Por Suzana Camargo.
Os números são chocantes. Revelam uma pequena fração do tamanho do mercado internacional do tráfico de plantas e animais selvagens no mundo.
Como resultado da operação conjunta realizada pela Interpol (Organização Internacional de Polícia Criminal) e a World Customs Organization (WCO) foram resgatados vivos 1,4 mil répteis, 9,7 mil tartarugas e jabutis, 9,8 mil espécies marinhas e 4,3 mil aves.
Além dos animais, foram apreendidos 545 kg de chifres de elefante, 1,3 tonelada de escamas de tatu, 1,7 mil plantas e 604 toneladas de madeira.
Realizada em 109 países, a operação identificou rotas de tráfico e pontos críticos do crime com antecedência, permitindo que equipes das polícias ambiental e aduaneira recuperassem animais e plantas que estavam sendo tirados ilegalmente de seus países.
Durante a ação foram presos quase 600 suspeitos. No Uruguai, três traficantes foram flagrados com mais de 400 espécies animais. Na Itália, a operação conseguiu apreender 1.850 aves.
“O crime contra a vida selvagem não apenas retira recursos do nosso meio ambiente, mas também tem um impacto através da violência associada a ele, da lavagem de dinheiro e da fraude”, alertou Jürgen Stock, secretário geral da Interpol. “Operações como essa são ações concretas voltadas para as redes de crime transnacionais que lucram com essas atividades ilícitas”.
O gigante e cruel mercado do tráfico de aves silvestres
O mundo da comercialização ilegal de aves é um universo muito cruel. A taxa de mortalidade é de 90%. Pouco mais de 1% delas sobrevive ao transporte. Os pássaros são acondicionados das maneiras mais desumanas possíveis. Muitos são colocados dentro de canos de PVC, escondidos entre cargas. Não é surpresa então, que a maioria deles chegue morta ao destino final.
Estima-se que o o mercado desse setor movimente cerca de US$ 42,8 bilhões globalmente.
No Brasil, ainda hoje, após 50 anos de o país ter se tornado o primeiro da América do Sul* a proibir a venda comercial de animais silvestres, entre 30 e 35 mil aves são confiscadas por ano. “Antigamente a legislação permitia que o animal capturado na natureza fosse comercializado, mas desde 1967, não mais”, explica Felipe Feliciani, biólogo e analista de conservação do WWF-Brasil. .
E por que o tráfico ainda persiste? “Dado o tamanho e a complexidade das fronteiras do Brasil, é difícil ter uma fiscalização 100% eficiente”, diz o biólogo.
Segundo Feliciani, quase que a totalidade das aves traficadas no país são para atender a demanda interna.
Onde há demanda, há tráfico
No Brasil existem três tipos de criadores de aves: amadores, comerciais e científicos. Todos precisam ser cadastrados junto ao Ibama, mas só os comerciais podem vender pássaros. Já os científicos são os únicos autorizados a ter e tentar a reprodução em cativeiro de espécies ameaçadas de extinção, como a ararinha-azul.
Ainda de acordo com o biólogo do WWF-Brasil, o que acontece é que alguns criadores comerciais “esquentam” os animais do tráfico, ou seja, revendem o que foi capturado ilegalmente na natureza.
Entre os anos de 2000 e 2013, a África do Sul foi o maior exportador mundial de papagaios sul-americanos. Os principais consumidores de aves silvestres são Estados Unidos, além de Portugal, Espanha, Holanda e Bélgica. Entretanto, os países europeus servem mais como porta da entrada ilegal desses animais para aquele continente.
“Os Emirados Árabes também são uma das rotas”, destaca Feliciani, ao comentar que o traficante que me ofereceu a ararinha-azul mencionou o aeroporto de partida como sendo em Dubai.
Recentemente, a Turkish Airlines foi denunciada por colaborar com o tráfico internacional. Uma investigação da Proteção Animal Mundial revelou que a companhia aérea da Turquia e sua transportadora (Turkish Cargo) permitem o transporte de animais silvestres. Os traficantes usam a empresa para levar papagaios-do-congo africanos em voos que saem da República Democrática do Congo, Nigéria e Mali com destino a países do Oriente Médio e Ásia.
Há pouco tempo, mais de 60 deles chegaram mortos ao Kuwait. “A capilaridade da companhia é muito ampla. Ela voa para 120 países, incluindo o Brasil. Por isso, o resultado da investigação é tão alarmante”, destaca Roberto Vieto, gerente de vida silvestre da Proteção Animal Mundial.
Se já existem leis que proíbem a comercialização das aves silvestres, como dar um basta no tráfico? O biólogo do WWF-Brasil afirma que a legislação é um instrumento, mas é preciso de um maior trabalho de conscientização e educação ambiental para que a população entenda melhor sobre o pertencimento desses seres no meio ambiente.
“Todo comércio vive de uma demanda. No mundo ideal, as pessoas aceitariam que o lugar do animal silvestre é na natureza”, sonha Feliciani. “No meu mundo perfeito, elas deveriam se conscientizar que o tráfico é cruel e que uma ave que tem a habilidade de voar não foi feita para ficar em uma gaiolinha, cantando só para você”.
*Em janeiro, a organização TRAFFIC lançou, com apoio do WWF-International, o estudo “Bird’s-eye view: Lessons from 50 years of bird trade regulation & conservation in Amazon countries” (em tradução livre Vista Aérea: Lições dos 50 anos de regulamentação e conservação do comércio de aves nos países da Amazônia).O estudo completo você pode acessar neste link.