Por Elaine Tavares.
Ex-combatentes das Malvinas exigem direitos e reconhecimento
Luis Gianinni tinha pouco mais de 18 anos quando, servindo ao exército em 1982, foi chamado a defender sua pátria numa guerra praticamente suicida: a guerra das Malvinas. “Nós éramos jovens recrutas, não tínhamos conhecimento de tudo o que estava em jogo. Apenas sabíamos que tínhamos de defender a Argentina. E assim foi”. Luiz, junto com mais 400 companheiros é um dos ex- combatentes que estão acampados na Praça de Maio, em frente ao palácio do governo argentino, exigindo direitos e reconhecimento. Luis, assim como os demais colegas em luta não estiveram na ilha, mas foram mobilizados e chegaram a travar combates no continente. Ainda assim, eles foram deixados de fora da lei que estabeleceu direitos para os ex-combatentes, sob a alegação de que os que atuaram no continente não teriam participado da guerra mesma.
Segundo os ex-soldados isso não é verdade. Eles insistem que quando, dias depois de a Argentina ter iniciado a guerra, foi criado, via decreto, o Teatro de Operações do Atlântico Sul (TOAS) este incluía, além das ilhas, as províncias de Chubut e Santa Cruz, na parte continental. Num dos anexos do decreto também está dito que o Comitê Militar poderia estender sua jurisdição a outros espaços marítimos e aéreos que fossem necessários, visando garantir a defesa de todo o litoral do país num eventual ataque dos ingleses ao território argentino, principalmente na região das bases de Rio Gallegos e Comodoro Rivadavia, de onde saiam os bombardeiros da Força Aérea. Assim que esta zona ficou com as tropas em estado de alerta durante todo o conflito.
Foi por conta deste alerta que os soldados que estavam servindo naquela região se envolveram na guerra. Segundo Luis, eles preparavam obras de defesa, cavavam poços, trincheiras, faziam exercícios militares de defesa, faziam patrulhas e mantinham o armamento em dia, esperando o combate. Toda a correspondência era censurada e eles tinham de estar sempre prontos para entrarem em ação. Assim, dizem os ex-soldados que hoje acampam em frente à casa Rosada: “O medo, o frio, a incerteza, a espera do confronto armado e toda a carga psicológica da guerra foi vivida por cada um dos que ali estavam. Mesmo aqueles que ficaram em Puerto Argentino e que nunca dispararam um tiro sequer. A guerra estava viva em nós. Nós a vivemos”.
Mas, a lei número 22.674, que garantiu direitos às pessoas que sofreram danos ou perderam seus empregos por conta de sua participação na guerra acabou envolvendo apenas aos oficiais e aos que estiveram nos combates na ilha ou nas zonas de saída das tropas. Os demais foram deixados de fora, como se não tivessem vivido toda a atmosfera da guerra. “Naqueles dias todos nós, que éramos muito jovens, vivíamos a angústia de a qualquer momento ter de enfrentar uma outra pessoa, armada, matar e morrer. Isso deixa marcas, isso pode destruir a cabeça de muita gente”.
Entre os argumentos que os acampados apresentam para serem incorporados aos benefícios devidos aos ex-combatentes está o teor do artigo 14º da Lei 13.234 que mostra que durante o conflito o país estava dividido em uma ou mais Zonas de Operação, assim como de uma Zona no Interior. Assim que quem estava no continente, em estado de alerta, também estava no teatro de guerra. “O regulamento do exército define como Teatro de Operações o território, tanto próprio como do inimigo, que seja necessário para o desenvolvimento das operações militares em nível estratégico e operacional. Nesse sentido, nós estávamos bem dentro da zona”. Conforme contam até os livros de história da Argentina: “Eram dias febris tanto nas Malvinas como em Comodoro Rivadavia, cidade que ficava na cabeceira do operativo militar. Unidades de transporte da Força Aérea chegavam constantemente às cidades, repletas de batalhões de infantaria. No continente, as autoridades militares ordenavam operações de defesa, diante de um eventual ataque britânico” (História da Guerra das Malvinas, A. Alonso Piñeiro, p.37).
Luis Gianinni lembra também de uma citação da Corte Suprema de Justiça da Argentina que afirma: “por guerreiro deve-se em geral entender-se o pertencente ou relativo à guerra, e, por conseguinte o ofício ou profissão daquela por homens que como oficiais ou soldados contribuem para a formação de um exército sem que importe se participe ou não de ações de guerra”. Ora, se é assim, porque então todos estes ex-combatentes estão excluídos dos benefícios? Dentro da tenda, armada na Praça de Maio, os ex-soldados insistem em dizer que a resposta deve ser buscada no “da costeleta”, como indicam o ex-presidente Menen, de quem se recusam a dizer o nome. “Agora, esperamos que Cristina seja sensível e ajude a influenciar o legislativo, atendendo nossas reivindicações e repare esse erro”.
Para os homens que há mais de mil dias perseveram, acampados na Praça de Maio, na luta pelo reconhecimento do serviço que prestaram durante a guerra que vitimou mais de 600 soldados argentinos, 17 dos quais eram seus companheiros do continente, o mais importante de tudo é que o governo e o povo argentino reconheçam que eles fizeram parte deste triste momento da pátria. “Já são 27 anos de espera, por pelo menos um aceno de consideração. Nós estivemos envolvidos e sofremos a pressão da guerra. É justo que nos reconheçam. Por um decreto, sem que fôssemos consultados, nos mandaram à guerra, e agora nos deixam aqui, abandonados. Isso sem esquecer aqueles que tombaram e deram sua vida pela Argentina”.
A guerra das Malvinas, que durou de 02 de abril a 14 de junho de 1982, foi levada pelo governo militar da Argentina, quando decidiu recuperar a ilha, roubada pela Inglaterra em 1833 durante suas incursões de rapinagem pela América do Sul. A posse daquele território na América Austral tem importância estratégica por conta do tráfego marítimo e a Argentina sempre havia reivindicado a sua retomada. A decisão de ir à guerra em 1982 esteve ancorada no desgaste do governo de ditadura militar, um dos mais violentos da América Latina, que, vivendo uma crise sem precedentes no campo econômico, precisava encontrar uma forma de distrair o povo argentino das agruras causadas pela incompetência governamental. Assim, os militares decidiram declarar a guerra de retomada das Malvinas, visando unir os argentinos sob uma única bandeira de patriotismo.
A ação de o governo militar argentino mostrou-se completamente desastrosa e as forças locais foram imediatamente aplastadas pelo poderio britânico, que chegou a enviar até submarinos nucleares para os mares do sul. Como era de se esperar, as grandes potências, como os Estados Unidos e outros países europeus, declararam apoio à Grã Bretanha e a derrota argentina foi inevitável. Em batalha após batalha, foram caindo os soldados argentinos, dando uma trágica concretude à mortal aventura da ditadura argentina, que acabou se rendendo em 14 de junho. Três dias depois o general Leopoldo Galtieri, então presidente do país, renunciou e, com esse episódio tem início a derrocada da ditadura, pois o povo dramaticamente percebia, mergulhado numa crise econômica, política e moral, que os militares não podiam mais dar respostas à vida nacional. Um ano e meio depois, acontecem as primeiras eleições livres desde 1976, com a eleição de Raul Alfonsin.
Hoje, ouvindo os ex-combatentes das Malvinas, que seguem ignorados pelas autoridades locais, percebe-se que a Argentina ainda tem muito de avançar no que diz respeito a esse episódio dramático que sepultou mais de mil vidas, entre argentinos e ingleses, nas terras geladas do sul. Os jovens que, naqueles dias, enfrentaram um dos países mais poderosos do mundo em nome de uma quimera, merecem respeito. Eles estiveram na luta, enfrentaram os que lhes eram indicados como inimigos e agora precisam que a Argentina os olhe nos olhos e lhes diga, pelo menos: “gracias”. Já não se trata mais de discutir se foi uma guerra estúpida, e foi, mas de recuperar a confiança daqueles que, de peito aberto, se colocaram na linha de frente para defender seu país. Se os demais combatentes tiveram direitos, eles também os merecem.
Fotos: www.iela.ufsc.br
Fotos: Rubens Lopes. |