenvolvimento pela UFRGS e desenvolve sua pesquisa nas áreas de Economia Amazônica, Macroeconomia do Desenvolvimento e Economia do Trabalho. Foi pesquisador visitante da Universidade de Massachussets (UMASS) nos Estados Unidos. Membro do Movimento Economia Pró-Gente.

[2] Graduanda em Ciências Econômicas pela UNIFESSPA. Técnica do Laboratório de Custo de Vida (LAINC) de Marabá – PA.

 

 

 

[3] Economias minerais é o termo utilizado para descrever os países que geram ao menos 8% do seu Produto Interno Bruto (PIB) e 40% das suas exportações do setor mineral

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