A guerra pelo controle das reservas de petróleo e gás está se acirrando na América do Sul, especialmente nas imensas reservas do Pré-Sal da costa brasileira e no entorno das ilhas Malvinas, além de manter a Venezuela, maior exportadora de petróleo da região, como alvo constante dos interesses dos maiores mercados consumidores, a saber, EUA, Inglaterra e China. Nestas disputas, o dinheiro alinha-se aos navios e aviões como arma bélica.
Até então, os principais conflitos pelo controle sobre o fornecimento de recursos petrolíferos restringiam-se ao Oriente Médio, que concentra as maiores reservas e a maior produção de petróleo e gás na atualidade. Por parte dos EUA, os principais movimentos foram os ataques ao Iraque e o controle sobre o Kuwait, em 1991, as invasões ao Afeganistão (2003) e ao Iraque (2004), com decidido apoio da Inglaterra. A partir de meados da década de 2000, com a reativação da Quarta Frota Naval, responsável pela patrulha do Atlântico Sul, os EUA começaram a deslocar para a região suas pretensões petrolíferas.
A China tem exercido sua influência, sobretudo na África, por meio da compra de vastas áreas de terra, financiamento de obras de infraestrutura e acordos comerciais de exclusividade com os países detentores de reservas de petróleo no continente. Na América do Sul, as estatais chinesas de petróleo têm adquirido participações crescentes em atividades de exploração de petróleo e gás no Brasil, na Venezuela e na Bolívia.
Já a Inglaterra, embora a mais fraca militar e economicamente destas três potências, protagoniza o mais emblemático movimento militar na região sul-americana, no ano em que se completam trinta anos da Guerra das Malvinas.
Sob controle do Império Britânico desde 1833, as Malvinas constituem um arquipélago com duas ilhas maiores e cerca de 700 ilhotas, perfazendo um total de pouco mais de 12 mil quilômetros quadrados, localizadas cerca de 550 km ao sul do litoral argentino. Em Soledad, a ilha mais povoada, está localizada a capital, Port Stanley, onde vive mais da metade da população, de cerca de 3 mil habitantes, além dos 1.500 soldados britânicos localizados na base de Mount Pleasant.
A disputa pela soberania do arquipélago remonta ao início do século XIX, no contexto das lutas de independência na América do Sul. Em 1811, os espanhóis, que ocupavam o território, abandonaram as ilhas no rastro das derrotas para os movimentos de independência. Após uma década de abandono, em 1820 a Argentina enviou um mercenário estadunidense para reocupar as ilhas em nome do novo governo independente. A ocupação das ilhas, entretanto, só começou em 1827, quando a Argentina enviou colonos.
Em 1833, aportou nas Malvinas uma fragata britânica que impôs aos colonos argentinos a posse das ilhas pelo Império Britânico. Considerando que não havia condições para resistência, os argentinos retornaram ao continente e a Inglaterra enviou às ilhas escoceses, galeses e irlandeses para garantir povoamento.
Em 1982, enfraquecida pela crise da dívida externa e pela estagnação econômica, a ditadura dos generais argentinos viu na guerra uma tábua de salvação para garantir alguma sobrevida ao regime, imposto à Argentina desde 1976, e lançou-se à guerra para retomar a soberania das ilhas. O poderio militar britânico, sob o comando de Margareth Thatcher, impôs rápida derrota aos argentinos (mais de 700 soldados daquele país morreram nos combates) e precipitou o fim da ditadura para um ano depois.
Para os britânicos, as Malvinas são as Ilhas Falkland, com potencial petrolífero estimado em 8,3 bilhões de barris e estratégica localização próxima à Antártica, cujo acesso é garantido por direito ao país que tiver a posse das Malvinas. Desde o final de 2011, a Inglaterra tem realizado manobras militares com navios e submarinos na região. No início deste ano, o príncipe William, herdeiro da coroa que hoje é de sua avó Elizabeth II, juntou-se às tropas inglesas. E em março, seu irmão Harry passou pelo Brasil em atividades filantrópicas.
Recentemente, em meio à escalada de tensão entre os governos britânico e argentino, às vésperas do trigésimo aniversário da Guerra das Malvinas, a ministra da Indústria argentina conclamou as empresas de seu país a não importarem produtos ingleses. Este apelo endurece a posição do governo de Cristina Kirchner em relação ao governo britânico. Até então, o governo argentino tinha tomado medidas para afetar os moradores das Malvinas, além de ter imposto embargo a todos os navios com bandeiras britânicas em portos argentinos.
EUA e Inglaterra atuam em conjunto na América do Sul e no Oriente Médio e promovem, entre si, a partilha dos recursos petrolíferos existentes no mundo. Aos interesses dos EUA, caberia a maior parte do petróleo existente no Irã, hoje sob a iminência de ataque militar. Aos negócios ingleses, dentre outras regiões, as ilhas Malvinas correspondem ao alvo para o exercício da vasta experiência britânica em controlar áreas petrolíferas fora de seu território, através de corporações como a British Petroleum (BP) e a Shell.
À medida que os recursos petrolíferos se tornam mais escassos e de difícil exploração, a despeito das ainda incipientes iniciativas por soluções energéticas alternativas ao petróleo, avizinham-se embates e conflitos pelo controle das reservas e seu uso. Assistimos agora apenas aos primeiros capítulos de um acirramento de posições no Atlântico Sul. Por sua legislação aberta à participação estrangeira na exploração e exportação de petróleo, o Brasil ainda não está diretamente envolvido neste embate. Até quando?
Thomaz Ferreira Jensen, Andrea Paes Alberico, Elisa Helena Rocha de Carvalho, Guga Dorea, João Xerri, José Juliano de Carvalho Filho, Marietta Sampaio e Plínio de Arruda Sampaio, do Grupo de São Paulo – um grupo de pessoas que se revezam na redação e revisão coletiva dos artigos de análise de Contexto Internacional do Boletim da Rede, editado pelo Centro Alceu Amoroso Lima para a Liberdade, de Petrópolis, RJ.
Artigo publicado originalmente na edição de março de 2012 do Boletim Rede.
Fonte: Correio da Cidadania (http://www.correiocidadania.com.br)