O Brasil já conta com uma nova Lei de Migração, que garante direitos e protege os estrangeiros contra discriminação. A norma (Lei 13.445/2017) substitui o Estatuto do Estrangeiro, herdado do regime militar. A elaboração da legislação, que tem como princípios a igualdade de direitos e o combate à xenofobia e à discriminação, vinha sendo defendida desde a redemocratização do Brasil. O texto entra em vigor em 24 de novembro.
Avanços
Publicada com 18 vetos em 25 de maio, a nova lei é decorrente de substitutivo da Câmara dos Deputados a projeto do senador licenciado Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), que teve como relator Tasso Jereissati (PSDB-CE).
Segundo o consultor legislativo Tarciso Dal Maso Jardim, a nova lei considera o migrante como um sujeito de direitos no sentido mais amplo possível, incluindo o brasileiro que sai para o exterior, e acolhe todos os tratados ratificados e absorvidos pelo regime constitucional brasileiro.
— Temos o imigrante, que vem para o Brasil para aqui se fixar; temos o emigrante, que é o brasileiro que sai para o exterior, e a lei traz benefícios para seu retorno; temos o residente fronteiriço; os apátridas, pessoas que não têm nacionalidade; alguns grupos vulneráveis e, por fim, o visitante, que é o estrangeiro que vem ao Brasil a negócios ou a turismo.
Para o consultor, um dos grandes valores da Lei de Migração é o direito à defesa e à segurança jurídica, visto que as legislações precedentes autorizavam a retirada compulsória do país, caso o estrangeiro fosse considerado nocivo, inconveniente ou se ofendesse a tranquilidade e a moralidade.
Tarciso ressalta ainda que a lei não é criminalizante e que o único tipo penal nela previsto coíbe os “coiotes”, que lucram com o fenômeno da imigração ilegal, sem prejudicar o migrante propriamente dito que, se cometer irregularidades, terá que pagar multa ou ser deportado.
— Há uma baixa população de estrangeiros no Brasil, 1 milhão e pouco, inferior a 1% da população brasileira. A população migrante no Brasil é de baixíssima criminalidade.
A Lei de Migração representa grande avanço com relação ao Estatuto do Estrangeiro, avalia a professora de Migração e Refúgio da Universidade de Brasília (UnB) Carolina Claro. Primeiro, explica, saem do primeiro plano as perspectivas de segurança e interesse nacionais e entram as óticas dos direitos humanos dos migrantes e da igualdade entre brasileiros e imigrantes. Em segundo lugar, a lei estabelece princípios e diretrizes que guiarão uma futura política migratória brasileira e também prevê proteção para apátridas, asilados e brasileiros emigrados.
A professora observa que, apesar dos vetos presidenciais, a lei inova ao ampliar os tipos de visto temporário para incluir, entre outros, o tratamento de saúde, a acolhida humanitária de imigrantes e a reunião familiar, temas recorrentes nos fluxos migratórios do século 21 que chegaram a ser regulados por resoluções do Conselho Nacional de Migração. Ela ressalta que a nova norma impede repatriação, deportação e expulsão coletivas, todas vedadas pelo direito internacional.
Outros pontos que ela destaca são a garantia de igualdade de tratamento entre brasileiros e imigrantes e o capítulo específico para proteção dos brasileiros no exterior.
A lei inova também ao aperfeiçoar o procedimento de repatriação, prevendo a participação da Defensoria Pública da União na defesa do migrante ao longo do processo. A mesma lógica foi adotada quanto à deportação, embora essa ainda possa ser imediata em alguns casos, explica o defensor público Gustavo Zortea.
O defensor público observa que a norma amplia as causas impeditivas de expulsão do imigrante e impede que ele, no processo de extradição, permaneça na prisão até a decisão final da Justiça. Outro ponto que destaca é a isenção do pagamento das taxas de regularização aos migrantes mais carentes.
— A nova lei vem para adequar a questão migratória à Constituição de 1988.
Vetos
Para Zortea, alguns vetos desfiguraram a norma, como o à previsão de anistia migratória e o ao processo de regularização mais simples a imigrantes que entraram no Brasil até 6 de julho de 2016 e que fizessem o pedido de regularização até um ano após a vigência da lei. Também foram vetadas a livre circulação de indígenas e populações tradicionais entre fronteiras, em terras tradicionalmente ocupadas, e a extensão da regularização da permanência no país a parentes e agregados dos migrantes.
Na justificativa dos vetos, o presidente Michel Temer alegou que alguns dispositivos poderiam comprometer a segurança e os direitos indígenas e estimular o tráfico internacional de pessoas, sobretudo menores de idade. O exercício de cargo público por estrangeiro também foi vetado. Segundo Temer, isso seria uma “afronta à Constituição e ao interesse nacional”.
— Há preocupação excessiva com terrorismo e segurança. Possibilidades existem, mas não deveriam nortear o tratamento dado a todos os migrantes — afirma Zortea.