Por Eduardo Maretti, RBA.
São Paulo – A aguda crise político-econômica do Brasil e a participação dos meios de comunicação nessa crise não têm causas exclusivamente brasileiras. O fenômeno decorre de uma realidade global, que tem vitimado outros países. “O que se passa no Brasil não é muito diferente do que nós, em Portugal, na Espanha e até mesmo na Itália, tivemos em outros momentos, com a autonomização dos grandes meios (de comunicação) em relação aos meios políticos e o desenvolvimento da própria política”, diz a professora da Universidade de Coimbra Isabel Ferin Cunha.
Para ela, o momento do Brasil é semelhante ao período em que se instaurou a chamada “austeridade neoliberal” em Portugal e Espanha, com intervenções do Fundo Monetário Internacional e do Banco Central Europeu no início da década. Os países estão entre os primeiros a ser fortemente afetados pela crise de dimensões globais que se abateu sobre as economias mais frágeis da Europa – e que revelou ao mundo que o neoliberalismo estava mais vivo do que nunca. Na Itália, o processo, segundo ela, foi representado pelo governo de Silvio Berlusconi (a partir de 2008).
Isabel foi uma das palestrantes no seminário Liberdade e Interdição: Pontos de Vista, realizado na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, ontem (29). Após o seminário, foi lançado livro com mesmo título, organizado pela professora Maria Cristina Castilho Costa, coordenadora do Observatório de Comunicação, Liberdade de Expressão e Censura (Obcom), reunindo ensaios de vários autores.
“Temos uma tradição autoritária, que vem da igreja católica e da própria formação dos nosso países. Portugal, e depois o Brasil, é uma linha autoritária que se mantém. Mas a questão da relação entre mídia e política é um outro fenômeno, introduzido na chamada globalização neoliberal na terceira ou quarta fase, em que a mídia tem o papel de domesticar a população pela aceitação dessa nova fase do neoliberalismo”, afirmou.
O professor Vitor Blotta, do Departamento de Jornalismo e Editoração da ECA e pesquisador Associado do Núcleo de Estudos da Violência da USP, considera que a “não regulamentação” dos meios de comunicação no país tem um papel “importantíssimo” no processo político atual e na crise política brasileira.
“Isso na medida em que diminui a diversidade de opiniões, e então não há versões distintas. Às vezes temos que olhar para a imprensa internacional para contrastar as versões nacionais. Parte da liberdade de expressão é garantir a diversidade das vozes. Por isso, as normas de direitos humanos mais atuais na Europa colocam a necessidade da pluralidade da mídia ao lado da liberdade de expressão e a proteção da privacidade”, diz o professor.
Nesse estado neoliberal internacionalizado, a professora da Universidade de Coimbra não concorda que o golpe contra o governo Dilma Rousseff possa ser atribuído a um acontecimento típico de uma “república de bananas”.
“Não vejo assim. Vejo isso como um processo muito maior, que no Brasil tem configurações próprias, nacionais, mas está dentro de um processo de expansão e reestruturação do neoliberalismo nessa fase da globalização que, em cada país, se dá de acordo com sua cultura, não só no sentido geral, mas no sentido da cultura do sistema midiático, e agora surge com todo seu ‘esplendor’ nesta fase do conflito político.”
Para Blotta, com a realidade trazida pela internet, há uma perspectiva de ampliar o “espectro de vozes” que podem se fazer ouvir no âmbito das comunicações. Mas, mesmo essa saída, apontada por profissionais progressistas dos meios de comunicação e analistas de mídia como um contraponto ao poder midiático dos grandes grupos de comunicação, deve ser vista com reservas.
“Com a concentração, em termos de canais provedores de internet ou grandes empresas de conteúdo e aplicativos como Google e Facebook, também vai sendo gerada uma certa homogeneização, o que dá uma falsa impressão de espaço mais democrático. Tenho estado um pouco cético quanto a isso”, diz Blotta.
Nessa realidade que, para muitos, não permite que se veja luz no fim do túnel, a evolução para um cenário mais favorável à cidadania pode ser possível, mas com avanços lentos e pontuais. “Em termos de estrutura dos meios e de regras de concessão, sou um pouco cético quanto às perspectivas. Acho que são pequenas reformas que podem talvez levar a uma melhora, mais do que um grande marco geral de comunicações, que acho muito difícil de ser aprovado”, diz Blotta. “O Marco Civil da Internet precisa ser protegido.”
Foto: Luciene Leszczynski/Divulgação
Fonte: RBA.