Venezuela: Mídia deve informar e não alimentar morbidez

william3Para William Castillo, informações falsas, ataques a sites públicos e acusações de censura foram parte de estratégia contra governo venezuelano

Por Luciana Taddeo.

Quando se desatou a onda de protestos contra o governo de Nicolás Maduro, em fevereiro, as redes sociais ferveram. As escassas informações ao vivo na televisão durante manifestações e a ansiedade por saber o que acontecia nas ruas tornaram o sistema de postagem em 140 caracteres do Twitter em uma válvula de escape para se informar, comunicar, desabafar, insultar, e até mesmo compartilhar rumores ou imagens falsas.

Para William Castillo, diretor geral do órgão que entre outras funções regula a aplicação da lei de responsabilidade social no espaço radioelétrico, a Conatel (Comissão Nacional de Telecomunicações), as informações falsas, ataques a sites públicos e acusações de censura foram parte de uma estratégia contra o governo venezuelano.

Em entrevista a Opera Mundi, ele fala o uso da internet nos protestos e garante que não se considerou bloquear redes sociais. Para ele, a regulação dos meios de comunicação não é suficiente sem uma atitude profissional dos mesmos, mais atada à ética que a interesses econômicos e políticos, e consciência entre os cidadãos.

Opera Mundi: O senhor afirmou que houve um ataque massivo à plataforma digital da Venezuela durante os protestos. Poderia dar mais detalhes?

William Castillo: Foi uma estratégia de cyberguerra, com ataques coordenados, planejados do exterior, utilizando aplicações de empresas privadas e sites que operam como fachada. A plataforma do setor público foi atacada, os sites do Banco Central da Venezuela, Petróleos da Venezuela [PDVSA], ministérios, da Conatel, da Cantv [Companhia Nacional de Telefones], algumas sofreram milhões de ataques em questão de horas. Isso foi coordenado com uma estratégia de acusar o próprio governo de fazer isso, como quando disseram que a Venezuela estava bloqueando a possibilidade de subir imagens no Twitter. Esse problema aconteceu durante algumas horas e a própria Cantv denunciou, explicando que não era sua responsabilidade. Mas usaram as próprias redes sociais para dizer que o governo não queria que se mostrassem fotos de repressão, veja como os argumentos estavam articulados com as estratégias informáticas. O governo nunca considerou nem está propondo estabelecer algum tipo de bloqueio. Houve manipulação ao atribuir falhas de serviços a censura. O Twitter não afirmou isso em nenhuma página oficial e a franquia na Venezuela disse que se detectou uma falha temporal em serviços no país, mas não atribuiu ao governo. Dias depois, queimaram centrais da Cantv e dispararam contra bases que permitem conexões de internet, gerando afetações em serviços. Mas quem aparece como culpado para o mundo é o governo.

OM: Os sites que vocês identificaram como os que atacaram a plataforma pública eram venezuelanos?

WC: Primeiro pensamos em ativistas individuais, mas o ataque foi massivo e coordenado com campanha midiática. Bloqueamos os poucos que pudemos identificar e tomamos medidas de reforço dos dispositivos de segurança, dos servidores. É difícil identificar de primeira mão de onde vêm estes grupos, porque usam computadores com IP mascarado por aplicações, pode parecer que vêm de um país, mas é de outro. Isso está sendo investigado. Teve empresas que liberaram aplicações como esta, com o selo de “solidariedade com a Venezuela”, o que aparecia como algo inocente para favorecer manifestantes pacíficos, e não como parte de uma estratégia.

OM: Então com tudo isso, a plataforma informática da Venezuela ficou mais robusta?

WC: A Venezuela vem se fortalecendo em matéria informática há vários anos e promove inclusão digital com computadores distribuídos a escolares, empresas nacionais, lugares públicos de conexão. Também tem o conjunto de leis que regulam o setor da tecnologia da informação para fortalecer a prestação de serviços através da internet. Não é um marco civil como tal, contém elementos, mas sem dúvida o que aconteceu nos obriga a nos envolver mais nesta discussão. A regulação tem que estar em mãos da sociedade, mas com acesso real às tecnologias e capacitação para dominá-las, não ser dominados por elas. Acho que o Estado venezuelano tem mais consciência dos riscos, que agora, com a lei pré-aprovada pelo Congresso dos EUA, que diz que apoiará os venezuelanos para uma internet livre e sem censura, acreditamos que legaliza esta guerra. Foi vendida à opinião pública como uma defesa dos direitos humanos, fala das sanções a funcionários venezuelanos e termina, o que é o fundo do problema para mim, validando, legalizando uma guerra cibernética, a invasão do espaço radioelétrico, com a desculpa de que aqui não se permite a livre circulação da informação ou se reprime meios de comunicação.

OM: Durante os protestos, com a quantidade de informação que circulava nas redes sociais, era difícil saber o que estava acontecendo. Como define o que aconteceu?

WC: Estamos em um espaço multimidiático amplamente participativo, com as redes sociais que convertem o cidadão em um meio de comunicação. A viralidade faz com que isso se expanda com grande velocidade, as pessoas inconscientemente repassam sem confirmação da fonte, da originalidade da imagem, da informação. Denúncias importantes foram feitas por cidadãos, mas também teve manipulação de imagens, difusão de rumores, criação de notícias falsas. Seria absurdo se eu dissesse que cada pessoa sabia o que estava fazendo, é como uma onda que vai te arrastando. Mas nas origens, estou completamente convencido de que foi organizado. Como alguém confunde uma foto da Venezuela com o Egito? Isso é pensado para mentir descaradamente e foi feito de forma consecutiva, com dezenas de fotos, não uma ou duas, não é casual.

OM: E vocês pensam em alguma estratégia para lidar com essa reconfiguração da comunicação, em que o cidadão se converte em emissor?

WC: É um desafio. Estou quase tão surpreso como qualquer cidadão, porque sinto no meu entorno comunitário, familiar, o efeito que vejo no país: confusão, uma sensação de terror generalizado não consistente com a intensidade ou com o número de protestos. Os protestos foram fortes e muito violentos em alguns pontos específicos, mas todo o país sentiu que isso estava acontecendo em todos os lugares. Temos que investigar e refletir sobre este fenômeno, que facilita muitas coisas, mas gerou um efeito de terror social muito forte.

OM: No dia 11 de fevereiro, a Conatel advertiu que os meios poderiam estar violando o artigo segundo o qual não podem fazer apologia à violência ou ao não reconhecimento das instituições. E muitas vezes, durante os protestos, era difícil saber pela televisão o que estava acontecendo. Não é tênue a linha entre a regulação e a censura?

WC: É uma discussão muito interessante. Quais são os limites entre a liberdade de expressão e a responsabilidade? Não entre a censura e a linha informativa, porque na Venezuela não tem censura. Os meios de comunicação transmitem uma visão da realidade controlada por editores, jornalistas, chefes de informação. E que também pode ser afetada pelas regulações que existem na Venezuela com uma série de critérios. O jornalista deve saber reconhecer quando um fato é importante para a sociedade e pode emitir o que quiser, mas é responsável por isso. A responsabilidade social é o contrapeso à liberdade de informação e opinião. A liberdade absoluta de opinião e informação deve existir com responsabilidade.

OM: Mas isso é muito subjetivo. Sou responsável pelo que emito, mas se estou ao vivo e minha câmera capta alguém jogando um coquetel molotov contra a polícia…

WC: Toda essa discussão se deu com profundidade na Venezuela. Se você está transmitindo ao vivo, não controla o que está acontecendo. Mas me diga uma coisa, não teve falsas reportagens ao vivo no Iraque, na Síria, com rebeldes disparando e diziam que era o exército, em transmissão ao vivo? Não tem ingenuidade. Não podemos dizer que tudo está dirigido por um laboratório mundial do imperialismo, tem muita gente trabalhando com honestidade e se choca com governos, empresas, se vê sujeito a restrições. Mas na Venezuela não se restringe a informação, aqui existe uma regulação que busca proteger a audiência, crianças, adolescentes. A Globovisión em sua pior época transmitiu um tiroteio em uma prisão daqui não menos de 20 vezes em uma questão de duas ou três horas. Respondia a um critério de informação? Talvez na primeira, na segunda vez sim, mas se em duas horas são 20 vezes, tem um interesse que não é informativo. O equilíbrio também está do outro lado. Assim como se pede que o Estado seja flexível, a cobertura tem que ser responsável.

OM: Mas não se corre o risco de passar de um cenário em que emissoras de televisão foram protagonistas de um golpe de Estado, para um em que deixam de informar? O senhor acredita que o cidadão venezuelano teve acesso na televisão ao que foram os protestos?

WC: É difícil dar essa resposta nesses termos. Na Venezuela se informou dos protestos. Quanto, com que qualidade, cada cidadão avalia. Tinha um ambiente de uma necessidade informativa, o que você diz é verdade, muitas vezes você via televisão e não encontrava aí algo que acalmasse essa necessidade, essa angústia. Mas é trabalho de um meio informar ou saciar uma espécie de morbidez alimentadora de angústia? É mais justa a informação como a do Twitter, onde você encontra tantas versões de um fato, que acaba mais confuso? O meio que usa o espaço radioelétrico tem uma responsabilidade. Não acho que regulação por si só resolva isso, tem que ter uma atitude profissional nos meios de comunicação, dominada mais por critérios éticos e jornalísticos que econômicos e políticos, e consciência dos cidadãos, que também são atores e não usuários passivos.

OM: Quais foram os critérios para tirar da TV a cabo o canal colombiano NTN24?

WC: Fazemos um monitoramento informático, conforme a lei. É impossível cobrir 100%, são quase 800 rádios autorizadas, uns 60 canais de televisão de cobertura nacional, regional, comunitária. Nestes dias, monitoramos este canal e emitimos um informe à ministra, e com base nele, tomou-se essa decisão. Manipularam, mentiram abertamente, usaram signos semiológicos na cobertura, imagens falsas, vitimavam quem para nós estava executando o golpe. Não pretendemos criar uma regulação de Big Brother, nem negar o direito a informar, nosso chamado é à consciência, à ética. A CNN também joga seu papel, determinado pelo Departamento de Estado [dos EUA], e o governo está sendo flexível ao extremo. Eles estão em uma política informativa provocadora, em um papel desestabilizador. Estamos avaliando todos estes fatos.

OM: Recentemente o humorista Luis Chataing disse que a emissora sofreu pressões para o fim de seu programa. Há medo de não renovação da concessão, traumas do caso RCTV?

WC: Se uma pessoa faz alguma acusação, deve prová-la. Os aludidos não disseram nada, e o denunciante não apresentou nenhuma prova. Transmitem esta imagem de que os jornalistas são atemorizados por uma ditadura, quando as grandes televisoras estão ganhando muito dinheiro na Venezuela. No entanto, para a opinião pública, é como se para tomar uma decisão tivessem que consultar o governo… mentira. A opinião na Venezuela não está castigada, o que está é a violação com determinados conteúdos segundo os horários, ou quando há intencionalidade e esta é demonstrada.

OM: Na suspensão do programa de rádio Plomo Parejo, quais foram os critérios?

WC: Este programa é um testemunho do absoluto desprezo à lei, se dedicou a ofender a Polícia e a Guarda Nacional Bolivariana, chamando de assassinos, malandros. Isso era feito com um truque da manipulação: alguém liga para o programa e diz o que eu quero dizer, e eu não questiono. É cheio de anonimatos, ofensas, relatando coisas que não estão acontecendo, incentivando as pessoas a protestar de forma violenta, uma série de violações. Há uma audiência administrativa em andamento, com direito a defesa, na qual se decide se a suspensão é ratificada ou se alguma forma punitiva prevista na lei será aplicada.

OM: Um canal com a linha da TV Pública se justifica em um cenário no qual os outros são partidários. Com a nova linha da Globovisión, por exemplo, vocês monitoram e avaliam o equilíbrio informativo da VTV (Venezuelana de Televisão)?

WC: Monitoramos todos os canais em função da lei. A VTV é um canal do Estado, que tem que fazer frente ao aparato comunicacional, cultural, midiático. Na Venezuela, 85% das concessões de rádio e da televisão está em mãos do setor privado e destes cerca de 80% tem uma linha contrária ao governo. Eu acho que temos que elevar o nível e a diversidade de opiniões da televisão pública, fazer o combate e ser um pouco mais abertos. A Globovisión tem um maior equilíbrio em sua linha, mas tem coberturas críticas. E não é um canal que está em jogo, a revolução enfrenta a indústria cultural e midiática internacional e sua expressão nacional.

Fonte: Opera Mundi.

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