
Em um mundo financeiro instável, com os Estados Unidos governados por Trump e suas tarifas, e uma fronteira de quase 3.200 quilômetros compartilhada com o império, o México avança no marco de sua Quarta Transformação. É chamado assim porque está ligado à independência, reforma e revolução mexicana. Andrés Manuel López Obrador (AMLO) incorporou-o aos seus discursos, e agora a atual presidente, Claudia Sheinbaum, está a caminho de aprofundá-lo. É mais do que apenas um slogan da campanha de 2018 com o qual o Morena, o partido de centro-esquerda, chegou ao poder. Seu projeto depende muito da reforma judicial que marcará uma virada em 1º de junho. Os juízes serão eleitos pela população. Nem a pedido do Poder Executivo nem por eleição dos senadores.
A votação para os candidatos ao Supremo Tribunal Federal, à Câmara Superior do Tribunal Eleitoral, aos cargos de magistrados regionais, ao Tribunal Disciplinar Judicial e a 50% dos cargos de tribunais distritais será realizada para preencher as 881 vagas disponíveis. Os candidatos pré-selecionados já foram verificados quanto aos seus antecedentes e adequação. A lista de candidatos chega a 3.422. A reforma é chamada de Processo Eleitoral Extraordinário do Poder Judiciário da Federação 2024-2025.
A decisão do partido governista que governa o México desde 2018 é perturbadora e tem gerado controvérsia e críticas desde o início. A oposição, o próprio judiciário afetado e até mesmo os governos dos Estados Unidos e do Canadá, seus parceiros no Acordo de Livre Comércio, intervieram com comentários intervencionistas. O ex-embaixador dos EUA Ken Salazar chegou a dizer que isso representa um “risco para a democracia” em agosto de 2024.

Mas a considerável legitimidade do Morena, uma coalizão eleita com altas porcentagens de votos, especialmente nas últimas eleições (com mais de 60% de apoio em todo o país e ultrapassando 70% em vários estados), permitiu que ele sustentasse sua reforma mesmo diante das críticas de interesses tão poderosos.
Alguns dos critérios que os elegíveis para a votação de 1º de junho tiveram que passar foram: ter diploma de direito com média mínima de oito em disciplinas relacionadas ao cargo; cinco anos de experiência em prática jurídica e cinco cartas de recomendação. Aqueles que ocuparam cargos no Judiciário até agora não precisaram passar pela mesma avaliação. Em certos estados, como Aguascalientes, Coahuila, Jalisco e Zacatecas, os candidatos foram testados.
No final de março, Sheinbaum declarou que “o México será o país mais democrático do mundo” porque seu eleitorado votará nos três poderes do governo. A reforma quase coincide com o bicentenário da Constituição Mexicana de 1824. As eleições ocorrerão nos 32 estados que anteriormente aprovaram de forma esmagadora a iniciativa de Morena. Em resposta às críticas da direita e dos setores econômicos mais concentrados, o presidente respondeu em fevereiro: “O INE deve resolver qualquer falta de informação ou qualquer problema que possa surgir”.
Ele estava se referindo ao Instituto Nacional Eleitoral. Esta organização criou o Certeza INE, um projeto multidisciplinar para combater a desinformação eleitoral que circula nas redes sociais e meios digitais.
A campanha para eleger grande parte do judiciário termina em 28 de maio, e os candidatos a cargos não têm acesso a recursos públicos e precisam captá-los do próprio bolso. O recenseamento eleitoral, se levarmos em conta as eleições vencidas por Sheinbaum, chega a quase 100 milhões de eleitores. Na votação de 2024 que lhe permitiu tornar-se chefe de Estado, foram registrados 51.859.145 mulheres e 48.173.800 homens.
Agora, eles precisam eleger autoridades judiciais para preencher os 881 cargos dessa primeira fase, que será concluída em 2027. O número de membros da Suprema Corte foi reduzido de onze para nove, e a cédula roxa para sua votação é apenas uma fração dos 600 milhões de cédulas que serão usadas nessas eleições extraordinárias.
As críticas à reforma, aprovada pelo Congresso mexicano em setembro passado, nunca diminuíram desde que AMLO a submeteu ao escrutínio público durante seu mandato presidencial. Foi dito sobre a medida de que os juízes da Suprema Corte não são eleitos por voto em nenhum lugar do mundo, que não houve estudos de viabilidade prévios e que ela foi apressada.
Um think tank local, o Mexico Evalua, observou: “Tem-se insistido que a eleição direta de ministros, magistrados e juízes não será a solução para o sistema de justiça que enfrentamos como país. Pelo contrário, a forma como foi implementada pinta o quadro de um sistema de justiça paralisado, sob risco de ser cooptado por interesses políticos, econômicos e até mesmo criminosos.”
Mas a contrapartida desses ataques à reforma é o nível alarmante do sistema de justiça atualmente em vigor. Os crimes impunes, segundo os autos comprovados em 2023, atingiram 93,63% dos casos, uma melhora de três pontos percentuais em relação a 2022 (96,3), mas não caiu dos 90% de 2018. Os casos que foram condenados não ultrapassam o ponto percentual e abrangem crimes como feminicídios, homicídios dolosos e desaparecimentos forçados. Apenas sete em cada cem casos que chegaram aos Ministérios Públicos estaduais foram resolvidos em 2023, segundo dados do México.
Crimes graves têm sido um problema intratável durante a presidência de AMLO, em um país que tem sido inseguro e violento por décadas. Essa situação levou a uma confiança muito baixa no judiciário. 67,3% da população considera seus membros corruptos.
Os partidos políticos estão proibidos de fazer campanha e não podem propor candidatos para a votação de 1º de junho. A Igreja, no país latino-americano com maior percentual de católicos (96%), pediu reflexão sobre a reforma. O Judiciário, o mais afetado pela Quarta Transformação do Morena, se entrincheirou na resistência, mas não conseguiu se contrapor à legitimidade de origem trazida pelo governo de Sheinbaum, cientista de 62 anos e primeira mulher a governar o país em sua história independente. No dia 16 de setembro, ele completará 215 anos e já terá juízes eleitos pelo povo.
