Militantes da Ocupação Mauá, em São Paulo, são presos por ‘gato’ de energia elétrica

Fachada do 2º DP, no Bom Retiro, centro de São Paulo | Foto: Caê Vasconcelos / Ponte Jornalismo

Por Caê Vasconcelos.

Silmara Congo da Costa, 49 anos, coordenadora da Ocupação Mauá, e Adriano Alves da Silva, 41, morador da mesma ocupação, foram presos na noite desta quinta-feira (25) no centro da capital paulista acusados de furto de energia elétrica. A acusação foi feita pelos investigadores Denis Vanzelli e Arthur Henrique Carvalho Leão Lima, da Polícia Civil, que teriam entrado em um estacionamento ao lado da Ocupação Prestes Maia, na Rua Brigadeiro Tobias, alegando averiguar uma denúncia de que o espaço estaria sendo usado como “rota de fuga” para furtadores de celular que atuam na região.

Segundo Ivaneti de Araújo, a Neti, 48 anos, liderança do movimento de moradia que foi levada à delegacia como testemunha, ao verem que o estacionamento não poderia servir como rota de fuga, os investigadores passaram a procurar outras irregularidades no local. “Entraram numa discussão de que o estacionamento não pode ser comercializado. Mas no estacionamento tem umas oito pessoas que trabalham lá, e geram emprego e renda para a própria pessoa que está morando na ocupação. Estão alegando que isso é crime. Mas o dinheiro não vai para a ocupação, vai para as pessoas que trabalham ali”, conta Neti.

Adriano e Silmara foram acusados de um furto qualificado de energia elétrica. Como a pena máxima prevista para esse tipo de crime é superior a quatro anos de prisão, a autoridade policial não pode arbitrar fiança, explica Vivian Marconi, advogada de Silmara. Isso significa que ambos ficarão presos pelo menos esta noite. Adriano deve ser encaminhado ao 77º DP (Santa Cecília), e depois da audiência de custódia deve ficar preso no CDP I do Belém, na zona leste. Silmara, mãe de três filhos pequenos e de outro com necessidades especiais, vai para o 89º DP (Portal do Morumbi), e posteriormente deve ser encaminhada para o CDP Feminino de Franco da Rocha. A delegada Karla Regina Teixeira, do 2º DP, pediu a conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva, alegando a necessidade de “garantir a ordem pública, diante da gravidade concreta do delito”.

“Nossa principal preocupação é tirar os dois”, diz o advogado de Adriano, Sergio Tarcha. “Tenho convicção que amanhã (sexta-feira, 26) o alvará de soltura será expedido. Minha preocupação é se teremos tempo hábil para a soltura ainda amanhã. Não tenho a menor dúvida que serão colocados em liberdade, espero que seja amanhã. Isso tudo já já será como se não tivesse acontecido”

Tarcha explica como deve funcionar a defesa dos dois. “O Adriano está morando há cerca de três ou quatro anos no local. O ‘gato’ tem um interstício temporal de mais ou menos um ano. Um crime sem grave ameaça ou violência, de menor potencial ofensivo, com uma pena abstrata que comporte a concessão, em que houver a confissão espontânea, é possível que o Ministério Público ofereça a ausência de percepção penal, ou seja, não será processado. Por isso o Adriano confessou. A Silmara não confessou nada porque ela não fez nada. O Adriano enfatizou que não chamou a Silmara, ele pediu ajuda em um grupo de WhatsApp. Não tenho dúvida que ambos serão absolvidos”, conta.

Na manhã desta sexta-feira (26/2), promotor Felipe Bragantini de Lina, do Ministério Público de São Paulo (MP-SP) se manifestou pela libertação de Adriano e Silmara, alegando que “o crime foi cometido sem violência ou grave ameaça a pessoa”. As defesas de ambos ainda esperam por uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP).

Neste sábado (20/2) a Polícia Militar invadiu a Ocupação Mauá, sem mandado, com o pretexto de buscar drogas. Durante a operação, moradores foram impedidos de entrar ou sair do prédio.

Para a advogada Vivian Marconi, isso demonstra um recrudescimento da ação da policia contra as ocupações no centro de São Paulo. “Como existe uma orientação do CNJ recomendando que não haja reintegração de posse durante a pandemia, eles estão fazendo o que podem para desarticular, fragilizar e macular a imagem dos movimentos de luta por moradia”, pondera.

A reportagem da Ponte procurou a Secretaria de Segurança Pública do governador João Doria (PSDB), por meio da assessoria de imprensa terceirizada InPress, para questionar quantas prisões por furto de energia elétrica foram realizadas em São Paulo no ano de 2020, e também para solicitar entrevista com os investigadores e com a delegada responsáveis pelo flagrante.

A pasta enviou a seguinte nota, sem responder parte das perguntas e sem se manifestar sobre o pedido de entrevistas: “Policiais Civis estavam em atuação de campo para combater aos crimes de furtos e roubos de celulares na região,  especificamente no prédio  citado pela reportagem, por ser regularmente utilizado como rota de fuga de criminosos. No local, verificaram que havia uma ligação de energia irregular. O fornecimento de energia tinha sido cortado desde o início de dezembro. Os representantes do prédio e estacionamento que funcionam no endereço – um homem de 44 anos e uma mulher de 49 anos – foram levados ao 2º Distrito Policial e foram acompanhados por seus advogados durante o registro da ocorrência de furto. Foi realizada perícia no local. A dupla foi presa em flagrante e permanecem à disposição da Justiça.”

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