Milhares de uruguaios protestam contra lei de anistia

Por Victor Farinelli.

No fim da tarde desta segunda-feira (25/02), ao redor da Coluna da Paz, monumento simbólico da Plaza Cagancha, em Montevidéu, havia pouco mais de 25 mil uruguaios em protesto. Após cinco minutos de silêncio, vieram os aplausos, abraços, lágrimas e o hino do país.

Terminada a parte protocolar do ato, os gritos passaram a ser variados, e direcionados a um dos flancos da praça, onde está o prédio da Suprema Corte de Justiça do Uruguai. Foi de lá que saiu, na última sexta-feira (22/02), a decisão que motivou aquele evento.

Victor Farinelli/Opera Mundi

Cerca de 25 mil pessoas compareceram ao protesto em Montevidéu

O máximo tribunal de justiça do país declarou inconstitucionais os dois artigos centrais da chamada Lei de Interpretação, aprovada pelo Congresso do país em 2011, e que anulava os efeitos da Lei de Caducidade (similar à Lei de Anistia no Brasil), pela qual se determina a prescrição dos crimes da ditadura uruguaia (1973-1985).

Por meio da Lei de Interpretação, o Estado Uruguaio buscava mudar a classificação dos delitos cometidos durante a ditadura, citados pela Lei da Caducidade como crimes penais comuns, e que passariam a ser tratados como crimes contra a humanidade, o que os tornaria imprescritíveis.

A Suprema Corte considerou que o item da lei que impedia a aplicação de prescrição não se adequava às normas constitucionais do país. Outro artigo rechaçado pelo tribunal foi o que permitiria que casos aos quais havia sido aplicada a prescrição pudessem ser reeditados e julgados novamente sob a nova regra de imprescritibilidade.

A decisão inspirou o evento desta segunda, convocado durante o fim de semana por diversas organizações sociais e grupos de familiares de vítimas da ditadura e realizado na praça onde fica a sede do Poder Judiciário. A iniciativa foi abraçada pela Frente Ampla, coalizão governista uruguaia, que levou várias de suas figuras ao protesto, incluindo alguns ministros de Estado.

Uma das figuras presentes foi o subsecretario de Educação e Cultura, Oscar Gómez da Trindade, que viu na manifestação “um fio de esperança diante de uma situação complexa, porque há cada vez menos instâncias onde podemos reverter as vitórias dos que lutam pela impunidade”.

A própria Lei de Interpretação, uma medida simbólica do governo de José Mujica (já que ele mesmo foi vítima da ditadura, que o torturou e o manteve preso em uma solitária por dez anos, entre 1974 e 1983), foi uma reação da Frente Ampla ao resultado do plebiscito que ocorreu em 2010, simultaneamente às últimas eleições presidenciais. Naquela ocasião, 47% dos uruguaios votaram a favor da anulação a Lei de Caducidade (como é chamada a Lei de Anistia uruguaia), não sendo alcançada a maioria simples, necessária para a aprovação da proposta.

Outra presença marcante no evento foi a do jornalista e escritor Eduardo Galeano, que classificou como “triste” a decisão da Justiça de seu país. “Está cumprindo o papel que foi encomendado pelos políticos que os nomearam, que são os mais interessados em apagar a memoria e perpetuar o medo”, afirmou o escritor, que logo concluiu: “a multidão que está aqui presente é a evidência de um país que não quer ser prisioneiro do medo, e não falo somente dos que vieram, me refiro, sobretudo, àqueles que, sem estar, estão”.

A transferência da juíza Mota

A sentença de inconstitucionalidade contra os dois artigos da Lei de Interpretação não foi a única decisão criticada pelos manifestantes durante do evento. Na segunda-feira anterior (18/02), a Suprema Corte do Uruguai tomou outra medida também polêmica, considerada pelas organizações presentes como um preâmbulo do que foi anunciado no dia 22.

Trata-se da transferência da juíza Mariana Mota, que encabeçava mais de 50 casos de direitos humanos ligados à ditadura. Na semana passada, a Suprema Corte anunciou que Mota não atuará mais em casos do Tribunal Penal, e que passará a trabalhar no Tribunal de Família.

Também na semana passada, o Congresso Uruguaio enviou ao Poder Judiciário um convite para dar explicações sobre o remanejamento da juíza Mota, que rechaçou a possibilidade de enviar um representante ao parlamento, mas afirmou que estaria disposta a responder um questionário enviado pelos legisladores a respeito do tema.

Victor Farinelli/Opera Mundi

Durante a manifestação, em uma coletiva improvisada na Praça Cagancha, a senadora Lucía Topolanski (Frente Ampla), esposa do presidente Mujica, declarou que “a Corte é soberana para decidir o que decidiu sobre a juíza Mota, mas também cabe ao legislativo consultar sobre as razões dessas decisões, que inquietam toda a cidadania. Basta ver o que dizem as milhares de pessoas aqui presentes”.

Topolanski quer que o questionário inclua também uma pergunta sobre como a sentença de inconstitucionalidade da Lei de Interpretação incide sobre os casos de militares já condenados. Atualmente, há cerca de 20 pessoas condenadas por violações aos direitos humanos durante a ditadura no Uruguai, entre elas o próprio ditador Juan María Bordaberry (1973-1976), sentenciado em fevereiro de 2010 pela própria juíza Mariana Mota, que lhe impôs uma pena de 30 anos de cadeia. O ditador faleceu no ano seguinte, enquanto cumpria prisão domiciliária.

Oposição fala em “pressões contra a Justiça”

A oposição uruguaia, por sua vez, solicitou uma cadeia nacional de rádio e televisão para “defender a República contra os ataques à autonomia do Poder Judiciário”, como justificou por Twitter o deputado Max Sapolinski, secretário-geral do Partido Colorado (ao qual pertencia o ditador Bordaberry).

Posteriormente, através de nota oficial do partido, Sapolinski alegou que “a Frente Ampla está tentando orientar as decisões judiciais em favor de grupos minoritários, que não são representantes da leis e da sociedade uruguaia, como é a nossa Suprema Corte de Justiça”.

Fonte: Ópera Mundi.

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